O sobrenome Penido e a marca Roncador foram, durante décadas, uma coisa única – e quase simbólica – no imaginário do agronegócio brasileiro. Refletiam uma era de conquista e imensidão.

Toda citação à Fazenda Roncador era sempre acompanhada do aposto “a maior do Brasil”.

E, em muitas vezes, seguida da história de como ela representava um período em que os governos militares incentivavam grupos econômicos a ocuparem o interior do País, concedendo a eles incentivos para que adquirissem e investissem em terras em regiões então inóspitas.

Foi assim que o engenheiro Pelerson Penido, cujo grupo Serveng mantinha negócios que iam da construção civil à mineração, chegou à Serra do Roncador, no Vale do Araguaia, estado do Mato Grosso, na década de 1970. E começou a construir ali, na base da pata do boi, um império agropecuário.

Hoje, seus netos querem contar uma nova história: a sua própria. E ela começa, justamente, por uma divisão. A Roncador original, com seus mais de 152 mil hectares, já não existe mais. Na prática, agora são três propriedades de pouco mais de 50 mil hectares.

Oficialmente, a partilha da propriedade ainda segue nos seus trâmites burocráticos finais. Foram cerca de quatro anos desde o início do processo de definição do que caberia a cada um dos irmãos Pelerson, Eduarda e Caio Penido Dalla Vechia. E para se chegar à formatação final, que ocorreu no encerramento de 2024.

“Faltam apenas alguns detalhes, que exigem revisões de geoposicionamento, por exemplo.

Mas entre o trio está tudo resolvido há pelo menos dois anos e, na prática, as operações já funcionam de forma independente.

Cada um a seu modo seguirá o trabalho do avô. A irmã, sem interesse pela operação da fazenda, deixou nas mãos de Caio a gestão do seu quinhão. Ela dedica-se à fundação mantida pela família.

Pelerson Penido, chamado pelos amigos de Peleco, ficou com a marca Roncador e carrega consigo o legado de produção sustentável que fez dela um modelo de agropecuária regenerativa no País.

Caio, por sua vez, carrega o nome da família na Agro Penido, companhia que reúne seus negócios rurais individuais, como a Fazenda Água Viva, em Cocalinho (MT), e vem incorporando negócios da antiga Roncador e do Grupo Penido – como a participação em uma joint venture com a SLC Agrícola, a Fazenda Pioneira.

A virada de mais essa página na história do clã trouxe novos projetos, desafios e significados para Caio Penido.

Com a nova organização, a Agro Penido é hoje uma potência com cerca de 100 mil hectares e com diferentes vertentes de negócios, incluindo as terras envolvidas na parceria da Pioneira.

Em uma conversa com o AgFeed, ele tratou de cada um desses temas e negócios, do processo de divisão da Roncador à sua visão para o futuro da sua própria empresa. Confira.

O acerto com os irmãos

A decisão de dividir a Roncador em três partes foi tomada em comum acordo, a partir da visão de que os interesses dos irmãos, embora em parte semelhantes, poderiam ser melhor atendidos em negócios isolados.

“Se for pensar, não eram visões tão diferentes”, diz Caio. “Acho que são projetos de vida mesmo. Na operação em si, no foco na sustentabilidade, na intensificação, tenho a impressão que meu irmão, minha irmã e eu – e a própria SLC –, estamos todos na mesma página”.

“Mas acho que tem mais liberdade. Meu irmão queria ter mais liberdade nas operações. Minha irmã estava querendo não ter operação, ter uma participação no resultado, mas sem ter operação”.

“E eu, meio a meio, estou entre os dois. Tenho uma parte em operação, que eu toco, e uma parte em participação, junto com um parceiro que acho admirável”.

“No final, ficou bom para os três”

O resgate do produtor

Para Caio, a nova fase da Agro Penido é uma espécie de reencontro. De um lado, o resgate de sua infância e da relação com o avô.

De outro, um novo mergulho mais intenso no cotidiano da produção rural, depois de anos dedicados com mais intensidade a atividades classistas, na direção em entidades como o Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (o antigo GTPS, hoje renomeado para Mesa Brasileira) ou o Instituto Mato Grossense da Carne (Imac), que ainda preside.

“Eu continuava conectado, mas agora volto com tudo, com operação. Então, para mim também é um resgate da minha própria história, do meu contato com o meu avô, dos retiros tradicionais da Roncador. Está sendo uma experiência muito gostosa”.

O voo solo

Somando todas as operações sob o guarda-chuva da Agro Penido, cerca de 55 mil hectares são produtivos – a grande maioria dedicada à agricultura e em torno de 6 mil hectares para a pecuária.

O restante, são áreas de preservação (APPs) ou envolvidas em processos de restauração.

Na sociedade (50%/50%) com a SLC na Pioneira, a Agro Penido incorporou quase 40 mil hectares. Metade desse total já fazia parte do negócio antes da partilha da Roncador.

Mais recentemente, em maio passado, Caio e Eduarda concordaram em passar mais 19 mil hectares, oriundos da Roncador, para dentro dessa operação.

A parte que restou sob seu controle pessoal hoje integra a fazenda Darro, em Querência (MT). Ali, Caio possui quase 21 mil hectares, sendo 11,5 mil hectares de área produtiva.

“É uma área interessante. Tenho um retiro de pecuária e um outro de agricultura. Continuo, como na Água Viva, fazendo integração lavoura-pecuária (ILP) nessa área. E tem os varjões, que não têm vocação agrícola, em que tenho um módulo só de pecuária”.

Há também um ativo sentimental na propriedade.

“Fiquei com esse retiro, que é a sede velha da Roncador, onde eu ia quando era pequeno, na beira do rio Suiá”.

A soja é a principal cultura nas propriedades de Agro Penido. Na safrinha, Caio cultiva um mix de milho e áreas para pastagens, dentro do conceito de ILP.

Mas ele é adepto de experimentar alternativas que se encaixem ao seu modelo produtivo.

“O que veio forte para a região nos últimos tempos é o gergelim. A gente planta um pouco também, tanto na Darro quanto na Pioneira. E também tivemos alguns anos de feijão mungo, mungo preto, mungo verde, ambos na safrinha”.

“O gergelim é um negócio interessante que está surgindo, com tradings menores, que exportam com contêiner para o mercado indiano, sobretudo. Canarana já é um grande pólo de gergelim, Querência também está ficando forte”.

“Acho que é um mercado que tem que estar de olho. A China agora liberou gergelim também. Com tendência de novos produtos chegando, a Índia começa a se tornar um potencial China daqui a umas décadas”.

“É um mercado consumidor de 1,5 bilhão de habitantes, que estão ainda muito na zona rural, mas essa tendência de consumirem mais, acho que tem que estar de olho”.

“Estou de olho nas minhas fazendas, fui para a Índia ano passado, fui para a China. Sempre foquei muito esse mercado asiático”.

A parceria com a SLC

Criada em 2013, a joint venture com a SLC Agrícola na Pioneira hoje tem uma parte significativa das terras da Roncador que ficaram com Caio e Eduarda.

Nelas, Caio ressalta, a operação é 100% da SLC. Os dois irmãos atuam no conselho de administração – Caio é o presidente.

“A gente faz as reuniões em Porto Alegre, tem uma governança muito boa. Tem um diretor indicado por nós, que participa das reuniões de diretoria, das decisões operacionais e das estratégias do conselho”.

Entre essas estratégias estão testar um modelo de culturas mais diversificado. Caio revela, por exemplo, que estão sendo avaliados, de forma experimental, projetos de pecuária e de cultivo do algodão na propriedade.

“A pecuária, atualmente, é praticamente feita apenas nas fazendas sobre a minha gestão. Mas na Pioneira, a gente vai entrar um pouco, no modelo de integração com a lavoura. Ainda não está funcionando”.

“A gente já faz um algodão experimental. A gente está analisando, para depois fazer os investimentos e entrar forte. Estamos avaliando variedades, produtividade, para ver como o algodão performa em Querência, entender a viabilidade”.

“Ali não se cultiva tanto como em outras regiões consolidadas. Ao longo da BR 163, em Sapesal, na região de Sinop, acho que já é muito mais tradicional. Em Querência já tem alguns núcleos, algumas fazendas produzindo, mas é o processo da própria SLC de fazer as pesquisas”.

“É um investimento alto, não tem uma algodoeira ainda para beneficiar ali perto... Então é uma operação de estudo, um plano de negócio ainda”.

Caio participa também do Comitê de Sustentabilidade e ESG da Pioneira, em que divide a mesa, entre outros, com o CEO da SLC, Aurélio Pavinato.

“O nosso combinado também foi de a Pioneira ser, dentro da SLC, uma fazenda referência em sustentabilidade. E, assim, manter o legado do meu avô, do Vale da Araguaia, da Liga do Araguaia, com os projetos ligados a carbono, sustentabilidade”.

A carne que Zuckerberg quer fazer

Na volta à gestão das fazendas da Agro Penido, um dos projetos que mais encanta Caio é o da criação de uma marca de carne que exprima sua visão de pecuária sustentável, do pasto à mesa.

Ativo nos debates sobre o tema, ele pratica na Água Viva aquilo que defende: gado criado solto no pasto, em um ambiente harmônico com a natureza, onde até os ataques das onças ao rebanho são parte da narrativa dessa convivência.

“Tenho um programa bem parrudo de carne gourmet sustentável”, diz.

Caio se refere aos produtos da marca Soubeef, resultado de anos de trabalho no cruzamento das raças Nelore e Angus. Mais recentemente, ele incluiu sangue Wagyu nessa mistura, produzindo uma carne com ainda melhor qualidade.

“Hoje, são aproximadamente 3 mil cabeças. A gente produz um pouco das novilhas aqui na fazenda, um pouco a gente compra no mercado, e insemina com o Wagyu Akaushi, que é o mais rústico”.

“Então, eu vou agora lançar uma linha reserva especial, que vai ser esse tricross, que é o que o Mark Zuckerberg está querendo produzir lá no Havaí e que a gente já está fazendo aqui há uns cinco anos, dentro de um modelo a pasto, mas com suplementação”.

“É uma terminação intensiva a pasto, onde a gente, na seca, usa a área de lavoura também, na integração lavoura-pecuária”.

Um dos principais desafios do projeto é fechar todos os elos da cadeia.

“É uma dificuldade do abate. Não tenho indústria frigorífica que preste esse serviço, nos moldes que preciso, aqui nas minhas proximidades. Estou tendo que migrar para Goiás, que é o mais próximo onde tem capacidade. Depois, faço desossa e porcionamento já em São Paulo, perto do mercado de distribuição. Tudo em São Paulo, em torno de São Paulo”.

O produto é vendido no modelo food servisse, direto a restaurantes. Há também alguns clientes que adquirem a carne através de e-commerce.

“Agora, estamos desbravando a área comercial, montando uma área de logística...”

História e propósito

Tudo que leva a marca carrega também uma série de certificações, que, na visão de Caio Penido, são fundamentais para o sucesso da operação como um todo.

“No começo, eu tinha a Rainforest Alliance, os certificados da Liga do Araguaia e participava dos projetos Carbono-Araguaia. Estava sempre olhando para o balanço de carbono, para a idade de abate, para o carbono no solo, sempre com esse olhar integrado com a biodiversidade”, diz.

Hoje, a empresa busca ainda novas certificações, com foco no mercado de carbono.

Caio diz que, ao longo dos anos, notou que era difícil obter mais valor, junto aos consumidores, em função da sustentabilidade, mas que as boas práticas poderiam gerar outros ganhos.

“O mercado não consegue remunerar pela sustentabilidade. É aquela briga constante que a gente tentou. É difícil para as indústrias remunerarem, não têm um programa específico. Quando criam um, depois desaparece”.

O foco, assim, fica mais no valor agregado pela qualidade, usando as certificações como um atrativo a mais, mas não como o principal item do discurso de vendas.

“Vai estar no rótulo a questão do baixo carbono e a questão de ser criado livre também, porque a gente identificou que são esses dois pontos que o consumidor preocupado com sustentabilidade está mais antenado”.

“Em breve, vamos estar com isso no nosso rótulo, comprovado por uma terceira parte, tentando acessar esse público que quer qualidade com sustentabilidade. Se não tiver qualidade, não adianta muito a sustentabilidade”.

“Hoje em dia as pessoas querem um alimento, uma carne com história. Toda essa história da nossa batalha pela articulação agroambiental, pela defesa do modelo brasileiro, tudo isso vira sabor. Uma carne que conta tudo isso e é criada desse jeito, com amor, com respeito, com toda essa consciência que a gente tem de que é um alimento sagrado”.

“Eu tento fazer a carne acima de qualquer suspeita, acima de qualquer questionamento. Acredito que o Brasil tem um potencial em larga escala de provar isso também. Comparando com os outros países que produzem em larga escala, a nossa carne é imbatível. Então, tudo isso aí é o propósito”.

Uma nova commodity

Uma das formas de aumentar a remuneração pela sustentabilidade são os créditos de carbono, uma pregação que Caio Penido faz há mais de uma década, sobretudo em suas funções classistas e institucionais.

Nas fazendas, ele tem investido regularmente no restauro de áreas florestais e colhendo benefícios em várias frentes, como o aumento da segurança hídrica e o fortalecimento das APPs.

“A gente está avaliando também o impacto desse restauro nos próprios talhões de soja no entorno. O negócio em si já é interessante, com o próprio crédito de carbono que a gente vai receber em crédito de carbono, acreditando que esse crédito pode ser enriquecido com todos os projetos sociais que a gente já tem”.

“Ele vai se tornando um carbono mais valioso pela conservação, pelo monitoramento da fauna, por tudo. A gente acha que ele pode ser um carbono especial, vamos dizer, e que o mercado vai crescer. É uma nova commodity. Era o que eu falava lá atrás e tinha gente que me chamava de sonhador. Acredito muito que agora está se concretizando, no mundo todo com o mercado de carbono se organizando”.

“Isso vai enfraquecendo aquele discurso ativista, panfletário, que era de conservação. Hoje em dia, na Semana do Clima de Nova York, na COP, é muito mais o mercado assumindo esse discurso, com as empresas emissoras correndo atrás de crédito de carbono, buscando neutralizar suas emissões”.

A crença nesse mercado é tão grande que Caio criou, dentro do grupo, a Carbono Penido, empresa voltada à comercialização desses créditos e organizar essas áreas de carbono e de serviços ambientais.

No carbono, a empresa fechou recentemente um acordo com a Re.green para o restauro de áreas no entorno da APPs já existentes em suas propriedades.

E deve anunciar em breve outro projeto para mensurar o carbono no solo e buscar créditos também nas áreas produtivas, em antigas pastagens degradadas que estão sendo convertidas para agricultura.

O anúncio deve incluir uma área para pesquisa de metodologia de mensuração e envolve o comitê de ESG da Pioneira, “com toda a estrutura da Agro Penido e da SLC”.

“Acho que é um potencial de ser uma referência importante para toda a agropecuária brasileira. Hoje, a grande luta do setor é que seja reconhecido esse carbono no solo do sistema produtivo. A partir do momento que isso for reconhecido, o Brasil estará um passo na frente”.

A Carbono Penido também está atenta a um mercado emergente que é o de créditos de biodiversidade. O grupo realiza, nas fazendas, monitoramento de fauna, olhando tanto a vida no solo – a presença de enzimas e a vida microbiológica – quanto os répteis, aves, mamíferos.

“É para o futuro, mas já estamos conversando com startups, juntando todas as nossas ações de biodiversidade. A gente já está se preparando, na Agro Penido para essa discussão”.

“A gente continua no nosso legado, que vem desde o meu avô, que passou pela gestão da minha mãe, com meus irmãos. Era um pouco esse compromisso que a gente queria manter.

Bônus

Nessa linha, o resgate do seu lado produtor traz, ainda, um bônus especial para Caio, que pesou na decisão de manter uma parte do negócio nas suas próprias mãos, fora da joint venture com a SLC: “Oferecer a oportunidade para os meus filhos, de continuar a história da família”.

“Tenho um filho de 23 anos e uma filha de 18 e eles gostam. E fiquei um pouco também receoso de colocar tudo na Pioneira e eles irem para uma posição mais de acionistas muito cedo, sabe?”

“É importante mantê-los conectados com desafios, com medo da chuva, com medo do negócio. Essa expectativa toda que envolve esse mundo plural, de produtividade, de mercado, e a paixão pela terra, por essa fazenda Roncador onde eu cresci, acompanhando o meu avô. Quero oferecer isso, proporcionar isso também para os meus filhos de uma forma direta, conectada”.