Quando a quebra da Bolsa de Nova York irradiou uma crise econômica mundial, em 1929, e o governo brasileiro teve que comprar café para depois queimá-lo a fim de manter os preços e não matar o primeiro grande negócio do agribusiness nacional, o Escritório Carvalhaes já funcionava há 11 anos.
O Brasil, então, já era um player com impressionantes 29 milhões de sacas, contra 22 milhões produzidas em outras partes do mundo. Hoje, com os cafezais brasileiros colhendo 65 milhões de sacas na safra em curso, a firma santista ainda faz parte dessa história.
Se o Escritório Carvalhaes tivesse a contabilidade certinha de tudo que já negociou em café desde que começou com corretagem em 1918, certamente daria pelo menos uma safra cheia brasileira em volume.
Mas depois de tantos anos e sucessivas crises do Brasil e do mundo – contando as inúmeras do próprio setor, que foram moldando a forma de produzir, vender e consumir café – e mais um bom tempo operando com um quê de informalidade, como admite um dos herdeiros, Eduardo Carvalhaes Jr., não há como precisar.
Da terceira geração familiar, “seu” Duda tampouco não consegue somar a quantidade de laudos de classificação de café feitos para vendedores e compradores, outra marca da histórica empresa. Milhares, talvez.
O único número mais ou menos aproximado é a quantidade de boletins informativos que se tornaram outra referência do setor. Em 90 anos, desde o lançamento da primeira edição semanal, em 1933, pode-se chegar próximo de 4.400 edições.
Fossem multiplicadas as 52 semanas anuais pelo número de anos da distribuição dessas análises, daria um pouco mais.
Mas Carvalhaes Jr., que assumiu a redação no início dos anos de 1990, dá um pequeno desconto, levando em consideração alguns tropeços entre o calendário e interrupções por algum motivo extraordinário – as crises e óbitos na família, por exemplo.
Os três principais pilares do Carvalhaes estão operacionais até hoje, acompanhando as mudanças que ao comandante da casa – junto aos irmãos Nelson e Sérgio (afastado do dia a dia) -, não surpreendem.
Ele nem arrisca dizer como será nos próximos 10 anos, com a quarta geração no comando. “Eu dormia e acordava com meu pai berrando ao telefone, fazendo a corretagem, agora é tudo digital, online”, recorda, aos 72 anos, fazendo referência à época no qual não havia DDD e as telefonistas só conseguiam completar as ligações de madrugada.
Para um negócio já secular e que, não é exagero dizer, se confunde com a história do café e de Santos – cujo porto cresceu à sombra das sacas nos armazéns e costados dos navios -, antes ainda a família conviveu com os negócios sendo arredondados pelo telégrafo, obviamente.
Dessa época, o Escritório Carvalhaes ainda abriga clientes, exportadores diretos, também já na terceira geração familiar, mas o negócio da corretagem (em volumes atuais não informados) ficou bem menor, segundo o executivo.
Os agentes foram se multiplicando, especialmente via cooperativas, as indústrias de torrefação se pulverizaram e o volume de exportações diretas igualmente cresceu, especialmente via cooperativas.
Tanto que a Bolsa do Café deixou de ter importância, até encerrar as atividades na década de 1960, em prédio onde hoje é o Museu do Café, ponto de referência turística em Santos.
As tradings internacionais também tomaram de assalto o mercado, com a pulverização do consumo da bebida mundo afora, aproveitando-se da capilaridade global.
Dividiram mais o bolo do negócio do maior produtor e exportador mundial, a despeito de a produção de café ter se multiplicado algumas vezes.
No pequeno trecho formado pelas ruas XV de Novembro, do Comércio e Praça Mauá, quase à beira do Cais do Valongo, no centro histórico de Santos, Olan International, Volcafe, Louis Dreyfus e outras estão presentes.
“Já vi muitas entrarem e voltarem para o café várias vezes, como a Cargill”, destaca “seu” Duda, que ainda teve tempo de se formar em engenharia química – e trabalhar - em São Paulo, por pouco tempo, até que o “cheiro” de café o trouxe de volta para o negócio da família.
Este outro pedaço da atividade do Escritório também não é mais o mesmo. De mais ativa no negócio de venda internacional de café, hoje se concentra pouco no trader internacional e mais na prestação de serviços para exportadores diretos e importadores.
Durante 20 anos, comenta o sócio, a empresa comprou os grãos para a Illy Caffè torrefar e espalhar pelo mundo, o que ajudou a proporcionar parte das mudanças que o setor viveu.
Foi praticamente o salto para o País investir na qualidade da produção do arábica gourmet, embalado por uma transformação radical no jeito de consumo, com a marcante entrada em cena das cafeterias, com as máquinas de expresso inventadas pela gigante italiana.
“De café de trabalho [servido dentro das empresas] e consumido caseiramente”, lembra, hoje já se consome a bebida especial até em sachê.
Eduardo Carvalhaes Jr. não gosta muito de acentuar os feitos do Escritório na memória do café brasileiro, por modéstia reconhecida no mercado.
Nem mesmo as análises semanais que escreve trazem mais pareceres decisivos sobre um mercado dominado pela rapidez das comunicações e dos “especuladores”.
Ainda hoje, por exemplo, o Selo de Qualidade Abic (Associação Brasileira da Indústria do Café) é creditado ao Escritório Carvalhaes, que saiu após o laboratório de prova e classificação da empresa definir as pontuações para cafés tradicional, especial e superior.
Se história serve para alguma coisa no futuro, ele diz não saber. O certo é que ela não trai a memória dessa parte do agronegócio que é o começo do desenvolvimento brasileiro, antes de o açúcar dominar.
Por falar nisso, já no século 19 tinha Carvalhaes por aí, comprando em Franca, no Norte de São Paulo, e depois também produzindo no Sul de Minas, acompanhando o deslocamento da produção nacional, até que um deles, Álvaro, tio-avô do “seu” Duda, montou o Escritório.