No início de outubro o mundo recebeu surpreso a notícia de que os franceses decidiram destruir pelo menos 30 mil hectares de parreiras. Serão investidos nada menos do que 120 milhões de euros para produzir menos vinho, em meio à redução na demanda global.

Aqui no Brasil, porém, na “pequena Europa” conhecida como “Vale dos Vinhedos”, na Serra Gaúcha, a ordem é no sentido contrário, com perspectiva de seguir crescendo em receita e produtividade – mas buscando caminhos alternativos.

A prova disso é a Vinícola Aurora, considerada a maior cooperativa vinícola do País, com sede em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul.

A cooperativa espera alcançar R$ 825 milhões em faturamento em 2024, o que representa um aumento de cerca de 10% em relação ao ano passado.

Nem mesmo as enchentes que afetaram diversas regiões agrícolas do estado prejudicaram os negócios da vinícola de forma significativa. Como a safra da uva ocorre de janeiro a março, quando ocorreu a tragédia, em maio, a colheita já estava garantida.

Ainda assim, por influência do fenômeno El Niño ao longo do ciclo das videiras, a produção de 2024 nas áreas da Aurora ficou 22% abaixo da média dos últimos 10 anos. Foram entregues 50,3 milhões de kg de uva na cooperativa.

Apesar de colher menos, a cooperativa diz que seguiu faturando mais em função de um ajuste nos preços e de uma maior produção de bebidas, com portfolio cada vez mais diversificado.

“A Aurora tem um mercado muito sólido. Ela é líder no mercado brasileiro de sucos de uva integrais, das marcas Aurora e Casa de Bento, e líder na produção dos coolers, com a famosa bebida Keep Cooler, que foi muito famosa nos anos 80 e 90”, conta Rodrigo Valério, diretor de marketing e vendas da Cooperativa Vinícola Aurora, em entrevista ao AgFeed.

O executivo também menciona que a cooperativa é líder na produção de vinhos finos. “De cada 3 garrafas consumidas de vinho fino brasileiro, uma é da Aurora”.

Para atender a demanda, em anos de colheita menor, o grupo adquire produtos semi acabados de outras cooperativas, quando necessário.

Previsão para 2025

Para a próxima safra, ainda pode ser visto algum efeito da enchente, porém pequeno em relação ao total. Houve deslizamentos em 75 hectares de parreirais, que produziriam cerca de 2,5 milhões de kg de uva.

“Mas o que está se desenhando até agora, para 2025, é uma safra normal, de 75 milhões de quilos”, prevê Valério.

Segundo ele, a produção da Aurora representa entre 12% e 15% da safra gaúcha.
São 1,1 mil famílias cooperadas que entregam a uva em três unidades da cooperativa.

O plano estratégico da cooperativa prevê crescer 50% nos próximos cinco anos.

Para chegar lá, duas linhas de produtos serão fundamentais, segundo o executivo. A primeira delas se refere aos espumantes, que teriam grande potencial de aumentar o consumo nas regiões tropicais do Brasil.

“De dois anos para cá, percebi que o espumante está vendendo bem durante todo o ano. Antigamente chegava nessa época de final de ano e começava a cena dos espumantes”, ressaltou.

Como predomina no Brasil o clima de temperaturas mais elevadas e o espumante se bebe gelado, a Aurora acredita que ainda é grande o potencial de crescimento.

“O espumante brasileiro é a cara do Brasil. A tecnologia da elaboração dos espumante da indústria nacional é a mais avançada talvez no mundo”, afirmou.

Outro mercado em ascensão é o chamado “zero álcool”, que já se mostra indo além do simples suco de uva processado.

O faturamento com as vendas de produtos da linha zero álcool subiu para R$ 10,7 milhões neste ano, no acumulado de janeiro até setembro. No mesmo período do ano passado, o valor estava em R$ 5 milhões.

No rótulo, o produto é identificado como “bebida de uva gaseificada”, já que não é suco integral. Novos itens dessa linha foram lançados recentemente numa feira do setor em São Paulo e vêm fazendo sucesso, até já gerando imitações nos concorrentes, segundo o diretor.

O tipo de garrafa é a mesma do espumante. “A pessoa que compra quer as bolinhas, o barulhinho da rolha, a experiência do espumante. Foi um acerto muito grande da Aurora esse lançamento”, diz.

Na visão da cooperativa, trata-se de uma forte tendência porque também é impulsionada pela preferência de “abstêmios, evangélicos e muçulmanos, que consomem muito o zero álcool”.

Nos planos da Aurora também está o maior uso de dados para definir as apostas futuras.

“Vamos usar análise de dados para mostrar qual o melhor caminho, ainda não posso dar detalhes. Mas as tendências futuras basicamente são produtos com álcool mais baixo. Vinhos brancos também com álcool mais baixo e frescos, justamente por causa do clima do Brasil”, destacou.

Vendas para a China

Na estratégia de crescimento da Aurora está também a possibilidade de expandir as exportações. Hoje apenas 1% da receita está relacionada ao mercado externo. A meta é chegar a 5% até 2029.

“O mercado mundial está olhando pro Brasil já com outros olhos e nós estabelecemos dois focos básicos pra 2025 até 2029, que são Estados Unidos e China. São muito compradores”, explicou Valério.

Os chineses vêm se destacando como principal destino até agora em função do interesse crescente por bebidas sem álcool e os americanos, em busca de suco de uva integral.

O diretor diz que a Aurora chegou a vender 52 milhões de litros de suco de uva tinto integral e esse ano levará ao mercado apenas 44 milhões de litros. “Em 2025 pretendemos voltar aos patamares de 23, com mais de 50 milhões”.

A aposta em outras bebidas é uma das saídas para seguir crescendo em meio ao mercado “praticamente estagnado dos vinhos brasileiros”, diz Valério.

A concorrência com os importantes continua forte. Com o excesso de produção na Europa, o executivo diz que países como Portugal, Itália, Argentina e França “estão vindo aqui para fazer qualquer negócio”.

Segundo ele, de cada 10 garrafas de vinho consumidas no Brasil, 9 são importadas. “É Davi contra Golias”.

Em 2023, foram exportados 1,4 milhão de litros de vinhos, espumantes e sucos de uva para 17 países. Em valor, o resultado foi de US$ 2,3 milhões. Até o final de 2024, a previsão é de que sejam exportados 1,2 milhão de litros. Em valor, o resultado deve ficar no mesmo patamar, de US$ 2,3 milhões, “o que atesta o aumento nos embarques de produtos de maior valor agregado”, destacou a empresa .

Mais tecnologia e políticas ESG

Até o fim deste ano, a Aurora diz que vai investir R$ 32,1 milhões nas unidades industriais. Entre os investimentos previstos e em andamento estão: armazenagem vertical, novos tanques de vinhos, maquinário, melhorias na linha de suco de uva e na estrutura das unidades, tecnologia e data center, além da modernização da loja de vinhos.

Entre as metas está a busca por novas tecnologias para mecanizar a colheita, embora o uso de máquinas em terremos mais acidentados, como a região serrana, seja mais desafiador.

Até 2026, a Aurora pretende ter 100% de sua produção de uva recolhida pelos chamados “bins”, caixas com capacidade para até 500 quilos. O principal benefício do uso do equipamento, transportado por meio de trator e empilhadeira, é a saúde e o bem-estar dos viticultores, tanto associados como os trabalhadores temporários, diz a cooperativa.

“Diminui muito a questão do esforço físico da pessoa que for colher a uva”, disse Valerio. “Eu acabo com o esforço repetitivo daquelas caixas pequenas de uva de até 20 quilos”.

A preocupação com o bem estar dos trabalhadores vem sendo reforçada pela Aurora desde que a cooperativa foi envolvida, no início de 2022, com denúncias de trabalho análogo à escravidão. O caso envolveu três vinícolas da região.

Termos de ajuste de conduta (TACs) foram assinados com o Ministério Público para indenizar os envolvidos e regularizar a situação dos trabalhadores.

Rodrigo Valério garantiu ao AgFeed que muito tem sido feito em relação ao reforço das políticas ESG na Aurora.

“A partir desse evento triste, a Aurora se reinventou, porque eram 92 anos de valores muito sólidos e a Aurora não compactuava com o que aconteceu”, afirmou.

Além do afastamento de executivos, a cooperativa criou um programa de boas práticas trabalhistas e decidiu que “nunca mais vai terceirizar a mão de obra no recebimento das uvas.

“Nesta safra mostramos que evoluímos muito neste primeiro ano. Mas será uma evolução constante
Treinamentos e auditorias continuam, internos e também por auditores independentes”, explicou.

Foi firmado um acordo a PUC do Paraná – especializada em compliance para cooperativas e contratos escritórios especializados para auxiliar na implementação dos compromissos assumidos. “Queremos reforçar os valores de respeito ao ser humano”.