A safra vinícola deste verão, em Santa Catarina, deve trazer uma grande novidade: os primeiros vinhos comerciais brasileiros elaborados com as chamadas uvas PIWI.
O termo "PIWI" é uma contração da palavra alemã "pilzwiderstandsfähigen", que significa espécie resistente a doenças fúngicas. A afirmação é do pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), em Videira (SC), Vinícius Caliari, que é doutor em Química e Bioquímica de Alimentos e Bebidas.
Caliari explica que as castas PIWI compõem um grupo de variedades de uvas obtidas nos últimos anos via melhoramento genético, a partir de cruzamentos de variedades vitis viniferas (com as quais são elaborados os vinhos finos) com espécies selvagens vitis labruscas (usadas para a elaboração de vinhos comuns). “Não se trata de transgenia ”, frisa o pesquisador.
Mesmo entre apreciadores brasileiros de vinhos, o termo PIWI ainda é pouco conhecido. Na Europa, no entanto, este tipo de uva já vem sendo utilizado há algum tempo para a elaboração de vinhos de alto padrão.
A tradicional região da Champagne, na França, que segue regras rigorosas para a elaboração de seus famosos espumantes, já reconheceu uma variedade PIWI - a Voltis.
Embora contenham genes de espécies selvagens, as uvas PIWI são internacionalmente reconhecidas como viníferas, ou seja, próprias para a elaboração de vinhos finos. E quem provou os vinhos feitos com essas uvas diz que eles têm aromas e sabores de vinhos finos, visto que o percentual de genes de vitis labruscas é pequeno.
“Há cerca de 12 anos, um estudo feito na Europa mostrou que a videira era a cultura que mais utilizava agroquímicos. Saiu, então, uma determinação da União Europeia para que se reduzisse em pelo menos 50% o uso de agroquímicos na viticultura”, explica Caliari.
Isso foi possível graças a resistência genética de espécies selvagens utilizadas nos cruzamentos. As variedades PIWI reúnem numa só planta a qualidade das viníferas e a resistência à doença das selvagens, permitindo a produção de vinhos finos com custos mais baixos e menor impacto ambiental, porque requerem pouca utilização de produtos químicos.
A Epagri e a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) estão recomendando para cultivo naquele estado as variedades de uvas Felícia e Calardis Blanc. As duas são uvas PIWI e podem gerar vinhos com mais sustentabilidade ambiental e econômica.
Essas variedades foram desenvolvidas na Alemanha pelo Instituto Julius Kühn, que é parceiro da Epagri. Durante oito anos elas foram testadas para cultivo em cinco regiões do estado catarinense: Água Doce, São Joaquim, Curitibanos, Videira e Urussanga. E mostraram boa adaptação aos diferentes climas locais.
De acordo com a Epagri, a uva Felícia combina genes de resistência a doenças fúngicas como oídio e míldio e apresentou redução de mais 60% em tratamentos fitossanitários quando comparada com variedades viníferas tradicionais.
Ela se destaca pela alta produtividade, rendendo uma média de 18 toneladas por hectare em espaldeira. É recomendada para elaboração de vinhos tranquilos e espumantes de consumo jovem.
Já a variedade Calárdis Blanc também apresentou redução de mais de 60% de tratamentos fitossanitários e combina genes de resistência ao míldio, ao oídio e a outras doenças. Esta uva tem grande potencial para produção de espumantes. E ainda produz pelo menos 15 toneladas por hectare em cada safra, podendo chegar a 20 toneladas, segundo a Epagri.
O projeto de avaliação vitivinícola de genótipos de videira nas condições edafoclimáticas de Santa Catarina vem sendo desenvolvido desde 2013 pela Epagri, em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e apoio da Fundação Edmund Mach, da Itália, e do Instituto Julius Kuhn, da Alemanha. Agora, todo este trabalho deve começar a render frutos mais sadios e mais baratos para os produtores.
As variedades PIWI representam uma grande esperança para os viticultores brasileiros, principalmente do Sul do país, que enfrentam condições de clima bastante adversas durante a maturação dos cachos, com excesso de chuva e umidade, por vezes, que trazem consigo as temíveis doenças fúngicas.
Variedades internacionais como Cabernet Sauvignon, Merlot, Chardonnay ou Pinot Noir são bastante suscetíveis a essas doenças e, não raramente, exigem várias aplicações de fungicidas em uma única safra, o que eleva os custos de produção e impacta o meio ambiente.
“No caso das PIWI, recomendamos tratá-las como as uvas americanas, ou labruscas”, acrescenta Caliari.
As variedades americanas, com as quais se elaboram os vinhos comuns, de mesa, são extremamente rústicas e requerem tratamentos mais leves.Tem-se, portanto, no caso das PIWI, o melhor de dois mundos: uma variedade de uva vinífera delicada que pode ser tratada como uma robusta americana.
Resta às vinícolas que adotarem essas variedades convencerem os consumidores brasileiros de que os vinhos elaborados com as uvas PIWI podem ser tão nobres quanto os feitos com as tradicionais vitis viniferas de origem europeia, com um custo ambiental bem mais favorável. Tecnicamente, o problema está resolvido. Agora, o marketing terá de fazer a sua parte.