Dois anos atrás, a Tropical Melhoramento e Genética (TMG) completou suas bodas de porcelana. O aniversário de 20 anos da companhia que atua com melhoramento de sementes de soja, algodão e milho veio junto de um presente: um investimento de R$ 2 bilhões até 2031.

Além da contínua pesquisa em novas variedades e tecnologias, a expansão territorial da empresa, que já atua em todo Brasil e em boa parte da América Latina, passou a ganhar voos mais altos.

A empresa começa agora a ganhar terreno nos Estados Unidos e até na áfrica do Sul, além de ampliar sua presença na América Latina. Segundo explicou ao AgFeed o presidente da TMG, Francisco Soares, a expansão no continente só não é completa por conta de um mercado mais competitivo na Argentina – país de origem de seu principal concorrente, o Grupo Don Mario (GDM).

O avanço internacional segue intenso, mas cercado de cuidados. De acordo com Soares, a empresa já tem uma série de países interessados em adquirir as variedades da TMG na África, mas o desafio é mais jurídico do que comercial.

“Os países em que atuamos possuem uma segurança jurídica melhor, em relação ao arcabouço legal para as variedades genéticas”, diz. “Recebo ligações de países da África interessados nos produtos, mas sem essa segurança não mandamos nada”.

No nosso continente, a empresa anunciou recentemente que deve lançar, ainda este ano, quatro variedades genéticas de uma soja resistente a lagartas e ao glifosato no Paraguai.

Com o tempo, a ideia é posicionar a TMG entre as quatro maiores empresas de cultivares de soja naquele país, que deve produzir mais de 10 milhões de toneladas da oleaginosa na safra 2023/24, segundo previsão do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).

Atuando em parceria com a ALAG (América Latina Agrisciences), a TMG já comercializou mais de 500 mil sacas desses cultivares com a sua marca por lá.

Uruguai, Colômbia e Bolívia também estão no pipeline, com projeções para somar mercado nos próximos cinco anos.

Dentro do Brasil, os investimentos previstos não param. Os R$ 2 bilhões previstos vêm sendo alocados atualmente em mais de 70 projetos, como explicou o presidente, que indicou que o valor tende a ser ainda maior ao longo dos próximos anos.

“Estamos investindo desde a transformação digital, melhoria de sistemas, cultivos controlados e pesquisando transgenia no algodão”, comenta Soares.

Somente nos dois primeiros anos de altos investimentos, o banco de variedades do laboratório passou de 6 milhões de data points para 40 milhões. Cada data point é uma característica genética de uma variedade de soja.

Com isso, a empresa consegue rodar nos seus sistemas testes com simulações com 10 milhões de plantas. As 500 mil mais promissoras são levadas para testes de campo.

Antes, a empresa rodava um teste com essas mesmas 500 mil e acabava levando a campo uma amostra menos filtrada.

Francisco Soares diz que, em 2024, a empresa deve estrear um novo ambiente controlado, que, segundo ele, é moderno e único no Brasil.

Criada em 2001, a TMG é, na avaliação do presidente, uma empresa madura, mas jovem. No segmento de melhoramento genético, com ciclos longos de pesquisa e desenvolvimento, duas décadas é tempo curto diante dos desafios.

“Começamos com o melhoramento de milho na safra 2012/13 e até hoje não temos um híbrido lançado. São pelo menos 10 anos para chegar em um produto”, diz.

Na soja e no algodão a empresa já está estabelecida, e, na segunda cultura, já é líder do mercado brasileiro.

Francisco Soares, presidente da TMG

A criação da TMG ocorreu da união entre produtores de sementes agrícolas, multiplicadores e pesquisadores. Dentre o time de pesquisa que fundou estava Romeu Kiihl, um dos cientistas envolvidos de perto na adaptação da soja para o Cerrado. Até hoje ele atua junto com o time de pesquisa.

“A ideia na época era transformar a juvenilidade da soja, o que permitiu o grão a aguentar solos ainda não muito férteis e com pouco calcário. Por isso chamamos Tropical Melhoramento Genético: tropicalizamos o plantio de soja”, comenta o presidente.

Soares ocupa o posto máximo da companhia há 10 anos. Antes, quando atuava como diretor de sementes do Grupo Bom Futuro, já tinha um pé na empresa como conselheiro.

O presidente explica que a companhia pensa, na ponta final da equação, no aumento da produtividade do produtor. “Temos um contato forte com o agricultor, e eles reclamam, no bom sentido, comigo o tempo todo”, diz.

Como ainda engatinha no milho, os focos principais de atuação são a soja e o algodão. A soja, pela quantidade de produtores no País e pela demanda mais forte, acaba sendo um alvo forte da operação.

A empresa licencia suas variedades junto a mais de 300 multiplicadores espalhados no país. Na soja, a empresa possui parcerias com todas as obtentoras de biotecnologia disponíveis no país.

Nessa área, algumas tecnologias possuem mais atenção, mas os olhos da TMG estão sempre abertos. “Seja nos EUA, Argentina, China, Rússia, onde tem soja olhamos coisas diferentes para aumentar nossa gama”, comentou.

Soares acredita que, pelo menos nos próximos anos, não deve surgir nenhuma tecnologia disruptiva para a cultura, mantendo assim o foco nas pequenas alterações para melhorar a produtividade. “Foi-se a época que o produtor pensava ‘nossa, quanta tecnologia, para onde vamos?’ Temos que focar em tecnologias que terão mais longevidade”, afirmou.

Duelo de gigantes

Ele assiste de longe, também, a uma “boa briga” entre as gigantes Bayer e Corteva nos Estados Unidos, em torno da chamada segunda geração de transgênicos de soja.

Juntas, as duas respondem por mais de 70% das sementes cultivadas em mais de 32 milhões de hectares dedicados à cultura naquele país. Duas décadas atrás, segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), eram 40%.

A Corteva proclama ter assumido a dianteira pela primeira vez, depois de anos vendo a Bayer à sua frente - uma liderança adquirida junto com a aquisição da Monsanto, em 2018.

E um dos principais argumentos para conquistar produtores que antes plantavam as sementes com tecnologia Bayer é justamente a possibilidade de fugir das limitações impostas pelas autoridades americanas para quem utiliza as tecnologias da companhia alemã, como a Xtend.

Soares acredita que essa briga não deve chegar aqui, já que a dinâmica americana de pragas envolve só herbicidas, e não lagartas. “Pelo que ouço, o produto da Corteva tem um apelo legal e entrega um pacote mais completo. Ao mesmo tempo, escuto que a Bayer traz mais produtividade. É uma briga boa”, comentou.

Por aqui, a segunda geração de soja transgênica já é uma realidade, nas palavras do presidente, mas ainda está começando a ganhar mercado.

Segundo ele, a tecnologia Intacta 2 Xtend, da Bayer, ocupa 3,5% do mercado, enquanto que a Conkesta, da Corteva, tem 1%, considerando a safra 2022/23.

Consolidação do mercado

O setor de sementes vive um momento aquecido. Além de movimentos de compra da Boa Safra, a gestora Pátria cada vez mais aumenta seu portfólio agro em ativos produtores de sementes.

Na visão de Soares, existe uma tentativa de consolidar o mercado de multiplicação, que fica no meio do caminho entre quem faz a genética e o agricultor.

O que pode acontecer, segundo ele, é uma consolidação visando aumentar as margens. “O mercado de sementes tem uma margem muito pequena. As consolidações fazem sentido para ganhar escala. Na parte da venda e da genética não vemos mais consolidação. No mercado, ou é a GDM ou somos nós, que não seremos vendidos”, avalia.

Parceria no trigo

A Bioceres revelou recentemente ao AgFeed que planeja entrar com variedades transgênicas de trigo no mercado brasileiro nos próximos anos.

O plantio comercial de lavouras de trigo transgênico, por parte dos produtores rurais deve ocorrer em 2026 segundo a empresa, desde que as sementes da safra 2025 já sejam vendidas, após todas as etapas regulatórias.

O tema é polêmico porque, ao longo do processo de aprovações no Brasil e na Argentina, diversas entidades se posicionaram contra o avanço da tecnologia, alegando falta de estudos sobre os riscos para a saúde humana.

O fato é que quando a soja transgênica chegou no Brasil - hoje representando quase a totalidade da produção por aqui - também veio pela rota dos argentinos.

Para ganhar espaço e não enfrentar problemas com a legislação, além da Embrapa, a TMG foi escolhida como parceira para testes deste trigo argentino da Bioceres.

A empresa, contudo, atuou somente na parte de segurança, e não da produtividade. Segundo disse o presidente, a empresa ajudou a Bioceres nos testes que envolvem a saúde do consumidor final, e que os testes já acabaram.

A empresa não tem a intenção de comercializar o trigo, devido à “complexidade com as outras três culturas que já atua”, mas o CEO afirmou que “acredita na tecnologia”.