Cali (Colômbia) – A busca por financiamento para preservar e recuperar a biodiversidade do planeta é tema central da COP16, na Colômbia.
Na segunda semana da convenção da ONU, a expectativa a respeito da captação de dinheiro aumenta, à medida que chefes de Estado e ministros do meio ambiente se reúnem para decidir quais serão os mecanismos para remunerar comunidades rurais e povos tradicionais pela preservação de ecossistemas.
Pelos corredores do evento, há quem acredite que as negociações estão demorando, afinal, o tema começou a ser discutido em 2022.
O Fundo do Marco Global da Biodiversidade, por exemplo, deveria arrecadar pelo menos US$ 20 bilhões por ano até 2025, mas o que se tem até o momento são US$ 250 milhões e não está claro como e por quem o valor será usado.
Para quem olha o copo meio cheio, é normal que o acordo entre países desenvolvidos e aqueles em desenvolvimento seja um processo moroso, mas os avanços existem.
Esta é a postura do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que publicou um guia de como os países podem construir mecanismos financeiros nacionais para apoiar a proteção da biodiversidade, independente de um fundo global.
Ao considerar as diferentes realidades no mundo, o PNUD mapeou distintas oportunidades de financiamento. Para países como o Brasil, cuja atividade agropecuária é relevante, uma possibilidade está em rastrear e fomentar políticas públicas voltadas a insumos menos agressivos ao meio ambiente.
“Se for concluído que certo tipo de fertilizante contribui de melhor maneira para a biodiversidade, podemos ajudar a analisar o financiamento disso. Pode ser para trazer créditos, ou pode ser para subsídios a este mercado”, afirma Onno Van Dan Heuvel, chefe de financiamento da biodiversidade do PNUD, ao AgFeed.
Entre as possibilidades de financiamento discute-se o crédito de biodiversidade, consolidado como mecanismo após assinatura do Marco Global da Biodiversidade, em 2022.
O conceito parte do princípio de remunerar pessoas e comunidades cujas atividades recuperem e, sobretudo, preservem fauna, flora e recursos naturais de forma comprovada.
De acordo com um relatório de 2023 do Fórum Econômico Mundial, a demanda por créditos de biodiversidade pode ser de US$ 180 bilhões anualmente até 2050.
O relatório aponta que, se as grandes empresas entrassem no mercado, a demanda anual por créditos de biodiversidade poderia chegar a US$ 7 bilhões por ano até 2030.
Aprender com o carbono
Para desenvolver este mercado, Marcelo Furtado, diretor da NatureFinance e Head de Sustentabilidade do Itausa, diz que é preciso aprender com erros cometidos no crédito de carbono, o qual foi desenvolvido sem métricas e padronização claras.
“Também precisamos entender as diferenças entre estes créditos, pois o crédito de biodiversidade é territorialidade, uma característica específica para cada lugar”, diz.
Furtado se refere a uma discussão que circula entre as plenárias sobre a possibilidade de os créditos de biodiversidade serem usados para compensar perdas em regiões diferentes de onde ocorreu o prejuízo ambiental.
Por exemplo, uma indústria que desmata no Cerrado brasileiro querer compensar a biodiversidade na Amazônia. Na prática, o argumento não se sustenta, porque o impacto à vida é local.
Marina Negrisoli, diretora de sustentabilidade da Suzano, concorda que a economia precisa estar baseada em soluções para natureza. Só que para isso sair do papel, é preciso que o crédito de biodiversidade seja elaborado com ciência, métricas e padronização, para, então, ser visto com credibilidade.
“O crédito de biodiversidade está vindo mais rápido em relação ao mercado de carbono. Acho que falta criar uma robustez institucional. A riqueza da biodiversidade está na América do Sul, então o momento é de pensar como vamos aproveitar essa oportunidade para falar que essa é uma agenda nossa”, diz.
A iniciativa no Paraná
Um dos pontos de atenção é evitar que os países recebam financiamento internacional, mas a comunidade local não seja contemplada.
Para isso, é preciso criar um mecanismo de acesso e repartição de benefícios. Produtores rurais podem ser contemplados nesta lógica, a exemplo do que o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) está fazendo em conjunto com o governo do Paraná.
Leonardo Busatto, diretor de Planejamento do BRDE, diz que a região Sul está criando polos de monocultura que prejudicam a biodiversidade do bioma Pampa, no Rio Grande do Sul, e de Mata Atlântica, no Paraná. Para evitar a expansão ainda maior de grãos e pasto, a proposta é que o hectare preservado tenha valor superior à produção agropecuária.
“A ideia de fazer uma compra de créditos de biodiversidade é manter a área preservada, porque se ele entender que a área vai valer mais que um hectare de produção, a gente consegue desenvolver esse mercado”, explica após apresentar o case em um dos eventos paralelos da COP 16.
O BRDE, por meio de um Termo de Cooperação em processo de formalização com a secretaria estadual do Desenvolvimento Sustentável (Sedest), vai destinar R$ 2 milhões para a compra de créditos de biodiversidade decorrentes das Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) selecionadas nos editais de chamamento público.
A secretaria está desenvolvendo os critérios de seleção das RPPNs com foco no Oeste do estado, pois é a região paranaense que recebe maior volume de financiamentos para o agronegócio.
“A gente vai fazer um edital para selecionar RPPNs do Paraná e as áreas com maior impacto à biodiversidade vão receber a certificação para emissão dos créditos. A gente vai garantir um montante de créditos em dois anos. O restante poderá ser vendido no mercado”, explica o BRDE.
Neste momento, o recurso do banco é a fundo perdido e não se sabe com clareza o que será feito com o crédito. Ainda assim, a lógica é o pagamento por serviço ambiental.
Participar da COP16, portanto, é estratégico para formatar melhor o projeto, valores a serem pagos e formas de comprovar que o crédito realmente está contribuindo para a preservação do Pampa.
*Esta matéria foi produzida com apoio da bolsa de reportagem COP16-CBD 2024, organizada pela Earth Journalism Network, da Internews.