O universo dos Fiagros vive em alta desde que foi criado em 2021, com avanço expressivo no número de investidores. Alguns destes fundos têm, no entanto, enfrentado desafios à medida que empresas do setor passaram a ter dificuldades financeiras.
Os dados do boletim mensal da B3 referentes ao mês de junho mostram 308,5 mil investidores pessoa física com pelo menos uma cota desses títulos na carteira.
O número representa um avanço de 9,7% em relação a maio, quando eram 280 mil pessoas. Em junho de 2022, eram menos de 70 mil. No total, são quase R$ 9 bilhões em estoque.
Apesar disso, esse universo deu pequenos sustos em alguns investidores nos últimos meses. Se de um lado a negociação de Fiagros continua a todo vapor, com cada vez mais dinheiro alocado, alguns fundos tiveram de lidar com casos de empresas de seus portfólios entrando em recuperação judicial ou enfrentando inadimplências e problemas de crédito.
Em maio, por exemplo, dois Fiagros da XP, o XP Crédito Agro (XPAG11) e XP Crédito Agrícola (XPCA11), receberam a notícia de que a Usina Açucareira Ester, que está no portfólio de ambos, entrou com um pedido de recuperação judicial.
Já em junho, o Fiagro da Vectis (VCRA11), informou um problema relacionado ao pagamento de um produtor, envolvendo um CRA, que correspondia a 6% do patrimônio do fundo.
Antes disso, o Fiagro da gestora Valora (VGIA11) também informou os cotistas da reestruturação de dívidas da Cooperativa Languiru, que faz parte do portfólio do fundo, em fevereiro. Esse Fiagro é o mais negociado da B3 há meses.
Os casos servem como alerta para gestores e investidores com a mudança de cenário afetando alguns players do agro. Muitos produtores têm sofrido problemas de capitalização devido à queda no preço das commodities este ano. O crédito mais difícil em meio aos juros altos também comprometeu planos de empresas do setor.
Em uma entrevista recente ao AgFeed, o head de agronegócio da Falconi, Rodrigo Rodrigues, se mostrou preocupado com empresas de insumos, incluindo varejo e cooperativas. Na visão dele, podemos ver novas recuperações judiciais no agro e balanços mais “apertados” nos próximos meses.
Além disso, Rodrigues alertou que uma parte dos produtores rurais ficou muito exposta aos riscos financeiros por não travar a relação de troca. Esse imbróglio pode afetar não só os produtores, mas também os investidores de Fiagros.
Um diretor ligado ao agronegócio em uma gestora conversou com o AgFeed e explicou que, na visão dele, o grande problema de alguns fundos que investem no agro é a dificuldade na individualização do risco de crédito.
Na história do agro brasileiro, o Banco do Brasil e as revendas financiaram o segmento e, com isso, tinham um controle maior da capacidade produtiva das fazendas e dos produtores, já que a maioria dos agricultores brasileiros “atuam com CPF e não com CNPJ”.
Além do desconhecimento de como funciona o segmento, esse diretor comenta que o cotista dos Fiagros e de fundos em geral toma a decisão com base no retorno em carteira. Se existir um fundo prometendo pagar mais do que a média, então tende a ser o escolhido desse investidor.
Na visão dessa fonte, as gestoras que possuem menos expertise no agro e nas nuances do crédito de cada tipo de empresa e produtor e mesmo assim colocaram Fiagros no mercado com promessas altas de retorno devem reduzir a porcentagem de pagamentos, o que pode diminuir a liquidez e o número de cotistas.
“A história de aproximar a Faria Lima do campo precisa ser bem feita, senão prejudica a indústria”, comenta esse diretor.
Paulo Fróes, diretor de mercado de capitais da StoneX, ressalta que esse é um problema de crédito, e não dos Fiagros em si. Somado a isso, destacou que, se de um lado a experiência dos fundos imobiliários inspirou e fomentou os fiagros, as diferenças entre os setores às vezes se perdem na gestão.
“Um fundo imobiliário tem um ativo real que é o imóvel, que recebe aluguel todo mês independente da situação. No agro, temos uma sazonalidade forte, ainda mais num país como o Brasil, que tem problemas de clima e de regiões distintas”, afirma.
Ele exemplifica que, para atrair cotistas, uma gestora distribui um Fiagro no mercado com uma remuneração mínima de CDI mais, no mínimo, 3%, com juros distribuídos mensalmente, assim como num fundo imobiliário.
Para compensar a dinâmica não mensal do agro, o gestor então cria uma espécie de caixa para ir pagando dividendos ao longo do tempo que seu portfólio não gera receita.
“Se um produtor toma R$ 100 milhões em um CRA, por exemplo, e a gestora retém R$ 20 milhões, ele vai ter que pagar juros sobre os R$ 100 milhões iniciais, mas só pode usar R$ 80 milhões”, exemplifica Fróes.
Essa situação, que é favorável ao gestor e ao cotista, é desfavorável ao “devedor”, e acaba criando problemas de crédito.
“As particularidades de cada produtor e região do Brasil têm que ser incorporadas nos fundos. Vemos hoje uma dificuldade dos gestores em perceber isso e eles vão ter que caminhar para um campo comum junto ao devedor”, acrescenta.
Outro ponto citado por Fróes, da StoneX, é que algumas empresas do agro que não fixaram preços tiveram problemas por conta da guerra envolvendo a Rússia e Ucrânia, já que o preço dos insumos subiu muito e o das commodities, posteriormente, baixou.
Para ele, se um produtor não se protegeu dessa situação de variação do dólar e das commodities, está sujeito a problemas. E se um produtor desse estiver dentro de um Fiagro, o fundo em si pode trazer esses problemas para a ponta dos cotistas.
“Tudo passa por uma educação setorial tanto do devedor quanto do investidor. Primeiro é preciso entender mais de governança e melhores práticas, pois não se trata de um empréstimo bancário que você pode ir postergando. Além disso, a gestora precisa entender que o agro tem peculiaridades”, finaliza.