O período complicado para o setor de máquinas agrícolas, que deve fechar o ano com uma nova retração no volume de vendas, parece ser o tempo certo para a estratégia da Vamos no segmento.
A companhia do grupo Simpar, dono de empresas como JSL e Movida, vai reorganizar seus negócios para criar a maior rede de concessionárias do País. O primeiro passo será a cisão da divisão de comercialização de máquinas e equipamentos da Vamos, que será fundido com a rede de concessionária de veículos leves do grupo, a Automob – que vai dar nome à nova companhia.
A empresa já nasce gigante, com um faturamento de R$ 12,7 bilhões, Ebtida (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) de R$ 418 milhões e representando 34 marcas em 12 estados do País.
E com musculatura para liderar um processo que já vinha em curso, estimulado e guiado pelas multinacionais fabricantes de máquinas agrícolas no País.
Em estratégias paralelas, John Deere, AGCO e CNHi têm orientado a consolidação de suas redes de revendedores, de forma a reduzir o número de grupos com que negociam e a torná-los mais competitivos e resilientes para enfrentar um mercado muitas vezes instável.
O grupo Simpar é um dos eleitos da AGCO, dona das marcas Massey Ferguson, Valtra e Fendt. Com a empresa recém-criada, será o maior concessionário da montadora na América Latina.
Além disso, comercializa equipamentos Manitou, Komatsu e Toyota Empilhadeiras e possui a maior rede de concessionárias de caminhões Volkswagen do País.
A nova companhia vai somar uma rede de 192 lojas, a partir da união das 120 unidades da Automob e as 72 lojas da Vamos Concessionárias.
Com atuação nacional, o negócio de concessionárias agrícolas está em presente em dez estados, principalmente na região Centro-Oeste, onde possui 33 lojas, sendo 21 no Mato Grosso, 10 em Goiás e duas no Mato Grosso do Sul.
A ideia de separar os negócios vem da necessidade de tornar a tese de investimento da Vamos mais clara para seus investidores e, ao mesmo tempo, aproveitar vantagens de escala, capilaridade e sinergia entre Automob e Vamos Concessionárias.
O mercado parece ter entendido bem a mensagem e aprovado o movimento, anunciado em fato relevante no último domingo, 29 de setembro, mesmo que ele tenha vindo em um momento de dificuldades para o setor de máquinas agrícolas no País.
Na segunda-feira, dia 30, as ações da Vamos avançaram 1,69%, cotadas a R$ 6,61. No pregão anterior, na sexta-feira, dia 27 de setembro, os papeis da companhia haviam encerrado o dia cotados a R$ 6,50.
Já as ações do grupo Simpar avançaram 6,27%, cotadas a R$ 5,59. Na sexta-feira, haviam finalizado a semana a R$ 5,26.
Consolidação em meio a dificuldades
A Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) projeta que a queda na comercialização dos equipamentos seja de 18% este ano, segundo a mais recente estimativa.
Em 2023, o recuo já havia sido de 13,2% em relação a 2022, com a venda de 60.981 máquinas, 10 mil a menos.
Esse cenário tem levado as montadoras a reestruturar seus negócios, adequando custos, fazendo cortes nas equipes e suspendendo a operação em algumas de suas fábricas em diversos países.
A reorganização das redes de concessionárias já vinha acontecendo, mas ganhou força mais recentemente. A proposta das fabricantes é ter no máximo três grupos atuando em cada região – algumas delas chegavam a possuir cinco a seis distribuidoras no mesmo estado.
“A John Deere, por exemplo, tinha 32 concessionários”, conta o executivo de uma rede de revendas da marca. “Ela quer ter no máximo 25 e, por isso, está conduzindo a consolidação. Analisa os números dos concessionários de cada região e indica quem deve fazer a aquisição da concorrente”, explica.
“É interessante, feito de forma muito respeitosa. A montadora vê quem performou melhor e aponta o que deseja, mas deixa que as empresas se acertem”.
De fato, o que se tem visto nos últimos meses é um processo de M&As com algumas companhias mais estruturadas absorvendo negócios de grupos menores, muitos deles familiares e sem uma visão clara de crscimento.
A Tracbel, grupo com revendas John Deere no interior paulista, por exemplo, fez duas aquisições nos últimos anos e já controla 16 lojas da marca. O mineiro Brasif comprou, em abril passado, rede de revendas Maxum, que pertencia ao Grupo Franciosi e tinha cinco lojas da marca Case IH no Matopiba.
Os movimentos da própria Vamos e do grupo Simpar nos últimos anos se encaixam nessa tendência.
A Automob, por exemplo, fez vários M&As nos últimos anos, abocanhando diferentes redes de concessionárias que fizeram a companhia chegar à marca de 120 lojas em todo o País, vendo sua receita passar de R$ 618 milhões em 2020 para R$ 9,3 bilhões no segundo trimestre deste ano.
Já a Vamos Concessionárias também ampliou seus negócios em abril do ano passado, ao adquirir por R$ 93 milhões a DHL Tratores, trazendo mais seis lojas e ampliando sua atuação no Paraná.
Na mesma época, a companhia também comprou, por R$ 331 milhões, a concessionária de caminhões da Volkswagen Tietê Veículos, levando para casa três lojas, localizadas em São Paulo, Guarulhos e Campinas.
Mas ainda há bastante espaço a crescer, na avaliação de Ricardo Jacomassi, sócio e economista-chefe da TCP Partners.
“O segmento de máquinas agrícolas é de natureza muito familiar. As redes de concessionárias estão atreladas às grandes marcas, mas são grupos familiares, que têm uma relevância regional e com muitas empresas passando por transições de sucessão”, afirma.
“Ter um grupo consolidador que tenha uma profissionalização, seja estruturado e, de alguma maneira, fique imune aos ciclos do agronegócio, é importante para o setor”, emenda ele.
Para André Pereira, sócio especialista em agronegócio da butique de M&A IGC Partners, a operação anunciada pela Vamos demonstra que a empresa continua muito focada em sua estratégia de crescimento.
"Todo mundo sabe da agressividade da Vamos nos mercados em que ela quer atuar. O fato de ela ter criado uma plataforma independente (por si só) mostra o nível de atenção que esse negócio vai ganhar", afirma.
Pedro Bruno, analista de transportes e bens de capital da XP Investimentos, diz que a fusão das companhias deve potencializar diferentes formas de crescimento à frente. Nesse contexto, o fato de ser uma companhia de capital aberto é uma vantagem na hora de novos M&As.
“A expansão pode acontecer de forma orgânica, porque a união de empresas traz benefícios operacionais e de sinergia e acaba trazendo mais resultado e maior oportunidade de crescimento orgânico, mas também pode acontecer via consolidação”, afirma.
“Essa empresa passaria a ser listada e, sendo uma empresa listada, facilita-se o “uso” dela como uma moeda de troca no caso de aquisições e consolidação do setor”, acrescenta.
Ricardo Jacomassi, da TCP Partners, lembra que a entrada de uma companhia de capital aberto no segmento das concessionárias pode acelerar a inserção de governança no setor como um todo.
“As montadoras não querem problema e dor de cabeça na hora de revenda de seus equipamentos, peças e tratores”, afirma.
“Grupos pouco profissionalizados colocam muito risco no dia-a-dia das fabricantes, mesmo com as iniciativas que as próprias montadoras fazem para melhorar a gestão das concessionárias mais familiares.”
Para André Pereira, da IGC Partners, o processo de consolidação dos grupos revendedores de máquinas agrícolas não tem ponto de retorno.
"Tem outros grupos olhando para Brasil, com preocupações sobre perfomance neste momento, pelo ciclo de desaceleração (no agro) que estamos tendo em 2024. No longo prazo, é um movimento que não tem volta, com os grupos se preparando para um mercado mais sofisticado, com uma venda mais técnica", afirma.
A nova companhia, embora vista como a maior no segmento, ainda tem participação pequena no mercado, o que revela como há potencial para a consolidação.
A Automob deve nascer com um market share de 1,6% em máquinas agrícolas, 1,1% em caminhões novos, 0,9% em máquinas de linha amarela e 0,1% em caminhões usados.
Nos últimos anos, mesmo com a recente diminuição no volume de vendas, a receita líquida do negócio de concessionárias do grupo Simpar avançou quatro vezes, passando de R$ 689 milhões em 2020 a R$ 2,5 bilhões no segundo trimestre deste ano.
Mas, olhando os números mais recentes, do segundo trimestre deste ano, verifica-se um prejuízo de R$ 39 milhões.
Até o segundo trimestre deste ano, a subsidiária havia vendido 6,4 mil máquinas, caminhões e equipamentos, sendo 4,6 mil no varejo e 1,8 mil em venda direta.
A estratégia do grupo Simpar também deve reforçar sua presença no mercado de locação de máquinas, que ganhou impulso no sentido contrário da redução das vendas.
O negócio de aluguel de veículos, caminhões, máquinas e equipamentos seguirá existindo separadamente da Automob.