“Nós sempre tivemos uma linha de sair um pouco fora da caixa, né?”. Com fala mansa e a política de “primeiro pagar as contas e, depois, pensar em crescer” na ponta da língua, é assim que o empresário Otávio Lage Filho, diretor-presidente da Jalles, define o conglomerado sucroenergético nascido no meio de Goiás, há 45 anos.
Na contramão do setor altamente exportador, a companhia nasceu no etanol, mas priorizou a produção de açúcar e a agregação de valor aos produtos para o varejo. Se tornou grande produtora de açúcar orgânico e foi o primeiro grupo de Goiás a abrir capital na B3.
Seguindo a cartilha da parcimônia, pelo menos no momento a Jalles descarta o investimento no etanol de milho, setor que cresce dois dígitos a cada ano no Centro-Oeste, onde ficam a sede e duas de suas três unidades.
As apostas do momento, segundo contou Lage Filho ao Agfeed, são o biogás e o biometano.
Em parceria com a francesa Albioma, que controla 65% do seu braço de cogeração, a Jalles inaugurou, há um ano e meio, a planta de biogás a partir da vinhaça produzida na unidade Otávio Lage, com investimento de R$ 30 milhões.
De acordo com o empresário, o próximo passo, com novo investimento, será produzir biometano, combustível a ser utilizado inicialmente para abastecer a frota própria da companhia.
“O biogás já existe na unidade Otávio Lage. É só fazer um investimento para termos o biometano”, afirma.
Em seguida, a Jalles Machado, unidade pioneira do grupo, também receberá plantas de biogás e biometano.
Os planos incluem a venda do biometano ao governo de Goiás para o uso em ônibus e a manutenção da parceria com a Albioma, que está “na reta final de discussão” para os investimentos, cujos valores Lage Filho não revela.
Filha do Proálcool
O cultivo de cana-de-açúcar em terras goianas para a produção de etanol remonta às décadas de 1960 e 1970, muito antes da popularização da soja no Estado. Santa Helena e Goianésia foram os dois primeiros pólos produtores do biocombustível, em unidades que não sobreviveram.
O incentivo governamental à produção do etanol para combater a crise do petróleo, por meio do Programa Nacional do Álcool (Proálcool), em 1975, atiçou a fagulha que ainda existia em Goiás. Cinco anos mais tarde, nascia a Destilaria Goianésia Álcool S/A.
Sob o comando de Otávio Lage, pai de Lage Filho, a companhia sobreviveu, cresceu e, em 1993, adotou o nome de Jalles Machado, em homenagem ao político, avô do atual diretor-presidente. Naquele ano, a destilaria tornou-se uma usina, com a produção de açúcar cristal vendida no mercado interno com a marca Itajá.
“Trouxemos a tecnologia e a pesquisa de São Paulo, fizemos parceria com a Embrapa, com o IAC (Instituto Agronômico), contratamos consultores para fazer uma operação mais arredondada e tivemos resultados”, ele conta.
Quase duas décadas depois, em 2011, foi inaugurada a Otávio Lage, segunda unidade, no mesmo município da região central de Goiás, junto com a Codora Energia, para a produção de bioenergia. O investimento total foi de R$ 410 milhões à época.
Em 2015, 65% da empresa de bioenergia foi vendida à Albioma. Dois anos depois, uma fábrica de açúcar com capacidade de produção para 140 mil toneladas por ano e um centro de distribuição, com investimento de R$ 80 milhões, iniciaram as operações..
Em 2021, o passo mais ousado do grupo. Mesmo com as incertezas econômicas durante a pandemia, a companhia abriu o capital e obteve R$ 691 milhões na B3 com a negociação de 31,7% em ações na bolsa.
Com parte dos recursos, a Jalles adquiriu a Santa Vitória Açúcar e Álcool e a ERB MG Energias, em Minas Gerais, por R$ 705 milhões.
Aposta na lavoura
Em meio às expansões e incorporações, a Jalles seguiu o lema de “sair da caixa”. Os investimentos em irrigação garantiram, ao mesmo tempo, a segurança hídrica para enfrentar os meses sem chuva no Centro-Oeste e uma produtividade de 94 toneladas a 95 toneladas de cana por hectare nas usinas de Goiás.
Com 100% de canaviais próprios, sem depender de fornecedores, a Jalles tem mais de 40 mil hectares de cana irrigada dos 90 mil hectares disponíveis para corte. A maior parte dessa área é por gotejamento, na chamada irrigação de salvamento.
Nesse modelo, as mangueiras de irrigação são espalhadas no canavial e o gotejamento é acionado apenas no período de estiagem após a colheita. “São, no máximo, três irrigadas para a cana passar aquele período da seca sem sofrer muito”, diz Lage Filho.
O processo muda também o ciclo da cultura. O canavial, que normalmente passa por uma renovação total e após cinco ou seis cortes, na Jalles é renovado após 10 ou 12 cortes. O processo inclui o plantio de novas mudas e a troca das mangueiras.
Se considerada a unidade de Minas Gerais, que não tem irrigação e passa por um processo de renovação e cultivo de novas variedades, a produtividade total da Jalles cai. Mas ainda assim chega a 88 toneladas por hectare.
É mais de 10 toneladas por hectare acima da média de 77,8 toneladas por hectare das usinas e destilarias do Centro-Sul do Brasil na última safra, encerrada em 31 março.
A distância das usinas para os grandes portos exportadores obrigou a Jalles a “sair um pouco da commodity e a agregar valor aos produtos”. Primeiro foram as linhas de varejo de açúcar e saneantes a partir de etanol, seguidas da levedura para alimentação animal.
O projeto “fora da caixa” evoluiu ao ponto de a companhia ter um terço de sua área com cana orgânica, produzindo açúcar e etanol também orgânicos.
Carro-chefe, o açúcar demerara e cristal é destinado ao mercado interno e exportado a 21 países. O etanol orgânico atende nichos, principalmente de perfumaria, bebidas e medicamentos.
“A gente consegue agregar bastante valor nesses dois braços”, completa.
O processamento da safra 2025/2026 de cana já começou nas três unidades da Jalles. Ainda não há números, mas a expectativa é que os investimentos na expansão e renovação de canaviais e na produção tragam um recorde para a companhia.
Em 2024/2025, foram 7,9 milhões de toneladas de cana processadas para uma produção de 357 milhões de litros de etanol e 9,2 milhões de sacas (460 mil toneladas) de açúcar.
A meta da companhia é que em 2026/2027 os investimentos deem resultado e a moagem chegue a 9 milhões de toneladas “Então, a gente agora vai pagar a conta primeiro, depois pensar em crescer”, conclui Lage Filho.