Na região do município de Cocos, próximo da divisa da Bahia com Goiás, Fernando Prado é uma espécie de lenda viva. O ex-oficial da Marinha, que chegou na região nos anos 1970 para comprar terras, ajudou a mudar o destino daquele pedaço de Brasil, antes pobre e quase improdutivo.

Aos 88 anos, o comandante é ainda influente na cidade que escolheu para viver nas últimas décadas. A cerca de 150 quilômetros de distância, na sede da fazenda Santa Colomba, seu neto Miguel Prado continua a transformação, à sua maneira.

Miguel está prestes a completar 32 anos. É o atual CEO do grupo Santa Colomba, que sem alarde executa um dos mais fascinantes projetos de agricultura irrigada do Brasil. Não é o maior, mas talvez seja um dos mais originais e diversificados, o que tornou a empresa agrícola um modelo de produção e gestão que tem chamado a atenção de quem vive do agro – e também do mercado financeiro.

Em cerca de 15 mil hectares irrigados – e outros tantos cultivados em sequeiro – o grupo produz, com altas produtividades, grãos (soja e milho), algodão, cacau e até tabaco sob encomenda de grandes empresas agroindustriais. “Nosso negócio é B2B, com foco em culturas de maior margem”, diz Miguel ao AgFeed, em uma rara entrevista.

E que será duplicado nos próximos anos, segundo o empresário. O plano já está traçado – e aprovado pelo conselho da companhia, ainda hoje 100% nas mãos da família Prado – para adicionar mais 15 mil hectares de irrigação nas terras da Santa Colomba.

O objetivo, diz, é chegar a 80 mil hectares, com a expansão financiada primordialmente com o fluxo de caixa da própria empresas

“Os sócios já concordaram e ninguém vai receber dividendos pelos próximos sete anos”, afirma o CEO, administrador de empresas formado pelo Insper, em São Paulo, e ex-sócio da firma de investimentos Perfirm, que hoje vive pelo menos três semanas ao mês acompanhando as operações diretamente na fazenda. “Sou um ‘Farlia Limer’ que virou da roça”, define-se.

Miguel Prado é o único dos nove netos do “comandante Prado”, como o fundador do grupo é conhecido, a atuar na empresa. Seu pai e os dois tios também não estão no dia-a-dia, atuando apenas no conselho.

Em uma hora de conversa, entende-se por quê. O jovem tem obsessão pelo controle das operações e a busca de resultados. Combina conceitos agronômicos com modelos de gestão e não esconde suas inspirações e referências.

“Meu avô fez a parte difícil, deixou o filé mignon para mim”, afirma. As citações ao “comandante Prado acontecem durante todo o tempo durante mais de uma hora de conversa. Assim como a Arlindo Moura, seu antecessor no posto de CEO e atual presidente do conselho de administração da Santa Colomba.

“Ele me formou”, diz sobre o executivo que esteve à frente de grupos como SLC Agrícola e Terra Santa e, há cinco anos, assumiu o comando da empresa da família Prado com a missão de conduzi-la ao mesmo tempo em que atuava como um mentor para o jovem Miguel.

Em 2021, Moura entregou a cadeira ao pupilo e retirou-se para o conselho – onde estão também o comandante Prado, dois de seus três filhos, Miguel e o executivo Fernando Jank.

“O Arlindo mudou a nossa visão sobre a importância da produtividade e da resposta rápida que o campo precisa. Mostrou a importância de ter processos bem definidos, sem preder de mente que é preciso ser ágil”, diz.

Miguel mira a SLC, maior empresa agrícola do País, como um “mega exemplo”. Os investimentos em digitalização e na busca pela eficiência das operações demonstram isso.

Nos últimos anos, também por inspiração dos clientes – grandes companhias de diferentes segmentos --, tem implementado novas práticas dentro do sistema Lean Manufacturing, desenvolvido no Japão pela Toyota, nos anos 1950, e que se baseia na redução de desperdícios em todas as etapas de produção.

Uma das inovações trazidas por ele foi a criação de uma equipe de melhorias contínuas, que percorre as diversas áreas da empresa auditando processos e identificando oportunidades”.

“Hoje somos 5S na empresa inteira”, afirma Miguel, referindo-se à qualificação máxima de avaliação no sistema. “Na primeira edição da avaliação, chegamos a 20%. Hoje, mais 80%”.

A ideia, diz, é saber os problemas de forma mais rápido. E, claro, solucioná-los. “Agimos assim que identificamos a fonte de perda de tempo e insumo”. Segundo ele, a eficiência da colheita de algodão, por exemplo, aumentou em 50% de uma safra para outra apenas com uma alteração no sistema de limpeza das máquinas, que permitiu reduzir os tempos de manobra.

“Ao invés de limpar uma vez por dia, hoje limpamos quatro vezes, por dez minutos cada. A gente para a máquina para ela não parar a gente”, conta.

Miguel instituiu também um modelo de remuneração variável para os funcionários do grupo, com objetivos individuais para cada área, que hoje atinge 70% da força de trabalho do grupo. “Foi tudo implementado nos últimos dois anos e temos uma onda de transformação acontecendo muito rápido”, diz.

Um marinheiro na Bahia

A velocidade é coisa razoavelmente recente na Santa Colomba. Quando o comandante chegou á região, o Oeste da Bahia estava longe de ser uma fronteira agrícola. Já na reserva da Marinha, ele foi para a região em 1976 meio que por acaso, após ouvir jovens que jogavam futebol em Cabo Frio (RJ), onde morava, comentarem que iriam comprar terras por lá.

Ele mesmo viajou e comprou cerca de 60 mil hectares. Como se fazia na ocasião, plantou um terço da área com pinus, para fornecer madeira a projetos de celulose incentivados pelo governo federal. “Ele olhou para o céu e não para o solo, que era de areia”, conta o neto.

De qualquer forma, Prado apaixonou-se pela região, mudou-se para lá e passou a liderar projetos que levaram a infraestrutura então inexistente, de estradas a água, energia, telefonia e, mais recentemente, até internet.

O foco inicial era imobiliário, afirma Miguel, mantendo a propriedade para posteriormente vender ou arrendar. Uma parte do pinus pegou fogo e, então, não era comum fazer correção de solo para cultivos. “Ele tentou várias coisas, como café arábica nos anos 1990, mas quebrou a cara”.

Ainda assim, comprou mais terras até que, em 2012, com o avanço da tecnologia de produção, a empresa mudou de estratégia para se tornar uma operadora agrícola, com foco na agricultura irrigada para não depender das chuvas, irregulares na região.

“Irrigação é garantia”, diz Miguel. Na safra 2014/2015, a Santa Colomba iniciou os grandes projetos com grãos, convertendo antigas áreas de pasto e pinus para irrigação, com grandes pivôs e também com áreas de microaspersão.

Silos para armazenamento de grãos na fazenda Santa Colomba

Hoje, saem dali sementes de feijão produzidas sob encomenda para a Boa Safra e de soja para a Syngenta Seeds. No algodão, a produtividade consolidada chega a 340 arrobas por hectare, contra uma média de 290 na região. Em soja, a média é de 79 sacas por hectare, com algumas áreas mais maduras já extraindo 85. No milho, 220 sacas por hectare.

“Fazemos um trabalho bem forte de construção de solo”, afirma o CEO. Além da correção com calcáreo, a empresa adota um modelo regenerativo que utiliza compostos orgânicos produzidos com resíduos das próprias culturas, como casca de algodão, soja e cacau, além de esterco e pedra fosfática. “É uma mistureba que há está em um terço da área”, diz.

Para cobertura de solo, também há inovação agronômica. Além dos tradicionais braquiária e milheto. Um quarto da área cultivada recebe um mix de cobertura, com uma grande diversidade de plantas reunida no mesmo espaço.

“Quem vê aquilo e não conhece, acha que está largado, mas é muita vida em uma área só. Cada planta tem a sua função para melhorar o solo”.

A Cutrale do cacau

Miguel fala com especial carinho do projeto de cacau da Santa Colomba. Segundo ele, “um dos únicos business que aconteceu como previsto”, mas que começou por acaso, quando o comandante viu algumas árvores que não conhecia, plantadas por funcionários em uma área que não estava sendo usada.

Prado foi pesquisar, interessou-se pelo cacau e decidiu fazer um piloto. O neto, juntamente com um dos irmãos, foi mais fundo na história. Eles viajaram para regiões produtoras, no Brasil e em outros países, e desenharam o projeto, que começou com 100 hectares – o que, segundo ele, era o mínimo para valer uma possível “dor de cabeça”.

E ousaram. As máquinas ociosas do antigo projeto de café, que havia sido extinto, foram adaptadas. “Começamos a inventar recolhedora e quebradora, plantadeira, roçadeira, pulverizador. Precisava mecanizar se queríamos ter um negócio grande”, conta

Colheita mecanizada de cacau: equipamentos desenvolvidos na fazenda

Os investimentos incluíram o desenvolvimento de um manejo agronômico regenerativo, com a construção de uma biofábrica para produzir fungos e bactérias próprias para o combate de pragas do cacau. A vantagem da região, mais seca que o Sul da Bahia, é que lá não existe a vassoura de bruxa, praga que praticamente dizimou a cultura naquela região.

E usaram, é claro, irrigação, com a uso de grandes pivôs com mais de seis metros de altura. Os resultados compensam.

“O objetivo, agora, é chegar a 5 mil hectares. Queremos ser a Cutrale do cacau”, afirma Miguel, numa referência ao grupo do interior de São Paulo que se tornou um gigante global da citricultura.

O CEO não fala em números de investimento ou receita. Também não comenta sobre a produção de tabaco pela Santa Colomba. Questionado pelo AgFeed, diz apenas que, dentro da estratégia B2B, o cultivo é feito para atender à demanda de uma multinacional do setor, que usa a planta para a produção de um substituto ao cigarro tradicional.

Perto da Faria Lima

O “Faria Limer” vestiu as botinas, mas mantém laços estreitos com o mercado de capitais. Segundo Miguel, a Santa Colomba tem buscado, nos últimos anos, avançar em toda sua estrutura de governança e transparência, visando estar pronta para quando surgiram boas oportunidades para a captação de recursos junto a investidores.

A empresa é seletiva nesse sentido. “Gostamos de operações com títulos de dívida, que têm preço e prazo compatíveis com a atividade agrícola, em que o payback não é de dois anos”, diz.

Até agora, a Santa Colomba já fez duas operações do gênero, um CRA de R$ 100 milhões em 2019 – já liquidado – e uma emissão de R$ 150 milhões em debêntures em janeiro, que, segundo Miguel, foi a primeira do gênero para infraestrutura de irrigação no Brasil.

“Não podemos colocar capital de giro em capex”, afirma o executivo, lembrando que as culturas da Santa Colomba precisam muito recurso para manter a operação. “Gestão é disciplina. Somos muito caxias com estrutura de capital”.