Em meados dos anos 1990, o jovem Carlo Porro, proprietário de uma pequena empresa de comercialização de melões criada a partir das vendas em uma Kombi em Mossoró, no Rio Grande do Norte, convidou um amigo, o advogado Luiz Roberto Barcelos, para acompanhá-lo em uma missão: cobrar uma dívida que já se arrastava há tempos, com um produtor de melão da região Nordeste.

Durante a negociação, o produtor, que havia perdido a safra por conta das chuvas, ofereceu como pagamento uma área de 20 hectares, irrigada. Após fecharem o acordo, Barcelos confessou a Porro sua insatisfação com o Direito e propôs ao amigo investirem juntos na terra recém-adquirida.

Nascia ali a Agrícola Famosa, maior produtora de melões e a maior exportadora de frutas do Brasil. A companhia deve fechar o ano com a produção de aproximadamente 300 mil toneladas em 12 mil hectares cultivados, de uma área total de 30 mil hectares, divididos entre os estados de Rio Grande do Norte, Ceará e Pernambuco.

E com pretensões globais cada vez maiores. Com trinta anos de mercado, a empresa anunciou na última semana a aquisição da espanhola El Abuelo, principal marca de melões da variedade Piel de Sapo daquele país.

Os valores do negócio não foram divulgados, mas juntas as receitas das duas companhias somaram mais de 230 milhões de euros em 2023, o equivalente a R$ 1,4 bilhão no câmbio atual.

Atualmente, a Famosa responde por 65% do mercado de melões da Europa, percentual que deve crescer consideravelmente com a compra da El Abuelo.

“Essa aquisição nos dará condições de atender melhor os clientes europeus, uma vez que conseguiremos oferecer produtos que, no Brasil, têm a produção afetada ou inviabilizada por conta das chuvas", explica Porro, CEO da Agrícola Famosa, em entrevista ao AgFeed.

Um desses produtos é a melancia sem semente, que se desenvolve melhor em locais com menor índice pluviométrico. Porro explica que entre os ativos adquiridos com a El Abuelo está uma área de 350 hectares no Senegal, onde inicialmente serão cultivadas as melancias.

Com isso, revela, a meta da companhia é “pelo menos triplicar a área cultivada” no país africano em até quatro anos. “As operação do Brasil, Espanha e Senegal serão complementares, resultando em uma maior variedade de frutas disponíveis no mercado internacional", explica Porro.

O negócio incluiu também uma packing house na cidade espanhola de Múrcia, para onde a companhia pretende enviar em breve melões do Brasil para serem embalados e distribuídos por toda a Europa.

É de Múrcia que estão saindo os primeiros melões e melancias cortados ao meio, distribuídos para redes varejistas de todo o continente. “A fruta minimamente processada é uma tendência em mercados europeus e nós já estamos atendendo a esses clientes".

A El Abuelo é atualmente a marca líder do mercado espanhol, com movimentação média de 80 mil toneladas de frutas por ano, adquiridas majoritariamente de pequenos produtores.

Com a aquisição, a produção anual de melões e melancias da Famosa deve chegar perto das 380 mil toneladas. Porro calcula um crescimento dos negócios de até 25% para o próximo ano.

Além da Europa, a Famosa também está presente nos Estados Unidos, Canadá, Uruguai, Argentina e na China, onde, segundo Porro, o principal desafio é a logística.

Para os próximos anos, o executivo revela que o crescimento da empresa deve vir não só dos investimentos internos, mas também de novas aquisições e de expansão das áreas agrícolas no Brasil. "Calculamos um incremento de até 10% nas áreas no País", diz.

Além do mercado de melões e melancias, ele revela que a empresa está investindo também no segmento de maracujás, limões e uvas de mesa, cujos primeiros testes de plantio foram feitos neste mês. “É um mercado promissor, onde pretendemos crescer com a produção própria e em aquisições”.

Os sócios Carlo Porro e Luiz Roberto Barcelos, em foto dos anos 2000, no começo da expansão para o mercado internacional

Verticalizar para crescer

A estratégia de crescimento da Famosa está calcada principalmente no processo de verticalização das operações. Com isso, a companhia consegue garantir que o controle de resíduos, pragas e a qualidade das frutas estejam dentro dos padrões exigidos pelos diferentes países.

“Na Alemanha, por exemplo, o mercado exige que nossos resíduos sejam 70% menores do que as taxas autorizadas pela comunidade europeia", explica Porro.

Para garantir que nada saia dos trilhos, a Famosa conta com uma área de pesquisa que anualmente desenvolve cerca de 2.000 variedades de mudas apenas de melões e melanciais.

Desse total, apenas uma ou duas acabam sendo selecionadas para testes na produção. Com esse trabalho constante de melhoramento, a companhia consegue produzir frutas o ano inteiro, nos mais variados tipos de clima e solos, com áreas totalmente irrigadas.

A Famosa possui 7 mil colaboradores e investe cerca de 15 milhões de euros em tecnologia, estrutura e melhorias, focada no aumento da produtividade e tecnificação das áreas. Porro revela que apenas no time de engenheiros agrônomos são cerca de 45 profissionais.

O controle de pragas e doenças nas propriedades é biológico e desde 2015 a Famosa possui sua própria empresa de biotecnologia, a Top Bio. “A empresa nasceu justamente da nossa necessidade em produzir de forma orgânica alimentos com o mínimo de resíduos", diz Porro.

A expansão da presença em outros mercados também faz parte da estratégia da companhia. Atualmente, pesquisas de variedades de uvas de mesa, maracujás e limões tahiti estão em andamento dentro das propriedades da famosa.

Como parte do plano de verticalização, em 2021 a empresa anunciou a parceria com a espanhola Citri&Co, que se tornou sócia minoritária da Famosa. A companhia é uma das maiores comercializadoras de cítricos da Europa com presença também na África do Sul e no Peru.