Mais de 140 empresas, receitas na ordem de R$ 3,3 bilhões e crescimento médio anual na casa dos 61% entre 2018 e 2022. Pintado assim por um levantamento da CropLife Brasil, em parceria com a S&P Global, o retrato do mercado de biodefensivos para a agricultura brasileira mostra um terreno fértil, preparado para um processo de consolidação.
O estudo projeta, para 2030, um mercado potencial de R$ 17 bilhões para produtos de controle biológico de pragas nas lavouras. E o número pode ser ainda maior se considerarmos outras categorias de produtos, como fertilizantes, inoculantes e estimulantes biológicos.
Bem mais difícil de prever, no entanto, é quais são as empresas que estarão na liderança desse segmento dentro de alguns anos. Uma pista nesse sentido poderá ser dada em breve, com um negócio que, se efetivado, deve funcionar como o estopim para uma série de fusões e aquisições.
E tudo pode começar com uma empresa com apenas cinco anos de vida. Fundada pelo experiente executivo Antonio Carlos Zem, com mais de 40 anos vividos dentro da indústria de defensivos agrícolas, com apoio financeiro do Fundo Aqua, a Biotrop é a noiva cobiçada do momento por pretendentes que sonham com o protagonismo no setor.
O assédio é grande, segundo admitiu ao AgFeed Rogério Rangel, diretor de Marketing da Biotrop. “Tem muita especulação, várias consultas, mas nada de concreto”, afirma.
A reportagem ouviu de duas fontes do segmento de fusões e aquisições que as negociações para a compra da empresa por um grupo tradicional de insumos agrícolas, interessado em abrir caminho no segmento de biológicos, avançaram nas últimas semanas. O valor da transação ficaria acima dos R$ 2 bilhões.
“A Biotrop é uma empresa que levanta interesses no mercado, pela capacidade de inovação, pelo rápido crescimento e pelos excelentes resultados”, diz Rangel.
“É uma empresa controlada por um fundo de investimento, então sempre aberta a estar ouvindo e avaliando possibilidades, não só de venda mais de possíveis aquisições”.
A Biotrop tem, de fato, atributos para encantar pretendentes. Em curtíssimo tempo, Zem e sua equipe conseguiram posicionar a empresa como uma referência em inovação e acesso ao mercado, o que também de forma rápida se refletiu em seu balanço.
Em 2022, por exemplo, a receita da empresa chegou próximo dos R$ 400 milhões. A projeção é de que chegue a R$ 700 milhões este ano. “Os números do primeiro trimestre indicam que estamos caminhando para atingir essa meta”, afirma Rangel.
O crescimento exponencial tem feito a empresa trabalhar permanentemente no limite de sua capacidade de produção – uma situação que tem se repetido em outras fabricantes do mesmo segmento.
Para que isso não se transformasse em um gargalo, realizou investimentos recentes na ampliação de sua fábrica em Curitiba (PR), construiu uma segunda na cidade e já avança na terceira unidade, em Jaguariúna (SP). O total investido chegou a R$ 90 milhões.
Com isso, a planta curitibana, que hoje é três vezes maior do que há três anos, deve triplicar sua capacidade produtiva novamente. “Um mercado que cresce nessas dimensões pode sofrer por problemas de abastecimento”, afirma Rangel. “Precisávamos ganhar fôlego para os próximos anos”.
Essa necessidade fez o Aqua buscar reforço de capital, abrindo as portas da Biotrop para o GIC, fundo soberano de Cingapura, que integra a sociedade desde 2021.
A operação da empresa é mantida com recursos do próprio caixa e emissões de debêntures verdes foram utilizadas para a captação dos fundos necessários para financiar a venda dos produtos da empresa aos produtores, prática comum no mercado agrícola.
O pipeline de lançamentos da companhia prevê de cinco a seis novos produtos por ano. Para manter esse ritmo, a Biotrop reserva, segundo Rangel, de 12% a 13% de sua receita para investimentos em pesquisa e desenvolvimento, “um patamar semelhante ao de grandes grupos”.
Um dos trunfos da empresa nesse mercado foi ter encontrado soluções para um dos principais desafios do setor: criar produtos com vida longa de prateleira, o que eliminou a necessidade da montagem de uma logística especial para distribuição.
Como os bioinsumos são produzidos com base em organismos vivos (no caso da Biotrop, fungos e bactérias), manter a integridade e a viabilidade dos produtos, sobretudo em ambientes de clima quente, geralmente exige ambientes refrigerados, uma barreira que costumava afugentar revendas e até produtores.
Outro diferencial que ajudou a Biotrop a ganhar destaque no mercado é o uso de combinações de pelo menos dois microorganismos na formulação de seus produtos, o que, segundo Rangel, faz com que tenham sua eficiência ampliada.
Essa regra está presente nos três principais lançamentos de 2023, o biofertilizante NPK Biológico – que utiliza bactérias para absorção no nitrogênio presente na atmosfera e permite uma melhor solubilização de fósforo e potássio –, um biodefensivo para controle de lagartas em várias culturas e outro para o percevejo da soja.
Só neste último o mercado potencial no Brasil é de US$ 1 bilhão, de acordo com Rangel. “Cada um desses produtos pode acrescentar R$ 100 milhões nas nossas receitas”, diz o diretor.
Política de Estado
A Biotrop é atraente em um mercado também cheio de encantos. O estudo da CropLife Brasil revela que ritmo de adoção dos bioinsumos pelos agricultores brasileiros cresce a uma taxa próxima de 30% ao ano.
O Brasil é o maior mercado mundial desse tipo de produto e deve se tornar o principal polo exportador. Isso porque, enquanto na Europa e em outros países os biológicos são utilizados em culturas como as de hortaliças e frutas, aqui já estão integrados aos grandes cultivos (soja, milho, algodão, café e cana).
Além disso, o setor tem recebido constantes estímulos governamentais para seu desenvolvimento. O Brasil é um dos países com mais celeridade na avaliação e registro dos bioinsumos pelas autoridades fitossanitárias e ambientais.
Em geral, os processos levam de 12 a 18 meses para passarem pelo crivo do Ministério da Agricultura (Mapa), o Ibama e a Anvisa, menos de um quinto do tempo necessário para aprovação de um defensivo químico, por exemplo.
“Os bioinsumos são uma política de Estado”, afirma Rangel. “Independentemente de qual governo, as estruturas têm funcionado para agilizar processos, mas sem qualquer facilitação”.
Novo estímulo ao setor pode vir com o próximo Plano Safra, a ser anunciado em breve pelo Mapa. Conforme revelou ao AgFeed no início de maio o ministro Carlos Fávaro, o governo avalia oferecer taxas de juros mais favoráveis no credito oficial a produtores que utilizam bioinsumos em suas lavouras.
“Isso ajuda muito, mas é importante que se diga que a adoção pelo produtor não se dá pelo custo, mas pela eficiência dos bioinsumos”, diz Rangel.
A conjuntura contribui para que o interesse pela Biotrop e outras empresas do segmento aumente, criando o clima favorável para negócios. Gigantes da área química, por exemplo, tem aguçado seu apetite por empresas de bioinsumos, de forma a oferecer soluções para o manejo integrado de insumos e, sobretudo, defender o seu mercado.
Movimentos de empresas como a americana Corteva, que em dezembro passado adquiriu a Stoller, e a alemã Bayer, que associou-se à Kimitec em fevereiro, demonstram que a corrida ao altar será intensa, com dotes generosos.
“A consolidação do mercado de bioinsumos no Brasil é uma tendência inquestionável que está ganhando cada vez mais força, refletindo a trajetória global”, afirma Amália Borsari, diretora executiva de Biológicos da CropLife Brasil.
“A junção de interesses entre empresas emergentes e já estabelecidas cria um clima propício para parcerias e fusões. As empresas menores trazem inovação, tecnologia e agilidade, enquanto as maiores proporcionam acesso ao mercado e capital para aumentar a produção e assistência no campo”.
Pai da noiva cobiçada, o empresário Antonio Carlos Zem, acredita que não está distante o dia em que os biolíogicos superarão os químicos na preferência do agricultor. “Não sei em quanto tempo, mas não serão décadas; serão apenas alguns anos”, afirma.
“Atualmente, os biológicos são responsáveis por cerca de US$ 1,2 bilhão em negócios. Enquanto isso, os agroquímicos são gigantes e movimentam US$ 18 bilhões. A diferença é que esse mercado está esgotado e o de produtos biológicos está acelerando”, assinala Zem.