Inovação, digitalização e sustentabilidade são as palavras mais usadas pelo líder da Bayer CropScience na América Latina, o engenheiro Maurício Rodrigues, que muito em breve completará dois anos no cargo.

Não é por acaso. Estes são os três pilares estratégicos que ele precisa defender, acima de tudo. Mas os desafios da empresa vão muito além do plano original.

Na entrevista a seguir, o presidente da Bayer na América Latina explica por que o crescimento da empresa deve desacelerar em 2023, ficam em “um dígito”, depois de um ano extraordinário.

Revela também novos projetos que prometem ajudar o agricultor brasileiro a reduzir as emissões de carbono no campo e ser remunerado por isso.

Como primeiro negro a ocupar a presidência na Bayer, Maurício Rodrigues fala ainda do trabalho contínuo para conscientizar a empresa – e a sociedade – sobre a importância dos temas como diversidade e inclusão.

Como avalia o atual desempenho da Bayer CropScience na América Latina?
Falando em 2022, que é o que temos de informação pública até que se divulgue o resultado do primeiro trimestre deste ano, é importante dizer que a divisão CropScience cresceu significativamente. Cresceu duplo dígito de novo, com expansão em todas as nossas linhas de negócios e realizando tudo aquilo que tínhamos de expectativa desde a junção das duas empresas [Bayer e Monsanto], que é recente, ocorreu no fim de 2018, efetivamente. O ano de 2022, passado o período de pandemia, eu sinto que é o primeiro ano cheio das duas empresas juntas. E foi um ano maravilhoso do ponto de vista de mercado de agro muito positivo, mas nós também muito bem posicionados. A divisão CropScience chegou em 25 bilhões de euros  [o equivalente a R$ 140 bilhões] de faturamento, que é um resultado muito expressivo, metade do faturamento global da Bayer.

Como a região contribuiu para esse resultado?
A América Latina é a segunda maior entre as quatro regiões da Bayer globalmente, atrás apenas da América do Norte. Tivemos um crescimento expressivo também, de duplo dígito, em todas as nossas divisões de negócios. E não só o crescimento financeiro. Tivemos avanços em todos os nossos pilares, em termos de inovação, digitalização e do ponto de vista de sustentabilidade.

O cenário pode mudar em 2023?
Para 2023 em diante, eu acho que a transição é interessante. Evidentemente a gente está vivendo um ano mais volátil em vários aspectos, por pressões macroeconômicas, ou seja, até por pressões de custos. Temos indicações de um crescimento um pouco mais normalizado este ano, talvez não tão expressivo quanto do ano passado, mas ainda identificando um crescimento acima da perspectiva de mercado e, da mesma forma, em todas as linhas de negócios. Nós vamos enfrentar algumas das questões macroeconômicas mais especificamente aqui na América Latina, mas acreditamos que estamos bem amparados para isso e a perspectiva de médio prazo continua sendo de crescimento sustentável e de alto nível de investimento.

Será possível manter o crescimento de dois dígitos? Afinal agora o desafio é maior...
A indicação que nós demos globalmente para crescimento este ano não é de dois dígitos, ele está em um dígito, embora seja um crescimento expressivo ainda, acima do mercado. A base é maior, o mercado está crescendo de uma maneira mais está mais estável, então eu acredito que 2023 vai ser um ano de crescer sobre uma base anterior, mas de lidar também com esta volatilidade que estamos vendo desde esse início de ano.

Essa previsão vale para a América Latina?
Sim, para a América Latina de uma forma geral, mas a guia que a Bayer forneceu globalmente também remete a este mesmo cenário. Estamos vivendo globalmente um cenário de inflação alta, de custo, é um cenário muito mais estressado.

E o Brasil, como está neste cenário? O que impulsiona mais o crescimento e o que influencia nesta desaceleração?
Se você olhar o país como um todo, o ano de 2023 continua representando uma oportunidade. Em termos de aposta e oportunidade de médio prazo, Brasil, Latam e a divisão CropScience não mudam em absolutamente nada. O crescimento do ano passado foi muito expressivo e não é algo que se materializa todos os anos, foi uma conjunção de fatores que geraram aquela oportunidade para crescimento tanto para o setor como um todo, como para a nossa empresa. Eu diria que esse ano nós continuamos com um nível de preço de commodity relativamente bom, talvez não tão bom quanto algum passado recente, mas ainda muito estável. Temos pressões logísticas globalmente e isso, sem dúvida, ainda gera um certo nível de complexidade. O nível global de inflação pressiona em custos, tanto os fornecedores quanto a cadeia como um todo.

E o que há de positivo na mesa?
Lançamos muitos produtos nos últimos dois ou três anos e avançamos em muitas inovações do ponto de vista da combinação de digitalização com criação de novos modelos de negócio. Começamos cada vez mais a ver o fruto destas inovações, como elas vão se mostrar tanto em valor para o produtor quanto evidentemente em oportunidade de crescimento para a empresa. Esse poderio de inovação nos dá a confiança de que a gente possa continuar crescendo.

Os preços de defensivos subiram muito nos últimos anos, assim como aconteceu o como os fertilizantes. Passado o pico a tendência é de queda?
Existe uma pressão do ponto de vista de custo de muitos destes produtos, porque muito deles são importados, com uma cadeia logística muito complexa. Há uma pressão de custo de produção sobre todos os fornecedores, mas talvez aquele pico que ocorreu no auge da pandemia e no auge da incerteza em relação a diversas destas variáveis esteja se normalizando um pouco mais. Há uma tendência de normalização nos próximos 12 a 18 meses e de maior estabilização destes preços.

Onde eles se estabilizam? Como vai ser essa dinâmica?
É muito difícil de dizer para cada um dos segmentos porque tem questão de matéria-prima, questão de logística, questão de nível de importação e tudo mais, mas fato é que aquele pico passou e tende-se a uma normalização em algum outro patamar, que vai depender muito do segmento.

"O cenário macroeconômico na Argentina é muito complexo, chegou num nível de deterioração muito alto"

Os problemas na Argentina, que vive uma expressiva quebra de safra em função da seca, estão impactando os negócios?
Eu estive na Argentina na ultima semana de março. Sempre que eu vou para estes países eu tenho a oportunidade de ficar uma semana para ter um pouco mais de sensibilidade sobre a situação real do país. É interessante, porque o cenário macroeconômico é muito complexo. Eu diria que ele chegou num nível de deterioração muito alto. Nós estamos falando de inflação acima de 100% este ano, o que torna precificação, reposição salarial e tudo num nível de complexidade muito alto. E também existe um cenário eleitoral e sabemos muito bem o que isso representa em qualquer ambiente.

É difícil fazer previsões nesse cenário?
Evidentemente cenários neste nível dificultam um pouco mais a previsibilidade, tem muitas variáveis em jogo. Nós tivemos uma sequência de três anos de La Niña e este ano tivemos uma seca muito expressiva, o que sem duvida coloca uma pressão maior pela safra que vinha ocorrendo. Mas há dois aspectos que amenizam a questão: primeiro é que tem uma perspectiva positiva com relação a próxima safra na Argentina, é uma expectativa climática até muito otimista. O segundo, eu acredito que nós e muitos dos fornecedores vamos ter que trabalhar e auxiliar os produtores nessa transição, mas muitos deles já estavam capitalizados então vão conseguir lidar com este período de seca e esse nível de complexidade que a gente está vivendo.

Quanto representa a Argentina para os negócios da Bayer?
É o segundo país da América Latina, em torno de 10 a 15% do faturamento da região. Ela é expressiva. O jogo na América Latina é muito importante, estamos presentes em 19 países. Todos eles têm sua relevância, mas o Brasil tem um papel fundamental. Mas o Brasil é o primeiro país, é quase dois terços da região.

As vendas na Argentina ainda devem crescer?
Em toda a América Latina tem previsão de crescimento ano a ano e na Argentina não é diferente. Evidentemente a gente adequa esta previsão ao que o país oferece.

Os preços das commodities estão em níveis mais baixos em Chicago, prêmios da soja no Brasil no campo negativo e a demanda um pouco abaixo do esperado. Com isso, muda alguma previsão da empresa no País?
Não. Em todo tipo de estimativa que a gente faz, procuramos ser bem cautelosos, ponderar o otimismo exagerado com algum pessimismo, tentar normalizar um pouco mais isso até para auxiliar o nosso planejamento, que não é focado em um ano específico, é mais de médio prazo. Acho que não muda a tendência. Como qualquer commodity, você tem picos, mas se olhar uma série histórica, os preços continuam bastante saudáveis. Evidentemente que a gente tem que reagir no curto prazo.

Que tipo de reação?
Nós temos produtos que têm uma relação de commodity mais próxima, como é o caso do glifosato, que eventualmente pode ser mais afetado no curto prazo, mas de uma forma geral quando olho commodities agrícolas ainda acho que tem um nível de rentabilidade bem adequado e tenho certeza que ainda existe uma demanda crescente globalmente que nos viabiliza continuar crescendo área em alguns destes segmentos e sustentar o nosso crescimento.

"Em todo tipo de estimativa que a gente faz, procuramos ser bem cautelosos, ponderar o otimismo exagerado com algum pessimismo"

Na pandemia universo digital foi muito estimulado. E agora, na sua opinião, segue o ritmo acelerado de adoção de tecnologias digitais?
Eu acho que a gente tinha, dentro do segmento agro, uma necessidade, talvez uma demanda represada de muito tempo e que ela teve uma aceleração muito grande nestes anos. Mas a necessidade de crescimento continua muito grande. Eu diria que nós já avançamos muito, mas precisamos acelerar muito mais. O Brasil é um exemplo grande disso. Acurva de adoção cresce exponencialmente. A nossa principal plataforma, que norteia toda nossa digitalização como empresa, a Climate FieldView, tem globalmente quase 90 milhões de hectares mapeados. O Brasil representa 25 milhões de hectares deste total e tem um potencial enorme.

Como seguir estimulando a digitalização?
Nós estamos apostando cada vez mais na digitalização para que ela possa viabilizar muitas das outras soluções que temos. Vou dar o exemplo de uma solução que é o Valora. Fizemos o lançamento pré-comercial no ano passado e estamos avançando no aprendizado. Ela é pautada na prescrição de densidade de milho na utilização da Climate Fieldview. Neste caso do milho, se você aplicar na densidade de 100 ao invés de 90, a Bayer te garante que você vai ter mais produtividade. O que a lógica apresenta neste produto, que pra mim é extremamente interessante, é oferecer um compartilhamento de risco com os clientes que foram parte deste pré-lançamento comercial. Se este aumento de 90 para 100 no meu exemplo não gerarem a produtividade extra que a gente confia que vai acontecer, o produtor não pagaria pelo adicional que ele comprou de sementes e ganharia créditos dentro da nossa plataforma da Orbia [marketplace para comercialização de produtos próprios e de parceiros]. É um modelo interessante, na linha “satisfação garantida ou seu dinheiro de volta”.

Na comercialização, o uso de plataformas digitais segue crescendo?
Mais do que crescendo em volume de faturamento, a gente teve outros dois crescimentos nos últimos 12 e 18 meses que foram muito expressivos. Um foi o crescimento geográfico. Pegamos a solução que existia no Brasil e conseguimos replicar na Argentina, no México e na Colômbia. E estamos aprendendo, porque tem coisas que são mais específicas destes países. Eu acho que tem um fator exponencial aí interessante.

E qual foi o segundo?
O segundo, especificamente do Brasil, demonstra talvez ainda mais a força e o potencial desse modelo. Nós atraímos dois sócios para a Orbia. Um do setor financeiro, o Itaú, que vem apostando neste segmento. O outro, a Yara {indústria de fertilizantes], que era uma complementação muito forte. Fazia parte da nossa estratégia atrair estes parceiros até para dar mais robustez para plataforma. Conseguimos, no país onde a gente está mais avançado, dar um passo extra, que é trazer estes sócios e eles se sentirem engajados porque acreditam neste negócio.

"Acreditamos muito que a sinergia entre biológicos e produtos químicos mais tradicionais seja uma tendência a médio prazo. Vamos jogar nesse jogo"

Todas as grandes empresas dos segmentos em que a Bayer atua vêm se movimentando na direção dos insumos biológicos. A tendência é que eles substituam, pelo menos em parte, os químicos, que fizeram a grandeza dessas empresas. Quais os planos da Bayer nessa área?
Os biológicos terão um papel cada vez mais importante no futuro. Eu tenho certeza que não é um ou outro. O biológico é um complemento a todas as soluções de proteção de cultivo que já temos. Há uma demanda não só da sociedade, mas também de reguladores, de uma forma geral, e acho que tem um crescimento expressivo pela frente. Nós temos hoje uma participação expressiva, fizemos investimentos, inclusive num site que a gente tem no México, uma região chamada Tlaxcala, exclusivo para a produção de biológicos. A gente tem algumas apostas. É sem dúvida um dos pilares de busca de desenvolvimento, crescendo sobre a base que já existe. Acreditamos muito que a sinergia entre biológicos e produtos químicos mais tradicionais seja uma tendência a médio prazo. Nós vamos jogar nesse jogo, continuar jogando.

Uma das bandeiras da Bayer nos últimos anos tem sido o tema da redução das emissões de carbono da agricultura. A empresa tem programas específicos nessa área, que gera grande expectativa no produtor, mas que parece ainda distante de gerar ganhos como se anuncia. Como tem avançado?
Há duas coisas relevantes. Primeiro, temos um programa chamado Pro Carbono. É outro que inclui Brasil e Argentina, mais forte no Brasil pelo tamanho da área. São em torno de 2 mil agricultores com quem a gente já vem trabalhando. É um projeto com perfil colaborativo. Os agricultores são players, mas a academia é muito importante, a Embrapa tem um papel importante. No final do dia é como a gente incentiva práticas agronômicas mais sustentáveis, tentando desenvolver este mercado de carbono a médio prazo, tentando fazer com que cada vez mais, além da produtividade, o produtor consiga se beneficiar de práticas agronômicas melhores e, potencialmente, de créditos de carbono. O segundo é um projeto de agricultura baixo carbono que vamos lançar no próximo dia 25 de maio. É interessante simplesmente porque visa incentivar a soja de baixo carbono, que é o nosso foco como organização no médio prazo.

O que será esse programa?
O programa vai se chamar Pro Carbono Commodities e tem o objetivo de construir modelos de negócios comerciais nos quais a Bayer apoiará agricultores na produção agrícola de grãos com pegada mensurada de carbono. Terá a participação de grupos como Bom Futuro e ADM, além da Embrapa. A primeira colheita acontece no dia do lançamento, na cidade de Matupá, em Mato Grosso. Entre os objetivos está a criação de oportunidades para que a indústria consiga atingir suas metas de redução ou compensação de emissões de carbono. Este projeto será a primeira frente de ação de uma outra iniciativa global que também será lançada nesta mesma data: o Bayer Proteção de Florestas, que promoverá iniciativas focadas em apoiar a produção sustentável nas cadeias de grãos e em criar valor para agricultores que contribuem para a preservação florestal.

"O mercado de carbono você não desenvolve em seis meses ou um ano. É um mercado que precisa de consistência"

É uma evolução do Pro Carbono?
É mais um passo daquilo que já começamos há algum tempo. O projeto Pro Carbono foi o alicerce disso, vem sendo um investimento expressivo e vem gerando frutos. Mas não é investimento de um ano. Esse não é um mercado que você desenvolve em seis meses ou um ano. É um mercado que precisa de consistência. E, voltando na questão da digitalização, um dos itens fundamentais para você ter o Pro Carbono é ter o acesso aos dados da plataforma Climate. Aí é que podemos ver a conexão da digitalização com a sustentabilidade.

Você foi o primeiro negro a assumir posição de liderança de uma região na Bayer e um dos primeiros do setor. Como avalia a questão da diversidade e da equidade na empresa, o que se evoluiu em temas como a questão racial até agora?
A questão da inclusão, de diversidade, de equidade, é algo que a gente vem avançando ao longo de muitos anos. Também não é um projeto de um ano. É uma coisa que tem que ser transformacional, tem que ser consistente. Eu diria que tem que ser pelo menos entre cinco e dez anos de investimento, foco, aprendizado e tudo mais. E está pautada em cinco pilares, não é só a questão racial. Evidentemente, a questão racial no Brasil ela é muito forte, mas tem uma questão de gênero globalmente muito forte, de incentivo cada vez mais a uma equidade entre homens e mulheres dentro da organização, em todos os níveis. Tem a questão de orientação sexual, também passa por uma questão de diversidade inclusiva de gerações e passa pela questão de pessoas com deficiência física. Neste aspecto bem amplo, o que a gente trabalha como empresa é atração, retenção, foco em fazer com que estas pessoas cada vez mais se sintam à vontade para trabalhar na empresa, vir para dentro e interagir dentro da empresa.

Pode dar um exemplo de práticas que foram adotadas?
Falando especificamente da questão racial, eu sou parte do grupo que trabalha de sponsors da questão de diversidade e sou sponsor mais especificamente da temática racial. Lançamos no final de 2020 um programa de trainees, que entraram em 2021. Na época eram 19. Todos eles receberam ofertas de trabalho e tinham um ciclo de 18 meses que foi encerrado no fim do ano passado. Passado este período, lançamos um segundo programa de liderança negra no final do ano passado. O principal ponto é que o número de vagas saltou para 33, o que mostra como foi bem recebido. Tem um aprendizado, tem controvérsias, tem discussões, não é um processo simples de implementação, mas ele vem crescendo, vem gerando debates importantes e acho que a gente vem contribuindo para acelerar esta entrada de pessoas negras dentro da empresa, o desenvolvimento delas em níveis mais gerenciais e, ao mesmo tempo, para influenciar o mercado.