A francesa Lactalis, maior fabricante de laticínios do mundo e detentora de marcas facilmente reconhecidas pelo consumidor, como Parmalat, Itambé, Batavo e Président, tem sede de Brasil desde que chegou ao País, há pouco mais de uma década.

Logo depois de fincar sua bandeira no mercado brasileiro, a companhia acumulou uma sequência de compras de empresas conhecidas do setor e rapidamente se transformou em um gigante.

Em uma década, foram aproximadamente R$ 5 bilhões em aquisições, mas a companhia não parece ainda ter saciado sua obsessão em liderar o processo de consolidação do mercado.

"Nenhuma outra empresa na história do Brasil fez investimentos tão sólidos na cadeia leiteira quanto a Lactalis fez nesses últimos dez anos", disse Guilherme Portella, diretor de comunicação externa, assuntos regulatórios e corporativos da Lactalis Brasil.

"O interessante é que ela pretende ou continuará fazendo esses investimentos", adiantou o executivo, que conversou com o AgFeed prestes a embarcar para a França, onde participará da reunião global de alinhamento da companhia.

Apesar dos movimentos nada discretos que costuma fazer no mercado, abocanhando seus concorrentes, a Lactalis, por enquanto, é econômica nos detalhes do que pretende fazer daqui em diante – mas já deixa algumas pistas de que pode estar vindo pelo caminho.

No ano passado, a companhia anunciou aportes na ampliação de suas estruturas no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais que, somados, totalizaram R$ 350 milhões.

A empresa não divulga um número exato previsto para este ano, mas Portella diz que a companhia projeta valor total “superior” para 2025.

“Vamos fazer investimentos e teremos crescimento das nossas operações em praticamente todos os estados”, afirmou o porta-voz.

“Entendemos que o mercado de leite no Brasil é muito pulverizado e precisa de uma liderança direcional que ajude a transformar positivamente toda cadeia do leite no Brasil”, acrescentou o executivo.

Com isso, a Lactalis reforça mais uma vez a tese de consolidação, bandeira que já vem empunhando nos últimos anos e estratégia que transformou a companhia ao longo da última década na maior receptora de leite no País.

A Lactalis capta hoje 2,7 bilhões de litros, emprega 13 mil pessoas e tem 22 fábricas em oito Estados brasileiros.

“A gente entende que esse é o nosso papel dentro do mercado de laticínios hoje é ser um líder direcional para transformar a cadeia de laticínios em uma cadeia melhor, mais madura”, afirmou Portella.

“Isso, com um produtor remunerado de maneira justa, agregando valor para todas as etapas da cadeia, especialmente para fazer com que a gente tenha um leite no mesmo patamar de produtividade em escala global que existe em outras proteínas animais”, disse Portella.

O modelo adotado pela Lactalis se espelha em outras cadeias em que o Brasil se tornou referência mundial de produtividade e competitividade nos mercados internacionais.

“O frango hoje tem um custo por quilo produzido que é um dos mais competitivos do mundo. O Brasil é líder em produção de soja, em produção de algodão, e em uma série de outros produtos agrícolas. Já o leite não tem os mesmos indicadores de competitividade em escala mundial e a gente entende que isso pode acontecer”, afirma.

Portella afirmou que a Lactalis está aberta no momento a “novas oportunidades de crescimento, orgânicas e por aquisições”, sem trazer mais detalhes sobre onde ou quais seriam as tais oportunidades.

Esses movimentos, segundo o executivo, vão ser feitos se estiverem em linha com o propósito de “formar uma empresa forte e responsável” no mercado brasileiro.

“Aqui no Brasil desdobramos esse propósito em um projeto de ESG que chamamos de Forte e Responsável, através do qual queremos ser uma liderança positiva para toda cadeia de produção, cuidando do planeta, do relacionamento com os produtores de leite, pessoas na nossa operação e entorno das fábricas e parceiros de negócio e consumidores”, disse Portella.

“Havendo oportunidades de negócio que preencham esses requisitos, certamente serão analisadas pela empresa”, acrescentou.

Desafios no Rio Grande do Sul

O ano de 2024 da Lactalis terminou de maneira “bastante positiva”, na avaliação de Portella, com a companhia encerrando o período com um faturamento próximo de R$ 17 bilhões.

Isso depois de um começo de ano mais turbulento, com as enchentes de maio do ano passado no Rio Grande do Sul, que afetaram os produtores de leite do Estado e que fornecem o produto à Lactalis.

Portella disse que 60% da produção de leite do Rio Grande do Sul está na região Noroeste do Estado, por onde as chuvas passaram inicialmente.

“Nos primeiros dias, tivemos algum problema nas operações das fábricas daquela região porque subiu um rio, alguns poços transbordaram, mas foram coisas resolvidas entre um e dois dias”, recordou o executivo.

O problema maior, segundo Portella, foi na região do Vale do Rio Taquari, onde está instalada a unidade de Teutônia.

O Rio Taquari, que percorre os municípios da região, chegou a superar os 30 metros de altura na ocasião, batendo recorde da série histórica.

“A fábrica em si estava num ponto mais alto e não teve maiores problemas, mas a gente tinha muito desafio com o produtor rural da região ou para que as embalagens e insumos chegassem, pois as estradas estavam todas bloqueadas”, afirma.

Na época, a empresa passou a envasar água no lugar de leite e informou que iria distribuir 2 milhões de litros de água potável a serem doadas às comunidades atingidas pela tragédia.

A Lactalis não tem um número fechado de perdas decorrentes da enchente no Rio Grande do Sul, mas Portella disse que a companhia honrou seus compromissos no período, mesmo com prejuízos.

“A gente não deixou de pagar os produtores que não conseguiam entregar o leite nesses dias todos. Alguns foram mais afetados e isso durou alguns meses”, afirmou Portella.

“Com superação, a gente conseguiu levar adiante de uma maneira menos danosa. O segundo semestre foi de recuperação, mas fácil nunca é, afinal, no setor de leite, a gente sempre trabalha com margens muito baixas”, complementou Portella.

Passada a enchente, em setembro passado, a companhia anunciou um aporte de R$ 100 milhões em suas cinco fábricas no estado ao longo de 2025.

Além de Teutônia, a Lactalis está presente nas cidades de Ijuí, Três de Maio – onde tem duas fábricas – e Santa Rosa, em diferentes regiões do interior gaúcho.

A companhia pretende criar novas linhas de produção em suas unidades no estado, com fabricação de queijo processado em Santa Rosa, de whey protein em Teutônia e de queijo mussarela em Três de Maio.

Também planeja ampliar a produção de queijo prato em Ijuí, com aumento de capacidade de geração de energia para a unidade.

Em outra frente, a Lactalis continua com um acordo firmado com a Cooperativa Languiru, de Teutônia, em 2023. Desde então, a cooperativa – que atravessa dificuldades financeiras, com uma dívida de cerca de R$ 1,1 bilhão – passou a fornecer todo o volume de leite in natura de seus produtores à companhia.

Integração da DPA

Em novembro passado, a Lactalis também anunciou investimentos de R$ 250 milhões em Minas Gerais a serem feitos entre 2024 e 2025.

Estão previstos investimentos tanto nas unidades da Lactalis, localizadas nas cidades de Curral Novo, Pouso Alto e Ravena, quanto nas unidades da Itambé em Guanhães, Pará de Minas, Sete Lagoas e Uberlândia.

Assim como no Rio Grande do Sul, também há foco na ampliação de linhas de produção em Minas.

Na unidade de Pouso Alto, a ideia é ampliar a produção de queijo parmesão e fazer investimentos em ultrafiltração. Em Ravena, a intenção é fazer melhorias na produção de soro em pó e também incrementos na torre de esgoto.

Já nas unidades da Itambé, a intenção é investir na produção de nova linha de leite fermentado em Pará de Minas, de uma nova linha de doce de leite em Sete Lagoas, e de nova linha de manteiga de pote em Uberlândia.

Hoje, Rio Grande do Sul e Minas Gerais concentram pouco mais de 2 bilhões do volume total de leite captado pela companhia.

Em Minas Gerais, o produto vem de um acordo com a cooperativa CCPR, enquanto que, no Rio Grande do Sul, é obtido com cerca de 4 mil produtores que enviam o produto diretamente à companhia.

“A gente capta em torno de um bilhão de litros no Rio Grande do Sul e um pouco mais que isso em Minas Gerais”, afirmou Portella.

Em outros Estados da federação, a Lactalis teve um acréscimo importante nos últimos anos com a aquisição da DPA, anunciada no fim de 2022 e aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em outubro de 2023.

A integração da DPA, feita ao longo de 2024, foi bem sucedida, segundo Portella, e tornou-se uma referência para eventuais outras negociações.

“Foi muito rápida e muito importante em termos de sinergia e até de cultura. Isso serve de exemplo para nós mesmos em futuros negócios que possam acontecer mais à frente, porque foi muito bem implementado.”

Histórico de aquisições

A transformação da Lactalis em uma gigante foi acontecendo ao longo da última década – e sempre baseada na compra de outras empresas.

A companhia chegou tímida ao Brasil, em 2013, a partir da compra do laticínio Balkis, que produzia queijos gourmet, com presença nas cidades de Santo Antônio do Aracanguá (SP) e Juruaia (MG), por R$ 70 milhões, em valores da época.

O primeiro passo mais ousado foi dado em 2014, quando a companhia trouxe de para o seu portfólio a marca Parmalat, ao comprar ativos da Lácteos Brasil (LBR).

A LBR, empresa criada pelas companhias de leite Bom Gosto e LeitBom, em 2010, passou a enfrentar problemas no começo da década passada, tendo entrado com um pedido de recuperação judicial, em 2013.

Na sequência, quase ao mesmo tempo, uma nova tacada: a Lactalis também adquiriu a divisão de lácteos da BRF, abocanhando 11 unidades de uma vez só e as marcas Batavo e Elegé.

Com essas aquisições, a empresa criou uma força produtiva especialmente no Rio Grande do Sul, um dos maiores mercados brasileiros de leite do País.

Mas a companhia não ficou parou por aí. Depois de alguns anos, os franceses da Lactalis resolveram fincar seus pés em outro importante polo leiteiro do Brasil, Minas Gerais.

Em 2019, a companhia francesa adquiriu a Itambé, histórica marca mineira fundada na década de 1940.

Nos anos anteriores à venda, a Itambé vinha se destacando mais pelas disputas judiciais em que estava metida – entre a Cooperativa Central de Produtores Rurais de Minas Gerais (CPPR), dona de parte da companhia, e a Vigor, que havia comprado 50% do capital da empresa – do que pelo seu desempenho.

Mais recentemente, no fim de 2022, a Lactalis anunciou nova compra, justamente a da DPA Brasil, joint-venture das companhias Fonterra e Nestlé, que tinham 51% e 49% do negócio, respectivamente.

No negócio, a Lactalis levou as plantas da DPA em Araras (SP) e Garanhuns (PE), a fabricação e distribuição das marcas Chambinho, Chamyto e Chandelle, e a possibilidade de uso de marcas da Nestlé, como Ninho, Neston, Molico e Nesfit, ainda que essas exclusivamente para o segmento de lácteos refrigerados.