Poucas gestoras de venture capital foram capazes de manter o sangue frio e a calma em um momento que a liquidez de capital e os juros baixos fizeram com que os investimentos em startups explodissem.

Foi assim nos anos 2020 e 2021, quando os investimentos de venture capital bateram recordes no Brasil e no mundo, ajudando a criar um imenso rebanho de “unicórnios”, como são chamadas as startups avaliadas em mais de US$ 1 bilhão.

Mas a Mandi Ventures, gestora de venture capital fundada por Antonio Moreira Salles e Julio Benetti, com a tese de investir em startups de agro, de alimentação e de tecidos “tech” para a indústria fashion resolveu ficar de fora dessa festa.

Tanto que, de seu fundo de US$ 30 milhões, a Mandi Ventures ainda mantém 70% do capital e fez “apenas” cinco investimentos: na americana Farmers Business Network (FBN), na francesa Mium Lab (ex-Les Miraculeux), na britânica Multus, e nas brasileiras Tarken e Gaivota (que se uniu a Seedz).

Agora, a Mandi quer ir a “caça” com mais apetite. Mas acelerar, no caso da Mandi Ventures, não significa sair assinado cheques a uma velocidade estonteante de uma carro de Fórmula 1.

“Havia muita pressão para investir e cheguei a ouvir que tinha 24 horas para tomar uma decisão. Não precisava nem de um segundo. A decisão (de não investir) já estava tomada”, diz Moreira Salles, ao AgFeed. “Agora, acredito sim que é um bom momento para investir.”

Por que essa é a hora de investir? Em primeiro lugar, porque agora o mercado está mais racional e os preços não estão na estratosfera. Mas, principalmente, porque a Mandi Ventures se estruturou para fazer mais deals.

Um exemplo é a chegada de mais um novo sócio. Raffael Teruel, que atuou no J.P. Morgan e Alice, se tornou partner em janeiro deste ano. Com isso, a gestora passa a ganhar velocidade na análise de novos negócios.

“Este ano, temos condições de fazer mais investimentos”, afirma Teruel. “Estamos em processo de diligência mais aprofundado com mais empresas.”

Mesmo assim, a ideia é, ao menos, igualar os investimentos realizados no ano passado, que foram três: o follow on na Mium Lab e os aportes em Tarken e Multus (feito o ano passado, mas anunciado em 2023).

O que a Mandi Ventures não vai abrir mão é de seu processo de análise para executar um deal. A estratégia envolve ouvir os empreendedores e entender o que eles estão desenvolvendo.

Com base nessas primeiras informações, a Mandi Ventures avalia se a proposta da startup faz sentido, se tem mercado para o produto e se a companhia terá um caminho fácil de expansão e crescimento.

O próximo passo, caso a opção seja prosseguir com as conversas, é um early due diligence, que envolve também alguns advisors da área de ciência para avaliar o produto ou tecnologia da empresa.

Não pense que esse é o ponto final da análise. Se a Mandi tiver o OK desses advisors, chegou a hora de, aí sim, fazer um late due diligence, composto de diversas análises, como o background dos fundadores, tamanho do mercado em que atuam e uma visão dos concorrentes. Visitas a clientes fazem também parte deste percurso.

Nesta fase, a gestora já começa também uma análise de best case scenario para uma saída do investimento, através de empresas comparáveis. “É um documento extenso “, afirma Teruel. Quando a Mandi lidera a rodada, pode demorar até um mês e meio. Quando apenas segue, o prazo se reduz um pouco: 30 dias.

Unicórnio agro

O portfólio da Mandi Ventures conta com um unicórnio: a americana FBN, avaliada em US$ 4 bilhões. Mas o Brasil, cujo agronegócio foi principal motor do PIB do primeiro trimestre de 2023 (alta de 21,6%), ainda não conseguiu “criar” uma startup avaliada em mais de US$ 1 bilhão.

Na visão de Teruel, as empresas tecnológicas brasileiras que atuam no agro ainda não têm porte para um IPO ou M&A. Além disso, quando o assunto é a área de biológicas e de defensivos, poucas empresas atuam na área, como Syngenta e Bayer, o que reduz a disputa por um preço melhor.

“Uma saída, via aquisição, dificilmente sairia por US$ 500 milhões”, afirma o sócio da Mandi Ventures.  “Quando vai surgiu um unicórnio brasileiro no agro? Não sei te falar, pois o agro é diferente de um SaaS. É mais complicado.”

Na visão de Moreira Salles, mesmo que existam agtechs que tenham sistemas SaaS para fazendeiros, não é fácil fazer a venda. Ele vê, no entanto, algumas áreas capazes de criar empresas grandes na área do agronegócio, como a financeira, a de compra e venda de insumos, seguros e em sustentabilidade.