Cerca de cinco vezes por semana, o agrônomo e professor aposentado Reimar Carlesso, de 63 anos, sai de casa para correr. No seu entorno, as paisagens são deslumbrantes. Picos com neves eternas, lagos com águas cristalinas e geladas.

“É uma maneira de manter a sanidade, física e mental”, explica ele ao AgFeed. Ele já não frequenta mais as salas de aula e os laboratórios da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), onde durante décadas foi uma referência nas disciplinas ligadas a irrigação, mas sua rotina está longe de ser tranquila.

De sua base em uma pequena cidade próxima a Genebra, na Suíça, Carlesso comanda uma multinacional com atuação em 20 países em quatro continentes e negócios com grandes corporações do agronegócio, como Corteva, Bayer e Syngenta.

Criada há 24 anos dentro da UFSM, a Irriga é hoje uma das mais conceituadas empresas com foco em recomendações de irrigação. Cerca de 60% de sua receita (na casa de dezenas de milhões de dólares, mas com números não revelados) vem de negócios feitos no Exterior, através da Irriga Global, com sede na Suíça. Os outros 40%, da empresa original no Brasil.

“Estamos progressivamente aumentando a participação no exterior”, diz Carlesso. “A tendência é ser bem maior, porque só agora estamos entrando no maior mercado do mundo para irrigação, que são os Estados Unidos”.

Só agora, depois de um quarto de século, o professor decidiu se apresentar publicamente como empresário de sucesso. Só agora, sua empresa passou a estruturar departamentos comercial e de marketing.

E agora a Irriga decidiu que é hora de mudar de patamar. A companhia que cresceu em ritmo de 30% ao ano com base na divulgação boca-a-boca entendeu que chegou o momento de fazer barulho, ganhar músculos e ir ao mercado.

“Nesse processo de passar de patamar, estamos prontos para fazer fusões e aquisições”, afirma Carlesso. “Já estamos olhando várias empresas e startups para incorporar. Hoje somos uma das principais empresas do segmento do mundo. E a gente não quer ser só a melhor, quer ser a maior”.

A Irriga nasceu como uma agtech em 1999, quando o termo sequer existia e nem mesmo a internet era uma realidade onipresente. Carlesso havia voltado de seu período de doutorado em Irrigação na Universidade de Michigan.

Como catedrático na UFSM, montou uma equipe de pesquisadores para elaborar projetos para chegar a modelos matemáticos que permitissem otimizar os processos de irrigação nas propriedades, utilizando melhor os equipamentos existentes e, assim, reduzindo custos com energia e o uso de água.

Até então, diz Carlesso, irrigação era quase uma atividade empírica, definida na base do “chute com a botina para ver se o solo estava seco ou úmido”.

Seus experimentos, na época, chamaram a atenção da multinacional americana de sementes Pioneer, hoje pertencente à Corteva.

A empresa viu potencial no modelo desenvolvido por Carlesso para, a partir de um software alimentado com dados colhidos em campo, fazer recomendações diárias sobre a necessidade de irrigação em cada área das lavouras.

“A Pioneer identificou que metodologia seria prática e operacional para utilizar nos seus campos de produção”, conta. “E financiou, com um investimento seed, a saída da ideia da universidade para o campo”.

Expansão global

Já em 2000, a Irriga monitorava toda a área de produção de sementes da Pioneer no estado. O trabalho chamou a atenção de outras sementeiras. Em 2015, depois de passar uma temporada sabática no Instituto de Tecnologia de Neuchâtel, na Suíça, Carlesso criou a empresa na Europa e estendeu as operações para o continente.

Em 2016, fez testes com a mesma Pioneer na Hungria. Hoje, atua com várias companhias em países tão diversos como Romênia, Sérvia, Itália e Turquia. Primeiro, diz, com sementes de milho, cuja produção exige “uma agricultura de alto valor agregado, que demanda bastante água e é sensível ao estresse hídrico”.

Mas atualmente diz que sua plataforma está pronta para dar resultados em diferentes culturas. E atua em campos de batatas de Pepsico e McCain, tomates da Heinz, legumes da Bunduell, entre outras.

A semente germinou, novos clientes vieram, o software virou uma plataforma com mais de 7 mil sensores conectados, alimentando um potente algoritmo que analisa em tempo real dados referentes a centenas de variáveis envolvidas na produção agrícola.

“Começamos com 10 hectares no Rio Grande do Sul e hoje monitoramos mais de 400 mil hectares na América do Sul, África, Europa e Ásia e iniciamos no próximo ano a operação comercial nos Estados Unidos”, diz Carlesso.

O segredo da expansão, segundo ele, foi uma combinação de tecnologias complexas nos bastidores, mas simples na interface com os clientes. Além disso, a empresa apostou tudo na digitalização, mas manteve equipes de campo, que até hoje visitam semanalmente as áreas monitoradas para fazerem, elas mesmas, a inclusão de parte dos dados necessários para as análises.

Carlesso acredita que essa interação humana preenche lacunas tecnológicas, com informações que sensores e imagens de satélites não são capazes de enxergar, além de serem um elemento importante nas relações com clientes do agronegócio.

“O que a gente procurou sempre fazer é uma coisa prática, em que o produtor não precisasse imputar dados que fossem complexos. Mantemos uma equipe de suporte que faz todo esse trabalho, que é árduo e importante para que as recomendações sejam precisas”, diz.

A evolução de tecnologias ao longo desses 25 anos, é claro, contribuiu. A empresa chegou a imaginar que a coleta de dados via imagens feitas por drones seria o futuro, mas posteriormente verificou que com as novas constelações de satélites era mais viável fazer esse serviço em maior escala, com menos mão de obra especializada.

Uma empresa em reinvenção

“Somos uma empresa de inovação. Um dos nossos desafios é nos reinventar a cada dois anos”, afirma. “Temos um negócio digital e nessa área as transformações são assustadoras”.

Em grande parte, é essa perenidade das empresas de tecnologia que tira hoje Carlesso de sua zona de conforto longe dos holofotes. O empresário, que sequer tem redes sociais e que manteve jornada dupla entre os mundos acadêmico e corporativo, percebeu que se continuasse com o mesmo modelo, provavelmente seria engolido por novos concorrentes.

“O mundo digital é esse. Surgem empresas, que vão se agregando para ter participação maior. Não é por faturamento ou para aumentar margens. Ou você cresce ou é ultrapassado no processo de digitalização”, diz.

As aquisições e parcerias, assim, são uma prioridade para Carlesso, assim como um ajuste no modelo de negócios e a expansão geográfica para mercados mais desafiadores.

“Até agora, nossa operação era concentrada no B2B, com contratos que nos permitiam cobrir grandes áreas, sem a necessidade de falar direto com o produtor”, explica Emílio do Carmo, diretor de Desenvolvimento de Negócios da Irriga Global.

“Com isso, sequer necessitávamos ter times comerciais ou de marketing, que começamos a montar este ano”. Do Carmo mesmo está há apenas dois anos e meio na companhia e uma de suas funções é enxergar parcerias que aproximem a empresa do mercado B2C. Consultorias agronômicas e até mesmo revendas, por exemplo, podem ser canais nesse sentido.

Geograficamente, a grande aposta é mesmo o mercado americano. O desembarque na América do Norte foi cuidadosamente estudado, para que a empresa entendesse o melhor modelo de abordagem junto a clientes mais conservadores e desconfiados de empresas estrangeiras.

O primeiro passo nesse sentido foi submeter a tecnologia da Irriga uma validação através de feitos pela Universidade de Nebraska, uma das mais conceituadas do mundo em pesquisas de irrigação e localizada no coração do Corn Belt, o cinturão de produção de milho nos EUA.

No ano passado, a instituição testou a solução da Irriga em uma área e a comparou com a sua própria solução e com a da principal concorrente americana no segmento, a CropX, durante uma safra inteira.

Segundo Carlesso, no final não houve diferença estatística significativa na produtividade entre elas. “Mas a nossa tecnologia recomendou o uso de 25% menos água que a concorrente e 20% menos que a universidade”, diz.

Este ano, novos testes foram feitos, agora com 20 produtores selecionados pela empresa, através de um consultor local. A empresa está colhendo os resultados, para incluir no material de divulgação para o início da operação comercial, em 2024.

Para vencer a resistência dos produtores, uma subsidiária local foi criada, com o nome de Aluvio, de forma a “blindar” a companhia de vinculação com as marcas usadas em outros países. E, como o modelo de comercialização nos EUA é diferente, foi intensificado o trabalho de prospecção de revendedores, os dealers, para comercializar e aplicar a solução.

Em um primeiro momento, a atuação ficará restrita ao estado de Nebraska. Somente ali, de acordo com Emílio do Carmo, há mais de 2 milhões de hectares irrigados com pivôs, onde o sistema de recomendações da empresa poderia ser aplicado.

“Nem 5% da área irrigada utiliza monitoramento”, afirma Do Carmo, dando ideia do potencial de mercado. “Com esse movimento, acreditamos que podemos dobrar de tamanho em três anos”.

“Se não formos para o primeiro patamar, criamos problemas para nós mesmos no médio e longo prazos”, reforça Carlesso.

Empreendedor autodidata, ele afirma que, até aqui, comandou a empresa na base do “feeling”. “Não tive o treinamento que hoje têm as startups. Temos, claro, processos internos, senão não teríamos chegado aonde chegamos”.

Hoje, Carlesso entende que precisa ser menos presente nas operações, delegando para a nova geração de executivos. E ocupar um papel mais estratégico para pensar o futuro da companhia.
“Acabei me envolvendo muito. Preciso voltar mais para criação e aprimoramento de processos”, diz.