Rio Verde (GO) - Com metas de redução nas emissões de carbono e desafios cada vez maiores para rastrear e comprovar a origem dos alimentos, grandes empresas do agro estão criando uma série de projetos de agricultura regenerativa no Brasil.

Nesta semana, um inédito consórcio foi criado em torno do tema, envolvendo gigantes nacionaiss e multinacionais. Em um evento num hotel de Rio Verde (GO), foi lançado o Reg.IA, iniciativa criada por Produzindo Certo, Agrivalle, Bayer, BRF e Gapes (Grupo Associado de Pesquisa do Sudoeste Goiano).

O objetivo da aliança é misturar as expertises de cada empresa para trazer mais valor ao agricultor que adote práticas de um agro regenerativo.

O programa será iniciado com cerca de 30 fazendas distribuídas pelo Cerrado, nos estados do Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais, e a expectativa é englobar 50 mil hectares e 200 mil toneladas de soja regenerativa verificados.

Charton Locks, COO da Produzindo Certo e um dos idealizadores do projeto, explica que o protocolo do Reg.IA tem a intenção de promover a saúde do solo, aumentar a produtividade e impulsionar a biodiversidade nas fazendas, mas com medidas tomadas de forma gradativa.

No primeiro ano de vida, os produtores do consórcio seguirão um protocolo que envolve a adoção de duas práticas regenerativas, sendo uma mandatória e outra passível de escolha entre algumas opções. A cultura adotada neste momento será a da soja.

A condição sine qua non diz respeito a adoção de uma cultura de cobertura, que serve para proteger o solo entre cultivos. A segunda prática pode ser a adubação orgânica (com no mínimo 20% do volume de fertilizantes vindo dessa fonte), pelo menos uma aplicação de biológicos na lavoura, a redução do uso de pesticidas químicos (num patamar 20% menor que a média nacional) e a rotação de culturas.

A ideia é que na safra que vem, a prática mandatória seja acompanhada de duas opcionais. “O protocolo vai evoluir, a depender do nosso comitê técnico, e a ideia é ter novas práticas opcionais para o produtor escolher”, afirmou o COO.

Para chegar nesse protocolo, Aline Locks, CEO da Produzindo Certo, disse que a empresa estudou e identificou em quatro outros protocolos de agricultura regenerativa que estão no mercado, incluindo alguns feitos pela própria agtech, os pontos em comum.

Além de filtrar o que é ajustável às condições do agro brasileiro, a ideia era um protocolo simples, com poucas orientações. “Uma lista com mil itens desinteressa os produtores, além de ter uma implementação custosa”.

Cada membro do Reg.IA terá uma função específica no consórcio. A Produzindo Certo, agtech especializada na criação de cadeias sustentáveis e idealizadora do consórcio, será a responsável por implementar as ações junto aos produtores, integrando-os às empresas e entidades de pesquisa.

Por meio de sua plataforma, vai digitalizar os indicadores de sustentabilidade das lavouras. No dia a dia, os engenheiros agrônomos da Produzindo Certo vão a campo para dialogar com os produtores e identificar o que pode ser feito em cada propriedade.

A BRF, por sua vez, terá um papel fundamental no consórcio e vai ajudar a transformar a ideia em renda adicional aos produtores. A companhia se comprometeu a pagar um prêmio de no mínimo 2% nas sacas de soja fornecidas pelas propriedades participantes do Reg.IA vendidas para a companhia.

Já a Bayer vai fornecer suas ferramentas de agricultura digital, para que os produtores mensurem os ganhos reais com o protocolo. Renata Ferreira, Gerente de Novos Negócios do programa PRO Carbono da Bayer, relembra que a empresa já desenvolveu, em conjunto com a Embrapa, uma calculadora de carbono, que atualmente atua nas culturas de soja e milho.

“Desenvolvemos soluções e tecnologias para quantificar impacto des práticas regenerativas, mas não fizemos isso sozinhos. o PRO Carbono é resultado de um ecossistema de parceiros”, disse.

Somado a isso, a empresa lançou durante a Agrishow deste ano uma espécie de guia de descarbonização para os produtores. A meta da multinacional é colocar as práticas em 1 milhão de hectares já nesta safra.

A Agrivalle entra na equação fornecendo insumos biológicos para os produtores, enquanto que o Gapes (Grupo Associado de Pesquisa do Sudoeste Goiano), vai, além de testar o protocolo na prática, pensar em novas medidas que possam somar ao programa.

“Esperamos que novas empresas se juntem ao consórcio para tornar a discussão da agricultura regenerativa ainda mais ampla”, afirmou Aline Locks, CEO da Produzindo Certo.

Tiago Fischer (Stracta Consultoria), Max Fernandes (Agrivalle), Aline Locks (Produzindo Certo), Wendy Peeters (Gapes), Renata Ferreira (Bayer), Julia Stefanello (BRF) e Charton Locks (Produzindo Certo).], no lançamento do Reg.IA

A ideia é também atuar no futuro com alguns produtores na Argentina, onde já existem conversas em andamento por parte do consórcio.

Charton Locks acredita que o consórcio pode ajudar a testar o quanto o mercado valoriza a soja regenerativa. “O mercado de sustentabilidade está limitado em demanda e não em oferta. De um ano para o outro, os produtores podem fazer milhões de toneladas de soja regenerativa. Só precisamos saber se o mercado está interessado nisso. Se houver sinalização positiva, o céu é o limite”, disse.

Aline Locks pontua que o consórcio deve trazer novos parceiros que compram soja de produtores e que estejam dispostos a entrar na condição dos 2% mínimos assinados pela BRF.

No desenrolar da safra, o prêmio será pago em um momento separado, num tipo de “cheque de premiação”, e não no momento de compra da saca de soja.

“Optamos por essa modalidade para o produtor ter a percepção do dinheiro extra, para que ele não se sinta enganado por uma porcentagem colocada no meio da compra”, afirmou a CEO da Produzindo Certo.

Essas novas empresas que devem entrar no consórcio no futuro não devem ser tradings, afirmou Charton Locks, e sim companhias de bens e consumo. Segundo ele, players da indústria alimentícia, por exemplo, possuem mais condições de pagar o prêmio, já que estarão comprando um produto rastreável e agregando valor ao produto final.

No consórcio, o produtor não será obrigado, por exemplo, a comprar sementes da Bayer ou um fertilizante da Agrivalle, nem vender para a BRF.

O nome Reg.IA representa a junção das palavras “regenerativa”, “inclusiva” e “agricultura”. O nome também faz uma referência à inteligência artificial, na intenção de mostrar que a tecnologia é um dos pilares do programa.