Um gigante que quer crescer ainda mais. Esta é a imagem do Bradesco passada por Roberto França, diretor de Agronegócios do banco.
O Bradesco superou, ao final de abril deste ano, os R$ 100 bilhões em crédito liberado para toda a cadeia do agronegócio no Brasil. “Na verdade, o número exato é R$ 101,7 bilhões”, ressalta França.
Para fechar o número, que destaca o Bradesco como o maior entre as instituições privadas no agro, o executivo conta que passou a usar o mesmo critério dos concorrentes para aferir o tamanho dentro do setor.
Estão contabilizadas neste montante operações direcionadas, linhas com recursos do BNDES e também dinheiro originado pela tesouraria do próprio banco, conhecido como recursos livres.
França se mostra otimista que pode ir além. Mesmo projetando “safras robustas” no Brasil e nos Estados Unidos, que vão continuar pressionando os preços no período 2023/24, ele acredita que a queda dos insumos vai compensar e permitir boas margens para o produtor.
Por isso, prevê que o banco vá, no mínimo, manter a média de crescimento do crédito agro no próximo período. “Acredito que chegaremos a junho de 2024 com uma carteira de, no mínimo, R$ 120 bilhões”, diz o diretor do Bradesco.
Acompanhe os principais trechos da entrevista ao AgFeed:
Vamos começar falando da carteira de crédito. Como está a carteira agro do Bradesco?
Nós mudamos o conceito do nosso portfólio. Agora nós falamos da carteira ampla de crédito para o agronegócio. Tudo que financiamos para pessoas físicas, pequenos, médios e grandes produtores, e tudo para empresas. E estamos falando de todos os produtos de crédito dentro do setor. Neste conjunto de produtos, estamos com mais de R$ 100 bilhões em crédito para o agronegócio. Começamos a usar o mesmo critério utilizado por outros bancos.
Esta mudança é recente? No balanço consta uma carteira de R$ 15 bilhões em crédito rural.
Este número é referente só a recursos obrigatórios. Quando somamos crédito com recursos obrigatórios e livres, chegamos a quase R$ 20 bilhões. Em CPRs, temos mais R$ 25 bilhões. Temos R$ 10 bilhões em operações originadas com recursos do BNDES. Aí, quando coloco operações em dólares, debêntures, títulos comerciais e garantias, chegamos a R$ 101,7 bilhões no final de abril.
Isso altera a posição do banco no ranking do setor?
Nós seguíamos os critérios do ranking da Febraban, pelos quais nós já éramos o maior banco privado do agronegócio. Aí outros bancos começaram a usar esses critérios mais amplos. Mesmo nesta base, somos o maior banco privado do agro.
E deste total, a maior parte tem origem em recursos do próprio Bradesco?
É um conjunto de fontes. Tem recursos direcionados, compostos por uma parte dos depósitos à vista no banco, tem Letra de Crédito do Agronegócio (LCA), que cria uma exigibilidade para investir em agro, principalmente via CPR. São os recursos mais obrigatórios. Também utilizamos dinheiro da nossa tesouraria e todas as linhas do BNDES.
Como está este final de ano safra 2022/23?
As demandas por crédito são mais fortes no segundo semestre, quando começa o planejamento da safra de verão, que tem a soja como produto principal. E aí temos um desafio, que é a queda nos preços das commodities agrícolas.
Qual sua expectativa para a próxima safra, diante desse cenário?
Nossa expectativa é de que não haja redução de plantio, tanto na safra de verão quanto na de inverno, e acreditamos que haverá aumento de área plantada. Inclusive na pecuária. A demanda de crédito deve ser um pouco menor, porque os insumos estão mais baratos, então são necessários menos recursos para a compra. Por outro lado, o aumento de área ajuda no volume de crédito. Então, a demanda na safra 2023/24 deve ser semelhante à vista no período 2022/23. E para o agro, os bancos estão todos com as torneiras abertas para conceder financiamentos, diferente do que estamos vendo para outros setores da economia.
“Para o agro, os bancos estão todos com as torneiras abertas, diferente do que estamos vendo para outros setores da economia”
Em termos de volume de crédito, o que deve ocorrer na safra 2023/24?
Temos crescido, em média, 20% ao ano nos últimos períodos. E não enxergo crescimento menor que este para a próxima safra. Então, eu vejo fechando junho de 2024 com uma carteira de pelo menos R$ 120 bilhões no estoque de todas as operações de crédito.
Como é o perfil médio do cliente agro do Bradesco?
Neste sentido, o Bradesco se assemelha muito mais ao Banco do Brasil do que a Itaú e Santander. Estes dois focam mais em médios e grandes produtores e toda a cadeia da agroindústria. O Bradesco tem todos estes clientes, mas atende também o pequeno produtor. Hoje, somos o único banco privado que oferece Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar).
Como tem sido a relação com o setor neste momento de juros altos?
Tem uma máxima que diz: “dinheiro caro é aquele que não temos”. O agronegócio consegue os menores spreads entre os setores da economia. É muito melhor financiar a 6%, 8% ou 12%, taxas do crédito direcionado, mas o volume de recursos disponíveis é insuficiente para os produtores. Isso acaba sendo complementado por dinheiro da tesouraria do banco.
Quando se sai do crédito direcionado, os juros não ficam muito altos?
Um juro de 15% ao ano parece caro, mas o produtor rural tem trabalhado com margem entre 30% e 50%. Isso torna suportável esta taxa de juros. O Brasil não passaria a produzir 315 milhões de toneladas de grãos se o juro fosse o principal problema do setor. A produção teria reduzido. O juro não é um inibidor da atividade. E agora temos a perspectiva de queda na taxa básica. Acredito que teremos juros menores nas próximas safras.
“O Brasil não passaria a produzir 315 milhões de toneladas de grãos se o juro fosse o principal problema do setor”
Mas as margens podem ser afetadas com a queda nas cotações das commodities, não?
Na safra 2022/23, os produtores plantaram com o preço dos insumos em alta. Durante o ano, as cotações cederam, e eles comercializaram com preços menores. Agora, os insumos também estão em queda, e a produção comporta uma soja a R$ 120 a saca, milho a R$ 40, R$ 50. Então, provavelmente o produtor rural vai voltar aos níveis de margem pré-pandemia, da ordem de 30%. Na pandemia, as margens chegaram a quase 100%. Não há setor que se sustente no longo prazo com margens extraordinárias.
Acredita que os preços das commodities vão se recuperar?
A safra nos Estados Unidos deve ser robusta, espera-se uma boa produtividade também no Brasil. Então, quando aumenta muito a oferta, o preço tende a cair. Os estoques estão bem estabilizados. Mas os especialistas sabem que este patamar de R$ 120 para a soja é praticamente um piso. Daí para frente, é recuperação. E o Brasil tem um problema logístico. O produtor colhe e tem que vender. Estamos discutindo com todo o setor para trazer linhas voltadas para armazenagem. Se você puder guardar a safra, comercializar na entressafra, vai conseguir preços melhores. Mas os preços são menos relevantes que a margem.
Como estão estas conversas sobre linhas para armazenagem?
Armazenagem é sempre um alto investimento para uma propriedade rural. Qualquer sistema não custa menos que R$ 1,5 milhão. É preciso ter um tamanho determinado que comporte um armazém. Muitos pequenos produtores se associam às tradings, às cooperativas, às cerealistas. Mas os médios produtores já comportariam um sistema de armazenagem, mesmo que barato. Esta conversa vai se acelerar muito.
O que é possível fazer nesse sentido?
É preciso ter uma linha subsidiada, por ser um investimento de muito longo prazo. Acho que o governo trará mais recursos para este fim no próximo Plano Safra. Isso permitiria ao produtor a não se expor às taxas de mercado. Nós colocamos linhas de armazenagem para a indústria com taxa de 17% ao ano com prazo de 10 anos. Temos feito o possível.
Com esta carteira acima de R$ 100 bilhões, o que o Bradesco tem gerado de negócios além do crédito?
Nós fazemos o possível para atender todas as necessidades do produtor. Além do banco, nós temos uma seguradora, que tem seguros agrícolas, pecuários, para máquinas, prestamista, de vida. Nós fazemos também o dia a dia deste cliente, com cartões, investimentos. Nossa intenção não é atender bem crédito para vender outros produtos.
Como está a experiência do E-agro?
Fizemos este projeto com uma multinacional de tecnologia, e montamos um marketplace transacional onde o produtor pode comprar tudo que precisar, desde semente, adubo, até peças e maquinário. Vamos inclusive trazer outros serviços para dentro do E-agro. E tem todo o ambiente de contratação de crédito. Já temos a CPR totalmente digital, mais de R$ 200 milhões contratados por este meio. Não é preciso ir na agência, a transação é feita toda pelo aplicativo. Se o produtor está a 100 km da agência mais próxima, ele começa a operação dentro do E-agro, libera o limite e faz a contratação no aplicativo. E vamos ter custeio agrícola, custeio pecuário, financiamento de máquinas.
Muitos bancos têm anunciado a transformação de agências no interior em escritórios voltados ao agronegócio. O Bradesco tem um plano semelhante?
Os bancos dizem muito que têm áreas exclusivas para o portfólio agro. Dentro da rede Bradesco, temos 850 pontos com pessoas treinadas e capacitadas para atender os produtores, porque eles estão em uma região rural. Nós chamamos essas agências de Rede Agro, além das plataformas voltadas para o produtor. Somando tudo, temos mais de 1.500 profissionais preparados para atender qualquer demanda de produtor rural. Temos as plataformas com engenheiros agrônomos, que falam a língua do produtor.
Como é a relação com o BNDES? O Banco do Brasil disse que vai brigar para ter mais espaço no orçamento da próxima safra.
Nos rankings do BNDES, nós lideramos os repasses, há muito tempo. Nós fazemos eventos com o BNDES dentro do Bradesco. O BB tem a vantagem de fazer as linhas com recursos da poupança rural, aí ele tem protagonismo. Somadas todas as modalidades, somos o maior banco dentro do ambiente BNDES, ficando em segundo ou terceiro lugar em algumas delas. Nós entendemos que a totalidade dos recursos do Plano Safra deveriam vir do BNDES, porque todos os bancos têm acesso.