Enquanto o mercado de carbono brasileiro não ganha um regulamento oficial e uma tração equivalente à europeia, algumas empresas começam a se destacar no mercado voluntário. Uma delas é a Carbonext, startup que desenvolve projetos na Amazônia Legal e vende os créditos gerados pela proteção de áreas que seriam devastadas para empresas ou pessoas físicas.
Atualmente, a empresa toca 25 projetos na região, que somam 2,5 milhões de hectares sob sua proteção.
Em entrevista ao AgFeed, o co-CEO da Carbonext, Luciano Fonseca, afirmou que a empresa já começa a dar alguns passos para ir além do REDD+, sigla em inglês para redução de emissões causadas por desmatamento e degradação de florestas.
Dentre alguns projetos pilotos tocados pela empresa no momento, estão alguns com produtores rurais para gerar o crédito de carbono de solo conhecido como ALM (Agricultural Land Management, na sigla em inglês).
A ideia é mudar algumas técnicas agrícolas utilizadas no manejo de culturas para reduzir as emissões que aconteceriam com práticas menos responsáveis. Nas palavras de Fonseca, a ideia é “revirar menos o solo”, seja via plantio direto ou direcionado. “Esse tipo de projeto ainda é incipiente, mas tem ganhado força e acreditamos que isso deve crescer nos próximos anos”.
Fonseca acredita que o Brasil emita cerca de 1,5 bilhão de toneladas de CO2 equivalentes na atmosfera todos os anos.
Nos cálculos da Carbonext, metade das emissões brasileiras de gases poluentes são decorrentes do desmatamento, área que a empresa já atua com mais força há anos. Outros 25% dessa equação estão relacionadas à agricultura e más práticas.
“Assim, 75% de todas as emissões são originadas em mudanças de uso do solo. Já atuamos na área que faz parte dos 50%. Os outros 25%, da agricultura, também precisam de descarbonização”, afirmou o CEO.
A ideia com isso é, no fim das contas, dar mais liquidez ao produtor, que passará a ter uma nova fonte de renda para além do cultivo: a venda dos créditos de carbono originados desse cultivo mais sustentável. “É praticamente uma terceira safra, que virá de créditos de carbono”, afirmou.
Enquanto só a Carbonext cuida de 25 projetos ligados à preservação de florestas, Fonseca estima que em todo Brasil existam apenas outros cinco ligados ao agro em todo o País, o que traz uma grande oportunidade de mercado.
Para além da mudança no cultivo, os produtores ainda podem ganhar créditos com a preservação de reservas legais em suas propriedades, bem como recompor áreas degradadas tanto em floresta quanto convertendo-as em novas áreas de cultivo.
“Empresas como a nossa estão se preparando para receber esses projetos”, acrescentou Hugo dos Santos, COO da Carbonext, que vê o agro à beira de entrar com “força no mercado de crédito de carbono”.
Luciano Fonseca não citou nomes, mas afirmou que grandes players do agro estão com iniciativas nesse sentido, incluindo “empresas listadas em Bolsa”.
Da consultoria aos aportes milionários
A Carbonext foi fundada em 2010 por Janaína Dallan, co-CEO da empresa e irmã de Luciano Fonseca. Engenheira florestal formada na Esalq/USP, ela estuda o tema das mudanças climáticas desde a época da criação do Protocolo de Kyoto, acordo internacional firmado em 1997 que instaurou metas para controlar a emissão de gases do efeito estufa entre os países.
Nos anos 2000, Janaína atuou em diversas empresas estrangeiras pioneiras no setor e, com o enfraquecimento do mercado financeiro como um todo após a crise de 2008, notou oportunidades para créditos de carbono vindos de florestas. Na Europa, é mais comum que esse tipo de iniciativa se insira na agenda de grandes empresas da indústria, focos da emissão.
Em 2010 ela estruturou a Carbonext, que, nos dez anos seguintes, operou como uma espécie de consultoria para projetos de carbono. O portfólio da época, entre altos e baixos do mercado de carbono, era mais singelo e a empresa acumulou apenas três iniciativas no período.
Com a pandemia de Covid-19, em 2020, a família de Luciano e Janaína decidiu passar o início do período de isolamento social proposto na época em uma casa no interior do estado de São Paulo.
Fonseca, por sua vez, é economista e trilhou toda sua carreira no mercado financeiro, com passagens pela McKinsey, alguns fundos e no Pátria Investimentos, onde atuou por 12 anos.
“Senti que estava concluindo um ciclo nessa área e, nesse momento que vivemos ‘quarentenados’, comecei a acompanhar mais o mercado de carbono. Juntos, montamos uma versão 2.0 da Carbonext, transformando a consultoria em uma empresa. Fomos ao mercado e fizemos captações”, afirmou.
A empresa passou por uma Série A em 2021, quando levantou R$ 30 milhões com mais de 20 investidores, incluindo fundos de venture capital como o Canary e a Alexia Ventures. Em 2022, recebeu R$ 200 milhões da Shell, que se tornou uma acionista minoritária do negócio.
Segundo Fonseca, a empresa não está 100% fechada para conversas envolvendo novos financiamentos, mas também não está em captação ativa. “Nosso momento atual é de expandir o plano de negócio”.
Esses aportes foram os grandes responsáveis por fazer o salto de projetos da empresa. Atualmente, há 25 em andamento. Desses, cinco já trazem créditos de carbono anuais para o negócio.
A “Carbonext 2.0” se transformou em uma espécie de linha de produção para fechar contratos e parcerias para proteger novas áreas, explicou Fonseca. A empresa desenvolveu uma força interna de vendas e passou a estruturar os projetos de forma muito mais ativa, dando as condições para colocá-los em prática.
No modelo de negócio, a Carbonext fica, atualmente, com 30% dos créditos gerados nos projetos. Antes, ficava com cerca de 15%.
“Hoje assumimos mais responsabilidades no desenho e no monitoramento das atividades da área. Escrevemos relatórios periódicos, implementamos o projeto, acompanhamos e fornecemos todas as ferramentas. Nossa participação maior se justifica pela robustez desses projetos”, afirmou Luciano Fonseca.
Se do lado da geração dos créditos o foco são donos de terra, do lado dos compradores estão grandes empresas como TIM, C6 Bank, Uber, Raízen, Unidas, Banco Fibra, Liberty Seguros e Buser.
Como funcionam os projetos?
A empresa focou até agora seus esforços na criação de créditos a partir da conservação de florestas justamente pelo cálculo de que metade das emissões anuais do País acontecem por conta do desmatamento.
Na prática, a Carbonext fornece uma forma de o produtor ser remunerado pelo custo de oportunidade para não aumentar suas áreas produtivas, explicou Fonseca.
Pela lei brasileira, propriedades na região da Amazônia legal precisam manter 80% de sua área preservada. Os outros 20% ficam a critério do dono da terra. A Carbonext busca criar condições para que os produtores possam ser remunerados mesmo sem aumentar sua produção agropecuária.
“Se 20% dessa terra equivale a mil toneladas de carbono que deixarão de ser jogadas na atmosfera, nós pagamos isso em créditos de carbono”, afirmou.
Maior desafio é desenvolver oportunidades também para os outros 80%, que estão sujeitos a desmatamento ilegal e incêndios, por exemplo – e todo o custo para preservá-los fica a cargo do proprietário da terra.
Nessa frente, a Carbonext atua com imagens de satélites e dados históricos da região para prever o quanto aquela área pode sofrer com esse tipo de devastação não planejada.
A grande questão é que a maior dos projetos voltados para créditos de carbono valora apenas a chamada adicionalidade – ou seja, o que vai além da exigência legal – e não remunera o empenho do produtor em manter as reservas legais.
A Carbonext busca justamente incluir esse esforço nos seus projetos, fazendo com que o dono da terra também ganhe o crédito de carbono em cima dessas áreas.
A quantidade de carbono em cada região varia de acordo com o risco de desmatamento local. A equação que junta esse risco com a quantidade de carbono por hectare do local dá origem ao crédito.
O foco em atuar na Amazônia se dá justamente por essas variáveis serem mais elevadas na região, explicou o CEO.
“Dessa forma, uma vez que um proprietário de terra decide fazer um projeto de carbono em sua propriedade, ele precisa de um desenvolvedor. Todo custo de desenvolvimento do projeto é nosso e, por isso, ficamos com 30% dos créditos gerados”, detalhou Fonseca.
A empresa tem atuado com áreas acima de 30 mil hectares, tudo a depender da pressão local e risco de desmatamento. Hugo dos Santos, COO da empresa, pontua que pode haver, por exemplo, uma área de 100 mil hectares que não é viável economicamente por ter um risco baixo de desmatamento.
“Áreas menores que 30 mil hectares também acabam se tornando inviáveis. A partir de janeiro, ficou definido que projetos de carbono precisam durar, no mínimo, 40 anos. Como eles precisam de manutenção corriqueira, esse é um fator que temos que levar em consideração”, afirmou o COO.
Para garantir a integridade e a qualidade dos créditos de carbono gerados nos projetos, a empresa trabalha com um Plano de Integridade Florestal, que dentre as ações, atua com um software chamado Carboneye.
Desenvolvido pela própria empresa, o programa usa imagens de alta definição geradas por nove satélites globais para um monitoramento quase que em tempo real.
Diariamente, o software sobrepõe imagens das áreas monitoradas de um dia para o outro e, se há alguma alteração de cor em um pixel, por exemplo, aciona um protocolo que envia um alerta para todos os envolvidos no projeto para uma verificação do que realmente houve no local.
“O software detecta via algoritmo alguma mudança nas imagens, e conseguimos comprovar se é um desmatamento que precisa ou não de intervenção”, explica Hugo dos Santos.