As metas de descarbonização das gigantes globais do agronegócio seguem motivando a união de esforços para que, ao longo da cadeia de alimentos, seja possível incentivar práticas mais sustentáveis.

Em entrevista exclusiva ao AgFeed, o gerente de Food Chain da Yara Brasil, Marcelo Gobitta, explicou como multinacional de fertilizantes pretende ajudar na recuperação de “centenas de milhares de hectares” de pastagens degradadas no País.

A área liderada por Gobitta tem como objetivo estabelecer parcerias com empresas de alimentos para entender quais são as “dores” de cada uma e desenvolver soluções conjuntas, com foco em sustentabilidade e ganhos de produtividade.

Um dos projetos mais recentes com esse modelo é uma parceria com a MyCarbon, subsidiária da Minerva Foods que tem foco na originação e comercialização de créditos de carbono.

Por enquanto, a iniciativa envolve 96 hectares de três fazendas dos estados de Goiás e Minas Gerais, mas deve ser estendida para as “centenas de milhares de hectares”, até 2035, segundo o executivo, que diz ainda estar definindo as metas do programa.

A Yara está oferecendo assistência técnica aos produtores rurais e disponibilizando inclusive os fertilizantes, de linhas consideradas de menor impacto nas emissões de gases de efeito estufa, para transformar as áreas degradadas.

O projeto faz parte do chamado “Programa Renove” da Minerva Foods, que dá apoio aos produtores na implantação de práticas de agropecuária regenerativas. Ao envolver a Yara, o objetivo é melhorar a produtividade das pastagens, com o uso da adubação e oferecer uma “recomendação nutricional personalizada”.

“A partir disso queremos também criar programas de treinamento para ensinar os pecuaristas a se tornarem agricultores, até porque sabemos que tem muito pecuarista que não se vê como um ‘agricultor de pasto’, ele deixa o animal no pasto e não faz um manejo correto da pastagem e do solo”, afirmou o gerente da Yara.

A multinacional também busca parceiras com o mercado financeiro para dar suporte ao investimento que o produtor rural precisa fazer.

“Sabemos que o investimento não é pequeno, principalmente quando o pasto está muito degradado e precisa de reforma, mas o retorno é muito rápido”, disse Gobitta.

Ele lembrou um estudo da FGV feito em 2022, que calculou em 89 milhões de hectares a área de pastagens com algum tipo de degradação no Brasil. Para recuperar tudo isso, a instituição estimou em R$ 384 bilhões o investimento necessário na época, já que o custo médio ultrapassava R$ 2 mil por hectare em algumas regiões.

“Mas quando a pastagem é bem cuidada, responde de uma maneira muito rápida. Na soja e no milho, você consegue ver o ganho de produtividade no final da colheita, mas na pastagem é uma questão de semanas para ver como ela está se recuperando”, ressaltou.

Na decisão da Yara de apostar neste segmento contou o potencial brasileiro. Gobitta afirma que há pelo menos 70 milhões de hectares de pastagens que podem ser trabalhados, com reforma, recuperação ou melhoria na eficiência. Ele diz que futuramente a empresa também poderá incentivar sistemas integrados, como o ILPF.

“A cooperação está no cerne da nossa atuação, tanto no engajamento dos produtores no campo, quanto estabelecendo parcerias estratégicas para seguir fomentando a sustentabilidade, eficiência e rentabilidade na cadeia pecuária. Estamos muito confiantes na união das expertises de ambos os times, para seguir colhendo ótimos resultados”, afirmou Marta Giannichi, diretora da MyCarbon, em comunicado divulgado pela Yara.

Pegada de carbono

O executivo da Yara disse que a empresa não pretende, diretamente, gerar créditos de carbono a partir deste projeto.

“Pode ser que, futuramente, haja o impacto positivo no escopo 3, porque é algo depois da produção, mas nem está dentro do projeto fazer esse tipo de mensuração”, afirmou.

De qualquer forma, o programa da My Carbon, com os fornecedores da Minerva, já possui este objetivo de gerar créditos para trazer a remuneração aos pecuaristas, “mas a Yara nem entra nisso”, disse ele.

Gobitta destacou que um dos objetivos da empresa é abrir o mercado de pastagens, hoje ainda pequeno, já que “poucos pecuaristas de fato investem em fertilização”, por isso o foco no processo educativo.

“Como remunerar esse produtor é uma discussão que nós temos também. Algumas empresas oferecem prêmio, nesse caso específico o retorno será o credito de carbono, além do aumento de produtividade que já gera renda, mas é algo de longo prazo, em 5 a 10 anos. Por isso, tratar do investimento inicial ainda é um ponto importante”, explicou.

Pastagem em Janaúba-MG, à esquerda padrão produtor e à direita área recuperada pelo projeto da Yara

À medida que o projeto avance, serão feitas mensurações para ver o impacto que o melhor manejo vai trazer nas emissões da pecuária. Porém, segundo o executivo, é algo bem mais complexo do que observar as culturas anuais. Em uma das fazendas monitoradas está sendo calculado o ganho de peso diário dos animais, por exemplo.

O processo inclui análises de solo periódicas, além de coleta de amostras da pastagem, que são avaliadas em laboratório.

“Se um produtor que não usa nenhum adubo no pasto colocar o nitrogenado, isso pode até aumentar as emissões. Por isso é necessário observar ao longo do tempo, considerando os ganhos na produção de matéria seca, melhor microbiota do solo, e ver o que representa no sequestro de carbono”, acrescentou.

Com as boas práticas, ele diz que foi registrado um aumento de produtividade de 25% na forragem para pastagens anuais de inverno e de 63% para as tropicais perenes.

“Outro ganho destacado pelo executivo é na lotação de animais por hectare. “A média do gado brasileiro é 1 animal por hectare, mas quando se tem o pasto bem mantido, pode chegar a 3 animais por hectare e, na pastagem de alta produtividade, pode ser pelo menos 6, portanto é multiplicar por 6 o seu rendimento”.

Silagem e outros produtos

Além do projeto com a MyCarbon, a área de Food Chain da Yara também está desenvolvendo ações semelhantes, em outras cadeias produtivas.

Marcelo Gobitta citou uma iniciativa feita na produção de silagem, para a cadeia do leite. “Conseguimos reduzir em 16% a pegada de carbono e aumentar em 10% a produtividade da silagem”, contou.

No Sul do País, uma parceria está incentivando boas práticas o monitorando resultados na produção de cevada. Outra iniciativa está conseguindo reduzir as emissões na produção de café, por meio de uma parceria com uma torrefadora internacional.

“Também temos parcerias iniciais na cadeia do cacau e da batata, por exemplo, o importante é que o pessoal está entendendo que precisa ter essa sustentabilidade, não apenas ambiental, mas econômica para o produtor, ninguém consegue produzir nada sem ele”, disse.