Quando um negócio tem a presença ou o aval do engenheiro agrônomo Fernando Reis, o mercado passa a observar com mais atenção.

Foi ele, por exemplo, que fundou a Gênica, uma das empresas mais atraentes do setor de bioinsumos, que tem já tem entre os sócios a Nitro, a Mosaic e a Mitsubishi.

A previsão no ano passado era de um faturamento superior a R$ 200 milhões na Gênica. Também foi Fernando Reis que montou a FastAgro, de fertilizantes, em 2009. Ele vendeu a empresa para a Nitro, em transação que não teve o valor divulgado, mas permanece como sócio até 2026.

A “menina dos olhos” de Reis agora é a Agroadvance, empresa de educação digital no agronegócio, fundada em 2019 por Pedro Bernardes, outro engenheiro agrônomo formado em Piracicaba (SP), que vinha se destacando na organização de eventos e cursos de extensão.

“Fizemos parte do mesmo grupo de pesquisa e extensão ali dentro da Esalq/USP, em épocas diferentes, um grupo muito forte na parte de nutrição e fertilidade do solo, que sempre teve uma vertical de extensão muito forte”, contou Bernardes, em entrevista ao AgFeed.

Ele diz que, ao organizar eventos para produtores rurais e indústrias, em conjunto com os professores, levando cursos para as regiões agrícolas, percebeu a oportunidade de investir na educação para o agro.

“Eu tinha a visão que dava pra fazer mais, levava mil pessoas pra Goiânia, mas tinha gente do Brasil inteiro que podia acessar aquele nível de conhecimento, mas que não tinha tempo pra se deslocar ou não tinha o recurso pra se deslocar”, explicou.

Foi então que criou a empresa de cursos livres digitais, principalmente de curta duração, mas com nomes conhecidos do agronegócio. O foco era conteúdo técnico, como a adubação de soja e milho, por exemplo.

Fernando Reis se juntou à Agroadvance em 2021. Primeiro foi chamado para o conselho, mas logo propôs se tornar sócio investidor.

Ele conta que passou a prestar mais atenção ao trabalho da startup na pandemia. “Hoje parece comum, mas quem foi o primeiro a fazer isso? Foi ele (Pedro). Tanto que eu não esqueço o primeiro curso que ele lançou, de soja e milho. Ele montou essa ‘gangue’. Me perguntei, quem está fazendo esse negócio? Tanta gente boa junto dando esse curso”.

Pedro Bernardes diz que na pandemia o negócio acelerou, superando a tradicional resistência que ainda era vista no agro em relação às plataformas digitais.

Com missões internacionais, receita deve dobrar

Quando Fernando chegou há 4 anos, o faturamento da Agroadvance era de R$ 1,5 milhão. No ano passado, segundo os sócios, o montante já alcançou R$ 13,8 milhões.

Pedro Bernardes diz que a vinda de Reis para o negócio ajudou a empresa a receber mais investidores, já que os fundadores tinham viés muito técnico. Hoje os dois dividem a sociedade com quatro fundos de venture capital: Arar Capital, SP Ventures, SLC ventures (da SLC Agrícola, empresa listada na B3) e a Ânima Ventures, de uma empresa tradicional no setor de educação.

Há alguns meses a Agroadvance previa chegar a R$ 22 milhões de receita em 2025, mas precisou, novamente, revisar para cima os números.

A razão é a parceria estratégica que acaba de ser fechada com a StartSe, uma das principais plataformas de educação executiva online no País, também especializada em eventos e missões internacionais, fundada por ex-sócios da XP Investimentos.

“A gente admira muito a StartSe. Ela tinha montado uma StartSe agro, só que missões internacionais não era o foco deles, não estava tendo a atenção que deveria por parte deles, pelo extremo sucesso de outras áreas”, explicou Fernando Reis.

Após conversas entre as empresas, ficou definido que a Agroadvance assumiria a operação das missões internacionais, que levam produtores rurais e profissionais de empresas do agronegócio para diferentes países, em programas educacionais.

Desta forma, a empresa liderada por Pedro e Fernando passou a ter uma terceira unidade de negócio, com foco nas missões. As outras duas já atuantes são os cursos de “prateleira”, 90% digitais, especialmente pós-graduação e MBAs, além dos “customizados”, que são treinamentos organizados para as empresas.

Com a parceria, a Agroadvance aforma estar somando mais R$ 10 milhões de receita este ano, por isso prevê chegar ao total de R$ 32 milhões, o que representa mais que o dobro de 2024. Se confirmado, o valor será 21 vezes maior que o registrado há 4 anos.

Os executivos garantem que não se trata de uma aquisição de parte do negócio da StartSe. É uma “parceria estratégica” em que o time que lidera as missões internacionais agora foi integrado ao grupo de 70 colaboradores da Agroadvance. Haverá um pagamento de um “fee” para a StartSe nos negócios fechados.

“Essa avenida vai ser super legal, porque ela tem um potencial de provocar os profissionais do agro, de ir para o Vale do Silício, ir para a Alemanha, para o Japão e encontrar algumas coisas lá, inclusive de outras áreas fora do agro, ver como aquela logística da Amazon pode ajudar na distribuição”, ressaltou Reis.

Os dois sócios acreditam que será possível para triplicar a receita com as missões internacionais “no curto prazo”,

“A gente está estabilizando o processo agora, a migração é uma operação complexa, não é trivial administrar fornecedor no mundo inteiro. São 12 contratos, só para a China são quatro contratos, tem Alemanha, Estados Unidos, Holanda. Estamos estabilizando isso aí para conseguir pisar no acelerador no próximo ano e capturar a sinergia com as outras frentes”, disse Bernardes.

A expectativa é de que até mesmo relacionamento estabelecido nas viagens – são geralmente 7 dias de convívio com produtores e empresários – possam gerar novos negócios para a empresa. Pedro Fernandes contou que, recentemente, um grupo que voltou de Singapura, já solicitou um treinamento específico de Inteligência Artificial no agronegócio, por exemplo.

Próximos passos

No início do ano que vem a Agroadvance pretende lançar uma quarta unidade de negócio, com foco na graduação. É aí que os recentes aportes da SLC e da Ânima devem ser ainda mais importantes.

A visão dos sócios é de que a “maior dor” do agronegócio segue sendo a falta de profissionais, não apenas do ponto de vista quantitativo, mas também pela qualificação.

“Falta profissionais qualificados com o domínio das competências necessárias para as necessidades de hoje, sem nem falar das competências necessárias do que vem pela frente, como a agricultura digital, uma necessidade de conhecimento de dados e inteligência artificial, que ninguém sabe nada disso. No biológico, todo mundo está aprendendo”, reforçou Fernando Reis.

As pós-graduações e MBAs representam a maior parte da receita da companhia, mas, na visão dele, “a maior avenida” está na graduação.

No início de maio, a Agroadvance anunciou a conclusão de uma rodada de captação onde levantou R$ 9,5 milhões, com a chegada da SLC e da Ânima.

“A gente quer uma graduação com uma estrutura de presencialidade robusta. Fomos procurar um player de produção no mercado que é referência e que a gente considera que tem muito para ensinar o agro. A gente chamou a SLC”, explicou Reis.

Com o novo marco regulatório para os cursos de agronomia, é obrigatório ter 40% de aulas presenciais. A ideia é levar os alunos para as fazendas da SLC. Segundo Reis, a empresa já vem se envolvendo no negócio, ao indicar profissionais que ministram aulas, ao demandar treinamentos e, futuramente, devem aproveitar os formados para contratar em suas unidades.

Reis admitiu que há alguns anos a empresa esteve próxima de fazer uma fusão, algo que ainda cogita para o futuro, talvez “em 2027 ou 2028”.

“A gente adora essa tese de crescer com movimentos inorgânicos, é algo do setor de educação, não estamos reinventando a roda”, afirmou. “Quem está liderando esse bom negócio de educação, eles fizeram. Por que nós não vamos fazer? A gente vê isso no nosso horizonte próximo”.

Desde que foi criada, a Agroadvance já contou com 7 mil alunos nos cursos em geral e 4,5 mil naqueles customizados para cerca de 30 empresas, como Banco do Brasil e Stoller. Nas missões, estão participando cerca de 300 alunos.

O AgFeed perguntou à Fernando Reis se a Agroadvance tem potencial para se tornar “uma nova Gênica”. Ele respondeu: “Está tudo caminhando para isso. Numa época em que saíram poucos negócios, aqui nós colocamos quatro fundos de venture capital”.

Ele diz que a empresa até poderia seguir com captações porque há interessados, porém avalia que já está com uma estrutura de capital sólida e “mais de dois anos de caixa”, o que já representa uma importante vantagem competitiva.

Para Pedro Bernardes, outro diferencial, “é o conteúdo profundo e aplicado” e o uso de tecnologia. “Acho que não tem ninguém usando IA na produção de conteúdo com a profundidade que estamos utilizando, isso melhora muito a jornada do aluno e de aprendizado”.

Fernando Reis acrescenta que, na empresa, está mais possível “escalar profundidade com aplicabilidade”, na comparação com os concorrentes, em função da forte estrutura de capital.

Resumo

  • Agroadvance prevê elevar receita de R$ 13,8 milhões para R$ 32 milhões com a criação de unidade focada em missões internacionais, em parceria com a StartSe
  • Com investimentos da SLC e da Ânima, a empresa vai lançar graduação com estrutura presencial, visando suprir a escassez de profissionais qualificados no setor

Yara Rosso, Luiz Denardin e Gabriela Carletto, equipe responspável pelas missões