Ibiá (MG) - Os números impressionam. Na semana passada, a multinacional suíça Nestlé anunciou investimentos de R$ 7 bilhões no Brasil até 2028, ante R$ 6,3 bilhões no ciclo anterior.

Mas, vistos apenas como cifras, são frios e não revelam as histórias que são capazes de construir. Para conhecê-las, é preciso rodar pelos caminhos da produção agroindustrial brasileira.

Um deles passa pela temida rodovia BR-262. Quem sai dela, um pouco antes da placa de indicação do KM 673, no trecho entre Araxá (MG) e Ibiá (MG), deve rodar mais oito quilômetros de estrada vicinal de terra.

Ali, na Fazenda Campo Redondo, começa uma das rotas modelo da produção de leite no País, um produto obtido e processado com o que há de mais tecnológico e com boas práticas agropecuárias, aliadas ao bem-estar animal.

Em 57 hectares - 40 hectares da propriedade rural e outros 17 hectares arrendados -, a maior parte é reservada para a lavoura de milho. A produção é utilizada para o alimento das 200 cabeças de vacas holandesas, 100 delas em lactação e as restantes bezerras e novilhas.

O cuidado com a terra é tanto que apenas uma safra do cereal, a de verão, é cultivada. No restante do ano, o solo é preparado com uma cobertura, primeiro com milheto e, depois, com capim braquiária.

Ambos servem de “cama” para conservar e adubar o solo à espera da safra seguinte de milho que vai direto para os silos construídos como se fossem piscinas no solo. Uma parte é colhida verde junto com a planta e outra em grão e seguem para a silagem separadamente.

A silagem e o milho em grão são misturados com casca de soja, farelo, concentrado, caroço de algodão e alfafa e garantem o alimento básico durante todo o ano para as vacas e novilhas. As bezerras ainda se alimentam nos primeiros dias do colostro das mães, considerado a primeira vacina, mas logo também seguem para o alimento no cocho.

Elas seguem separadas em berços e o conforto inclui até bolas de plástico para que possam se divertir. À medida em que crescem, vão sendo separadas de acordo com o peso em piquetes e seguem isoladas até os 13 meses.

Quando entram no primeiro cio e estão prontas para serem inseminadas, são promovidas para o galpão gigante onde moram as vacas adultas. Na maior parte do dia, os animais permanecem deitados sob uma série de grandes ventiladores. Os aparelhos têm como função refrescar as vacas e secar a camada de esterco onde ficam.

As vacas, todas com colares de monitoramento, só saem de lá três vezes ao dia para serem ordenhadas. Antes de passarem pela moderna ordenhadeira eletrônica, recebem um banho com um minuto de duração e mais quatro minutos de ventilação para um novo refresco até secarem. Logo após a ordenha, voltam para o galpão.

Nem um animal se alimenta de pasto, somente do alimento preparado. As vacas em tratamento são separadas para ficarem por último na fila da ordenha e o leite é rejeitado.

Além de leite, as vacas do galpão produzem fertilizantes. O estrume retirado é separado em uma parte seca e outra líquida, que adubam as roças da propriedade, as mesmas que vão produzir no futuro o milho para alimentar os animais.

São 4 mil litros de leite por dia, uma produtividade média de até 40 litros por vaca, o dobro de qualquer propriedade comum. Mas dizem que o recorde local foi de 72 litros somando-se as três ordenhas. O alimento é armazenado em um tanque com capacidade de 6 mil litros.

Alexandre e Natália Ribeiro, pai e filha, controlam cada processo. Ele conta que tudo começou há 35 anos, quando a propriedade ainda pertencia aos seus pais e tinha apenas dez vacas criadas a pasto. Juntas, produziam 40 litros de leite por dia, volume que apenas uma vaca produz, em média hoje por lá.

“Primeiro, arrendei a fazenda dos meus pais e, depois, comprei a parte deles e dos meus irmãos. Com o processo de melhoria do conforto e da genética animal, chegamos a uma média diária de 20 litros por animal”, disse Alexandre. Mas era pouco.

Os investimentos prosseguiram e o empresário rural trouxe para dentro da propriedade os 35 anos de experiência em gestão obtida na Vale Fertilizantes. “Além da gestão, trouxe também a paixão pelo que eu faço e por tirar leite”, explicou Alexandre. E trouxe também a filha Natália para o comando da propriedade.

Agrônoma de formação, ela passou a dividir com o pai a gestão da propriedade durante a pandemia, logo após voltar de um período de trabalho nos Estados Unidos e no Canadá. Antes, Natália trabalhou na Nestlé, companhia que compra os 4 mil litros de leite que saem diariamente da Fazenda Campo Redondo.

A propriedade integra dois dos programas da multinacional de origem suíça para pecuaristas. Junto com outras 800 famílias, os Ribeiro participam do “Nature por Ninho”, programa de boas práticas de produção que já responde por 90% do leite captado pela companhia no País.

O programa divide os pecuaristas em quatro categorias - bronze, prata, ouro e diamante - e paga prêmios de, respectivamente R$ 0,04, R$ 0,07, R$ 0,15 e R$ 0,17 por litro captado e entregue.

A Campo Redondo se enquadra na categoria ouro e integra também, desde setembro de 2024, o seleto grupo de cinco propriedades do programa “Net Zero” da Nestlé. Em parceria com a Embrapa, o programa pretende zerar o carbono das propriedades e as selecionadas também são modelos, ou escolas para outras para fazendas leiteiras, como conta a gerente de Agricultura da Nestlé, Tamiris Salvador.

A dedicação dos Ribeiro é parecida com a de Júlio Geraldo. Para todos a quem se apresenta, ele faz questão de dizer que é natural de Guidoval (MG), minúsculo município da Zona da Mata Mineira. Segundo ele, “provavelmente vai ser a última vez que vai ouvir o nome da minha cidade”, brinca.

Júlio Geraldo conhece cada canto da unidade da Nestlé em Ibiá, distante pouco mais de 60 quilômetros da Campo Redondo e para onde vão os 4 mil litros de leite produzidos diariamente na propriedade. Ele trabalha na fábrica exclusiva de leite em pó há mais de 34 anos, seu primeiro e único emprego.

Diretor da fábrica, o executivo conquistou o direito de morar em uma das quatro residências que estão na área da Nestlé dentro da cidade mineira. Por dia, os 4 mil litros de leite dos Ribeiro são misturados a um volume de 1 milhão de litros processados em três linhas de produção na unidade sob orientação de Júlio Geraldo.

No total, são produzidos entre 120 mil e 130 mil quilos de leite Ninho em pó em sachês, para o consumo direto, além de big bags com a matéria-prima para outras unidades da companhia utilizarem na fabricação, desde produtos especiais até chocolates.

Fundada em 1964, a fábrica de Ibiá tem 182 funcionários e recebe 20 milhões de litros de leite por mês de 185 propriedades, todas certificadas. O processo é feito praticamente sem o contato humano.

Após a chegada em caminhões tanque, o leite é levado por tubulações para o teto da torre de secagem de sete andares. Lá, o líquido entra em contato com um vapor a 360 graus Celsius e vira pó, processo de secagem que segue pela torre na descida até o “pouso” antes da linha de embalagem, no térreo da unidade.

“O critério de higiene é tamanho que chamamos a torre de processamento de centro cirúrgico. Todo o ar é filtrado, os poucos funcionários autorizados a entrar lá tomam banho e fazemos avaliações recorrentes do nível de possíveis contaminantes nas salas de trocas de roupa”, exemplificou Júlio Geraldo.

Do úbere ao pó, os programas têm garantido à Nestlé o fornecimento cativo de leite - só com os Ribeiro da Campo Redondo são 23 anos ininterruptos -, um dos produtos mais sensíveis à oferta e preços, assim como café e cacau, com os quais a companhia tem de lidar todos os dias no Brasil.

Resumo

  • Em busca de mais qualidade e garantia de fornecimento, Nestlé tem intensificado em programas de incentivo a sustentabilidade junto a produtores de leite
  • Pecuaristas participantes de programas como Nature por Ninho e Net Zero recebem prêmios pela produção, que podem chegar a R$ 0,17 por litro captado
  • Somente a fábrica de leite em pó de Ibiá (MG) processa mais de 1 milhão de litros de leite por dia

Bezerro no berçário da fazenda

Alexandre Ribeiro, proprietário da Fazenda Campo Redondo

Fábrica de leite em pó da Nestlé em Ibiá (MG)

Julio Geraldo, diretor da fábrica

Tamiris Salvador, gerente de Agricultura da Nestlé