Que a cana-de-açúcar é a matéria prima para a produção do açúcar e do etanol não é novidade. Mas um grupo de pesquisadores da Universidade de East London, na Inglaterra, criou uma maneira inovadora de utilizar o bagaço da cana, resíduo proveniente do processamento, para criar um tijolo que promete tornar a construção de casas mais barata e sustentável.

Batizado de Sugarcrete - junção das palavras sugarcane (cana-de-açúcar, em inglês) e concrete (concreto) - o projeto começou como uma pesquisa dentro da própria universidade. Entre os diferenciais do material estão seu baixo custo de produção, alta resistência, isolamento térmico, adaptabilidade a formatos para a construção de casas e, claro, a sustentabilidade, ao utilizar um resíduo agrícola para gerar soluções de construção.

“O Sugarcrete possui as mesmas características e potenciais de um tijolo convencional, mas sua produção tem pegada de carbono negativa e custo até cinco vezes menor se comparado ao tijolo convencional”, explica Armor Gutierrez Rivas, professor-sênior de arquitetura e um dos coordenadores do projeto.

Além disso, sua produção se utiliza das mesmas tecnologias usadas para a fabricação de tijolos convencionais e os mesmos métodos construtivos. “Não é necessário investir em novas tecnologias ou adaptações de processos, que normalmente geram certa resistência no mercado”, afirma Alan Chandler, diretor de pesquisa da UEL.

A primeira construção com Sugarcrete será feita em Londres, com as obras previstas para começar em outubro. Chandler revela que será uma área pública ao lado da fábrica da Tate & Lyle, empresa do ASR Group - um dos maiores grupos de processamento refino e produção de açúcar e derivados do mundo e uma das parceiras do projeto -, para que os residentes da comunidade possam cultivar alimentos como verduras e legumes. No entanto, os pesquisadores já estão em contato com outros países para levar o Sugarcrete mais longe.

Com a primeira etapa da pesquisa concluída, o grupo agora busca parceiros tanto em universidades, quanto em indústrias e empresas de construção civil nos países produtores de cana-de-açúcar. Entre essas nações está, naturalmente, o Brasil.

“Queremos dar continuidade ao projeto firmando parcerias com pesquisadores locais e indústrias que estejam interessadas em implantar a produção localmente e assim contribuirmos com o desenvolvimento de soluções sustentáveis de construção, adaptadas às necessidades de cada região”, explica Rivas.

O Brasil é o maior produtor de cana e bagaço do mundo. Somente na safra 2022/2023, encerrada em 30 de abril, foram processadas 548 milhões de toneladas de cana na região Centro-Sul do país, principal produtora. Como consequência, são produzidos cerca de 160 milhões de toneladas de bagaço de cana por ano, dos quais 92% são destinados à geração de energia, segundo dados do Balanço Energético Nacional, fornecidos pela Unica – União da Indústria de Cana-de-Açúcar.

O Nordeste e Norte do Brasil deve processar mais 58 milhões de toneladas de cana na safra que está sendo finalizada, segundo a Associação de Produtores de Açúcar, Etanol e Bioenergia (NovaBio).

Rivas explica que para produzir o Sugarcrete em escala industrial e atender diversos mercados, seria preciso utilizar entre 10% e 20% do total de bagaço de cana disponível no mundo. Ele revela que, em muitos países, o bagaço não tem destino certo e acaba queimado, quando há potencial para ser reaproveitado por outros setores.

“A nossa tecnologia pode ser complementar à geração de bioenergia e outros destinos do bagaço, contribuindo ainda mais para o reaproveitamento desse resíduo”, pondera o pesquisador.

Pesquisadores enxergam o produto como alternativa para a construção de casas a custos acessíveis e mais seguras, se comparadas a outros materiais como a madeira, altamente inflamável e cara. No Brasil, por exemplo, o Sugarcrete poderia ser utilizado em regiões de alta demanda habitacional, na construção de casas populares com valores mais acessíveis.

Além do Brasil, o grupo trabalha na construção de parcerias no México, Índia, Austrália e Costa Rica. Os pesquisadores explicam que muitos países importam concreto para construção, quando têm à mão o bagaço de cana e outras matérias primas que podem ser usadas para produzir os tijolos. “Nosso intuito com esse trabalho é compartilhar o conhecimento, para que o Sugarcrete esteja disponível em diferentes países”, explica Chandler.

Viabilidade construtiva

Para testar a viabilidade construtiva e industrial do Sugarcrete, o projeto contou com parceiros como o escritório britânico de arquitetura Grimshaw, cujo foco é produzir soluções arquitetônicas com formatos geométricos funcionais. A empresa auxiliou no desenvolvimento do Sugarcrete Slab, um sistema construtivo de blocos geométricos que se encaixam e formam paredes de mosaicos mais leves e resistentes, não precisam de rejunte ou reboco, e se unem apenas com hastes metálicas parafusadas nas extremidades. Para cada formato são produzidos moldes de madeira para formatar o tijolo.

Outra parceira do projeto é a refinadora de açúcar Tate & Lyle. Para o vice-presidente de inovação da Tate & Lyle, John Kerr, o projeto tem bastante potencial de mercado.

“O bagaço já é um material bastante valioso para o setor, mas usá-lo para criar um material de construção com baixo teor de carbono é uma ideia com bastante potencial, uma vez que a construção civil é um dos setores responsáveis por emitir uma quantidade significativa de CO2”.

Projetos personalizados

Um dos diferenciais do Sugarcrete é sua adaptabilidade a diferentes formatos, tamanhos e pesos para atender às demandas específicas de um projeto arquitetônico. Para tanto, é possível variar a ‘receita’ do produto que, além de bagaço da cana, também leva água e silicato de sódio, um componente bastante utilizado por sua resistência à pressão e calor.

Assim, se um projeto construtivo pede uma área com tijolos mais leves, por exemplo, é possível ajustar a mistura e entregar o produto dentro do que o cliente precisa. “Isso acaba gerando economia de tempo e custos numa obra, além de minimizar desperdícios”, explica Chandler.

Outra característica que torna o tijolo verde uma valiosa alternativa para a construção de casas e prédios térreos resistente à umidade e ao calor, tendo passado ileso nos mais variados testes com fogo. “Isso permite que o material seja usado em países que sofrem com inundações, como é o caso da Índia, tornando as construções mais seguras e menos letais para as pessoas em casos de desabamento”, afirma o pesquisador.