Uma das maiores varejistas de moda do País, a rede Lojas Renner é uma das vitrines da produção brasileira de algodão. Para uma enorme quantidade das fibras colhidas no Brasil, a cadeia de transformação da fibra termina nas roupas vendidas pela empresa.
A aquisição do algodão não passa diretamente pelas suas mãos, mas a Renner tenta acompanhar de perto todo o roteiro da matéria-prima – a companhia não abre números sobre essa relação indireta com o setor cotonicultor.
Nada na Renner, um colosso com receita de R$ 13,2 bilhões em 2022, é modesto, no entanto. Assim como não são modestos os números da produção de algodão no Brasil – que devem, segundo a Associação Brasileira de Produtores de Algodão (Abrapa), ficar em 3,2 milhões de toneladas em 2023.
A empresa olha com especial carinho, no entanto, para um pequeno talhão de 0,4 hectare dentro de uma fazenda no município de Santo Antônio do Leverger, próxima a Cuiabá, no Mato Grosso.
Ali, a companhia tenta imprimir um tom mais “verde” ao seu negócio, financiando um projeto de fomento e produção de algodão em sistema agroflorestal no Cerrado.
O projeto foi iniciado este ano e é rodado em uma parceria com a startup FarFarm e a Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT). Em uma fazenda experimental na universidade, serão realizadas pesquisas e capacitações com cerca de 200 pessoas, incluindo 80 agricultores.
Se o projeto é recente, a parceria com a startup já existe desde 2018. Nesse período já foi colhida uma tonelada de algodão, também em sistemas agroflorestais, em projetos semelhantes em Minas Gerais e Mato Grosso.
Nessa nova safra, a universidade entrou em campo para mensurar, com dados, os impactos positivos desse tipo de cultivo. A área experimental fica dentro de um campus da UFMT, onde o algodão agroflorestal foi plantado em associação com outras culturas como pequi, mamão, banana, caju, cumbaru, goiaba, ingá, eucalipto, urucum e pinho-cuiabano.
Até agora foi feita apenas uma colheita piloto e, segundo a empresa, o volume passará a ser contabilizado a partir do ano que vem, quando a iniciativa deve começar a ganhar escala.
A ideia é que o algodão agroflorestal seja parte das matérias-primas das companhias responsáveis pela confecção de seus produtos. E eles devem vir acompanhados de dados sobre cada etapa dessa produção.
Caberá à UFMT gerar os dados da produção de algodão de agrofloresta. Serão feitas as análises de qualidade da fibra colhida, para complementar a avaliação dos resultados econômicos, e efeitos químicos e biológicos obtidos ao longo do ano.
Os indicadores que são levados em conta para considerar esse algodão mais sustentável estão relacionados com o aumento da biodiversidade das áreas cultivadas e do sequestro de carbono no solo graças ao manejo da cultura.
“Tecnicamente ainda não sabemos o quanto esse sistema captura a mais que o tradicional, e estamos buscando isso com o projeto”, afirma Eduardo Ferlauto, gerente geral de Sustentabilidade da empresa.
Segundo ele, o cultivo é feito sem uso de produtos químicos, somente com biológicos. “Isso permite a recuperação de espécies de insetos, fungos, minhocas e outros organismos benéficos à agricultura e regeneração do solo”.
O rendimento do plantio agroflorestal por hectare também será levado em consideração, bem como o número de pessoas atingidas com o projeto, dados fundamentais para avaliar formas de ampliá-lo.
Além da colheita piloto, a Renner se comprometeu a criar uma rede de conexão entre esses produtores rurais com a sua rede de fornecimento, para que este algodão seja utilizado na confecção de seus produtos.
Novo ciclo de sustentabilidade
Além da produção agroflorestal, a empresa possui também projetos de algodão agroecológico na Paraíba. Segundo Ferlauto, é esse novo programa no Mato Grosso que marca o início do segundo ciclo de sustentabilidade da empresa.
O primeiro ciclo começou em 2018 e tinha como uma das metas ter matérias-primas 80% “menos impactantes” até 2022. O objetivo, de acordo com o executivo, foi cumprido.
A nova meta, agora, é fazer com 100% das peças de vestuário das suas marcas sejam produzidas com matérias-primas mais sustentáveis até 2030.
O período de 2018 até 2022 serviu, segundo o executivo, para a Renner “se aproximar da cadeia do agro”.
“Decidimos entender melhor sobre a matéria-prima algodão e as diferentes formas de manejos. A FarFarm tinha o conhecimento e a geolocalização dos fornecedores e da cadeia”, afirma o diretor.
Ainda em 2018, além da startup, a empresa se aproximou da Abrapa, parceira da global Better Cotton Initiative (BCI), principal certificadora de práticas sustentáveis na produção das fibras.
Nesse segundo ciclo, outra das metas é ter todo o algodão utilizado nas peças vendidas na rede certificado segundo as normas da entidade.
Carbono zero até 2030
O tema que permeia todas as iniciativas da empresa é a mensuração de carbono, e a ideia é conseguir mensurar toda a cadeia até 2030.
Para os próximos anos, Ferlauto afirma que a Lojas Renner deve dar tração a um estudo completo da pegada de carbono de sua cadeia. “Queremos fazer com que a moda no brasil seja mais responsável e queremos provocar a cadeia como um todo. Para isso, nós como maior varejista temos que ser o agente transformador”, diz.
“Queremos descobrir o quanto podemos capturar de carbono. Sabemos que um projeto de agrofloresta, por exemplo, é qualitativamente de menor pegada, e o cultivo do algodão que 'compramos' é feito em sistema sequeiro, com água a partir de fontes renováveis, o que também emite menos carbono”, diz.
A empresa tem investido também em iniciativas relacionadas à rastreabilidade. Ferlauto comenta que duas coleções já foram lançadas entre 2022 e 2023, uma na própria Renner e outra na YouCom, uma das marcas da empresa, com rastreabilidade completa feita via blockchain.
A agrofloresta ainda não tem blockchain, mas segundo o gerente, o esforço está em “buscar escala naquilo que já existe solução tecnológica”. “O desafio é implementar”, diz.
Neste ano, a empresa também lançou uma coleção sustentável que engloba 35 mil peças. As roupas são vendidas em lotes limitados, para promover as ações de sustentabilidade.