Conversar com Pedro Figueiredo, cofundador e diretor técnico da startup NetZero, é viajar por temas que vão da antropologia à agronomia, passando pela biologia, ciências ambientais e, é claro, negócios.

Ele fará questão de contar sobre as expedições de cientistas do mundo todo atrás de um tesouro de origem amazônica, uma terra escura e fértil em que indígenas cultivavam milho e mandioca com produtividade três vezes maior que nas regiões vizinhas.

A longa história mostrará como a curiosidade levou à descoberta de que aquela terra tinha sido enriquecida por um fertilizante natura produzido à base de queima de biomassa da própria região.

E explicará, com as minúcias que o tempo permitir, como as características físicas e químicas desse “carvão esponjoso” ajudam na retenção de umidade e, como convém nos novos tempos, de carbono no solo.

A conversa fascinante desemboca no produto da sua empresa: o biochar. Criada em 2021, a NetZero se apresenta hoje como a primeira empresa a desenvolver um modelo de produção e comercialização capaz de viabilizar o uso em larga escala do fertilizante orgânico ancestralmente usado pelos povos amazônicos.

“O biochar é quase um milagre”, entusiasma-se Figueiredo. “Além de permitir maior produtividade em menor área, ajuda a fixar o carbono no solo, evitando o efeito estufa”.

A forma de reproduzir industrialmente o processo indígena já é conhecida há muitos anos. O “milagre” obtido recentemente pela empresa foi torná-lo acessível. Segundo Figueiredo, o segredo da NetZero foi fazer uma conta reversa e incluir no pagamento da conta uma “moeda” que até pouco tempo atrás não existia: o crédito de carbono.

“Houve várias tentativas de viabilizar a produção em escala, mas o custo era altíssimo”, diz. Segundo o empresário, o biochar já é comercializado por algumas empresas em pequenas quantidades, a um preço médio entre R$ 25 e R$ 30 o quilo, o que, para grandes culturas, não era economicamente competitivo como substituto dos fertilizantes químicos.

Figueredo diz que a proposta de incluir o carbono na conta veio do francês Olivier Reianud, que, ao concluir sua formação em uma escola de negócios, decidiu desenhar um projeto em torno daquele material sobre o qual, durante muitos anos, ouviu seu avô falar.

Nos anos 1980, Guy Reinaud, então engenheiro químico de uma empresa inglesa, foi um dos muitos cientistas que vieram ao Brasil conhecer e estudar o biochar. E voltou convencido do potencial do produto. Tentou implantar a produção na África, mas não conseguiu viabilizar.

Em 2020, Olivier, cofundador e diretor geral da NetZero, imaginou um modelo de negócios circular, em que os produtores rurais entram com a biomassa e a empresa com os custos de produção, que utiliza os gases produzidos no processo para gerar energia para a própria fábrica.

O biochar produzido em Lajinha

O fato de não haver emissões no processo e, sim, captura de carbono no solo permite à empresa obter créditos que podem ser vendidos, pagando parte da conta da produção. O saldo é o valor pago pelo produtor no fertilizante.

“Com isso, chegamos a um valor dez vezes menor que o do mercado”, afirma Figueiredo. “Conseguimos atingir um preço que varia de R$ 2 a R$ 4 por quilo, dependendo do tipo de biomassa e do custo logístico para transportá-la”.

Café com biochar

O modelo da NetZero é produzir de forma descentralizada, com fábricas que recebam biomassa e forneçam biochar dentro de um raio de 30 quilômetros.

A primeira dessas unidades começou a operar este ano em Lajinha, na região cafeeira do Sul de Minas Gerais, fruto de um investimento de R$ 20 milhões. A planta foi erguida em um terreno cedido pela Coocafé e atenderá a 360 associados da cooperativa.

A produção prevista é de 16 mil toneladas de biochar e terá como insumos resíduos coletados nos próprios cafezais desses produtores, como palha e cascas que antes precisavam ser descartados.

“Não é negócio, é parceria”, diz Figueredo. “A gente investe na planta, todo o custo de operação, pessoal, combustível. Em contrapartida, o produtor doa a palha, recebe o biochar, pagando apenas a diferença. E tem ganho de produtividade e ambiental”.

Segundo a NetZero, o biochar precisa ser aplicado apenas uma vez nas lavouras e permanecerá fertilizando o solo por muitas safras. “É até difícil explicar para o produtor”, conta o executivo.

Fábrica da NetZero em área cedida pela Coocafé

Depois de lançado no terreno, o fertilizante permitiria um ganho de 33% de produtividade. A quantidade a ser usada varia conforme a cultura. Nos cafezais cultivados no sistema de covas, a aplicação necessária é de 1 tonelada a 1,5 tonelada por hectare.

A NetZero recorre ao marketing sustentável para espalhar sua ideia, usando como referência o potencial de remoção de carbono do biochar, que seria de cerca de 2 bilhões de toneladas de CO2 por ano.

Figueredo diz que esse valor é o equivalente a cerca de 5% das atuais emissões globais anuais de dióxido de carbono e representa cerca de 25% da capacidade global necessária de remoção de carbono até 2050 para atingir emissões líquidas zero.

“O mais interessante é que, além da economia com insumos, já há empresas dispostas a pagar a mais pela saca por saber que ela é produzida com o biochar”, diz, já apontando as primeiras repercussões do projeto em Lajinha.