Peça a Carlo Mondavi para falar sobre si e ele começará assim: “Sou fazendeiro e enólogo, em primeiro lugar. Ainda é aí que meu coração está, na agricultura e na vinificação”, apresentou-se ao AgFeed em uma conversa por vídeo.
A introdução simpática descortina um universo com passado, presente e futuro. Mondavi, mais que um sobrenome, é uma marca divisora de águas na indústria dos vinhos.
Carlo a carrega consigo como um trunfo. Seu avô, Robert Mondavi, foi o homem que criou uma dinastia vinífera fazendo o que se julgava impossível: produzir vinhos de qualidade na Califórnia.
Transformou o Napa Valley, onde instalou seus primeiros parreirais, em um modelo de como a ciência aplicada à agricultura podia superar barreiras climáticas e ambientais.
O neto quer escrever história semelhante em escala ainda maior. Sua ambição é transformar a agricultura global através de um de seus elementos mais icônicos: as máquinas agrícolas.
A ignição já foi dada. Carlo é um dos quatro fundadores da Monarch Tractors, companhia californiana que fabrica tratores elétricos. Ou, para usar a definição da empresa: “tratores inteligentes totalmente elétricos e autônomos, para melhorar a eficiência existente dos agricultores nas operações, aliviar a escassez de mão de obra e maximizar os rendimentos”.
A descrição não revela, porém, o propósito e a missão de Carlo e da Monarch: transformar seus produtos no estandarte de uma cruzada pela redução da pegada de carbono na agricultura. Em última instância, criar uma “Tesla dos tratores”, numa referência à empresa de veículos elétricos do bilionário Ellon Musk.
“Nunca me imaginei envolvido em uma empresa de tecnologia, embora na agricultura e na vinificação sempre tenhamos usado muita tecnologia. Somos inovadores o tempo todo, tentando nos adaptar à Mãe Natureza e aos desafios impostos pela produção de vinhos”, afirma.
Um dos maiores desafios, segundo Carlo, é reduzir ou até mesmo eliminar o uso de químicos nas lavouras. Ele conta que conversou com muitos outros agricultores e entendeu que eles não abriam mão desses produtos por necessidade, e não por vontade.
“Rapidamente aprendi que havia uma divisão econômica difícil de superar”, conta. “Muitos deles, com lágrimas nos olhos, diziam: ‘temos que colocar comida na mesa para nossas famílias, pagar a faculdade de nossos filhos. Se pudéssemos, iríamos embora desses produtos químicos’”.
Carlo pesquisou mais e encontrou dados mostrando que mais da metade dos agricultores americanos não têm negócios lucrativos. E que a alternativa aos químicos passava por um uso mais intenso de maquinário, o que representava mais custos com combustíveis e maiores emissões de gases.
Foi então que disse ter entendido o papel chave do trator no negócio. “Em 2018, conheci meus parceiros na empresa meio que por desespero, pela necessidade. Eu realmente precisava dessa tecnologia na minha fazenda e queria vê-la em outras propriedades também”.
Carlo entendeu também que, além de ser um questionador, poderia ter um papel relevante expondo seu nome/marca ao negócio emergente. Embora o império criado pelo avô hoje esteja nas mãos do grupo Constellation Brands – que reúne dezenas de marcas de bebidas, da cerveja Corona à tequila Casa Noble –, ser um Mondavi poderia abrir portas e porteiras para a Monarch.
Nomeado Chief Farming Officer (ou executivo-chefe para agricultura, em uma tradução livre), é a face mais visível da companhia, sobretudo nos contatos institucionais e com os clientes.
Do lado técnico e financeiro, a empresa nasceu com atributos que os investidores do vizinho Vale do Silício adoram: um time altamente qualificado, com uma ideia e um propósito transformadores.
Ao lado de Carlo estão cientistas e executivos testados e reconhecidos por lá, tornando a analogia com a Tesla ainda mais real. “Mark Schwager, nosso presidente, veio da Tesla”, diz Carlo. “Ele ajudou Elon, nos primeiros dias, a escalar a Tesla. Ele está por trás da gigafábrica construída pela empresa”.
Praveen Penmetsa, outro cofundador e atual CEO, já tinha passagens pela indústria aeroespacial e as aplicações de tecnologia como GPS e robótica na agricultura.
Zachary Omohundro, PhD em robótica pela Universidade Carnegie Mellon e mestrado em Engenharia Elétrica, fecha o quarteto inicial. “São todos caras incrivelmente brilhantes”, afirma Carlo.
“Eles reuniram um time extremamente talentoso e experiente de engenheiros elétricos, eletrônicos e de software, e seus tratores refletem isso”, afirmou Scott Wine, CEO da fabricante de máquinas agrícolas CNH em 2021.
A CNH Ventures, braço de investimentos do grupo, é um dos investidores da Monarch. Participou em duas rodadas de captação realizadas pela empresa, que já levantou mais de US$ 110 milhões para financiar suas operações.
Também apostaram na Monarch a Trimble, empresa americana especializada em sistemas de automação, a Musashi Seimitsu Industry, fabricante japonesa de autopeças, a VST Tillers Tractors, companhia indiana de tratores, a One Ventures, fundo de venture capital do Vale do Silício e a MUUS, especializada em investimentos com foco em sustentabilidade.
Os primeiros tratores da Monarch começaram a rodar em 2020, em projetos pilotos em vinícolas da Califórnia, onde Carlo cresceu. Era só o começo da escalada.
Para acelerar o processo industrial, a empresa assinou recentemente um contrato de terceirização com a chinesa Foxconn, maior fabricante mundial de produtos eletrônicos, que tem, entre seus clientes, a Apple. Caberá à Foxconn a produção do novo modelo da Monarch, o MK-V, e suas baterias, o que será feito em uma fábrica do grupo chinês no estado americano de Ohio.
O MK-V é o segundo modelo da empresa a ser comercializado. Foi lançado em dezembro passado e as primeiras unidades foram adquiridas justamente pela Constellation Brands, atual dona da marca Robert Mondavi.
Carlo fala com paixão sobre os tratores, que podem funcionar de forma autônoma, sendo controlados à distância. “Não precisaria ter, mas mantivemos o assento porque sabemos que o agricultor gosta da sensação de pilotar os seus tratores”, diz.
Com uma infinidade de câmeras (que permitem visão 360 graus) e sensores, as máquinas são preparadas para funcionar como um hub de coleta de dados sobre as lavouras, ajudando o produtor a entender o que acontece em cada área e tomar decisões mais assertivas.
De acordo com Carlo, as baterias têm capacidade de duração média de 14 horas. Localizadas na dianteira do veículo, elas são facilmente substituíveis, o que, segundo diz, pode garantir operação por 24 horas.
“Uma coisa que o Mark dizia é que a única coisa que você tem que acertar é o tamanho da embalagem da bateria, que é devidamente maciça”, conta.
Carlo lembra que a maioria das propriedades rurais já está preparada para fazer a recarga nas baterias, pois já está conectada à rede de energia elétrica. Mas o sonho da Monarch é que cada agricultor seja também o produtor da sua energia. “Tenho dito sempre a eles: ‘ao invés de comprar diesel, você pode cultivar sua própria energia’”.
Carlo tem o discurso na ponta da língua: “Metade da terra habitável do nosso planeta é agrícola. E o que varre essas terras agora é uma quantidade imensa de recursos renováveis. Pense no vento, no geotérmico, no hídrico, no solar, com certeza. Portanto, a independência energética é o futuro”.
Um MK-V custa atualmente em torno de US$ 90 mil. De acordo com Carlo, esse investimento, graças à economia feita por não comprar mais diesel, tem retorno em dois anos para um produtor americano. Na Califórnia, que acaba de tornar os tratores da Monarch elegíveis em um programa de subsídios para energias renováveis, pode cair para um ano.
Por esse motivo, o primeiro foco da empresa está ainda no mercado americano. Já há tratores vendidos na Europa e na Nova Zelândia, mas a Monarch quer dar um passo de cada vez.
A estratégia também é concentrar esforços em culturas de especialidades, como vinhedos, pomares e legumes, “onde há a maior carga de mão de obra e onde temos os maiores desafios”.
O porte compacto e a motorização elétrica dos tratores da empresa adequam-se bem a esse tipo de trabalho. Grandes culturas, como soja e milho, não estão, por enquanto, nos planos. “Vamos deixar a John Deere e todos os grandes ficarem por aí”, ironiza.
“Definitivamente estamos pensando grande, mas não estamos pensando em tratores maiores”, afirma Carlo. “Com o tempo, o que vemos é uma migração de volta para tratores menores, que são, neste momento, o maior segmento e o de mais rápido crescimento”.
Carlo volta ao discurso de vendas. Diz que a substituição de um trator comum por um Monarch, em termos de redução de emissões de CO2, equivale a tirar 14 carros movidos a gasolina das ruas.
“Sendo elétricos, eliminamos a pegada de carbono. Por sermos autônomos, podemos ajudar a superar a divisão econômica”, diz. “Portanto, agora podemos ajudar a reduzir os insumos dos agricultores, fugir da era dos combustíveis fósseis na agricultura, permitir que os produtores entrem na era renovável da agricultura”.
Ele se entusiasma e vê o Brasil como uma fronteira relevante para suas expansão. “Não estamos brincando, estamos crescendo rápido”, afirma. “Estamos realmente interessados no Brasil e algumas pessoas do país já entraram em contato”.
Isso acontecerá apenas quando o negócio já estiver consolidado nos mercados americano e europeu, mas pode ser antes do que se imagina, garante.
“Não somos uma empresa que está meio que sentada e querendo introduzir lentamente nos mercados. Nós realmente somos uma empresa movida a impacto. Então, para nós, impacto significa substituir o maior número possível de tratores a diesel por elétricos e remover a pegada de carbono no mundo todo”.