Uma investigação do governo dos Estados Unidos tenta descobrir quem são os rostos por trás da Flannery Associates. A empresa, aberta em um paraíso fiscal, investiu cerca de US$ 1 bilhão comprando terras agrícolas na Califórnia.

Não há, aparentemente, nenhuma ilegalidade nas aquisições. Juntas, as propriedades somam uma área de cerca de 21 mil hectares.

O problema é onde elas estão localizadas: todas no condado de Solano, entre as cidades de São Francisco e Sacramento. Mas, sobretudo, estrategicamente posicionadas no entorno da Base Aérea de Travis, uma das maiores da Força Aérea dos Estados Unidos na Costa Oeste.

Segundo reportagem do The Wall Street Journal, pelo menos 20 propriedades foram compradas pela Flannery na região de Travis, principal sede do Comando de Mobilidade Aérea dos EUA, que fornece combustível, munição e transporte militar para tropas americanas. Até mesmo munição usada na guerra da Ucrânia tem sido despachada a partir de lá.

Realizada pela própria Força Aérea, a investigação já dura cerca de oito meses, sem ter conseguido identificar os verdadeiros donos da empresa. Protegido pelas leis do estado de Dellaware, onde está sediada, a Flannery informou ao governo americano apenas que 97% de seus sócios são cidadãos americanos. Os outros 3%, investidores britânicos ou irlandeses.

Já às autoridades de Solano os advogados da empresa afirmaram que a empresa “é de propriedade de um grupo de famílias que procuram diversificar seu portfólio de ações para ativos reais, incluindo terras agrícolas no oeste dos Estados Unidos.”

As informações, se verídicas, dissipariam a principal preocupação do governo e até de parlamentares americanos: a de que grupos estrangeiros – especialmente chineses – estivessem comprando as terras para utilizá-las como pontos de observação da movimentação na base aérea.

Esse temor tem movimentado governantes e legisladores em estados americanos. Nos últimos meses, vários deles promulgaram novas leis restringindo ou proibindo a compra de terras por estrangeiros.

Atualmente, 22 dos 50 estados possuem algum dispositivo nesse sentido. O argumento usado, invariavelmente, são questões de segurança nacional. A Califórnia não está entre eles.

No caso de Travis, a investigação movimentou até mesmo o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), que também questionou, segundo o WSJ, qual seria o uso dado às propriedades.

A maior parte da área adquirida é zoneada para uso agrícola. Em várias da propriedades estão instaladas turbinas eólicas.

As respostas da Flannery, até o momento, deixam margem a dúvidas.

“Não sabemos quem é Flannery e suas extensas compras não fazem sentido para ninguém na área”, disse ao jornal o deputado californiano John Garamendi. “O fato de que eles estão comprando terras propositalmente até a cerca em Travis levanta questões importantes.”

Ele e seu colega Mike Thompson (D., Califórnia), eleitos pelos distritos em que a Flannery comprou as terras, levaram a questão ao Comitê de Investimento Estrangeiro nos EUA, que reúne vários órgãos de estado e pode aconselhar o presidente a bloquear ou desfazer aquisições estrangeiras por questões de segurança.

Enquanto o governo americano investiga, os advogados da Flannery se movem também em outra direção. No começo de maio passado eles decidiram mover uma ação contra alguns dos ex-donos das propriedades adquiridas.

A alegação é a de que eles teriam se reunido em uma espécie de “cartel” para inflacionar o preço das propriedades, segundo reportou a agência Reuters.

O preço médio pago pela Flannery ficou em torno de US$ 47 mil (cerca de R$ 235 mil reais, ao câmbio atual) por hectare. O valor está bem acima dos US$ 34 mil mil por hectare estimado em 2021 como preço médio de terras agrícolas na Califórnia, segundo levantamento feito pelo site Land Leader com base em dados do USDA.

Na ação, baseada na lei antitruste dos Estados Unidos, a Flannery reclama uma indenização de US$ 510 milhões pelos prejuízos que teriam sido causados pelos vendedores.