Em suas edições passadas, as COPs, as Conferências das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, costumavam se arrastar em discussões em busca de avanços, que, quando ocorriam, apareciam apenas nos últimos dias.
Na COP29, realizada ao longo desta semana em Baku, capital do Azerbaijão, há um sentido de pressa que trouxe, logo de início, novidades para um assunto em discussão há anos: a criação de um mercado de carbono global.
O mecanismo está previsto há quase uma década, desde a criação do Artigo 6 do Acordo de Paris, em 2015, e somente agora começa, efetivamente a ganhar forma – talvez pelo receio que mais demora empurre o assunto definitivamente para o limbo, após a posse de Donald Trump para seu segundo mandato como presidente dos Estados Unidos.
Trump é declaradamente a favor da retirada dos EUA do Acordo de Paris e o temor é de que, de volta à Casa Branca, trave, com o poder econômico e estratégico do seu país, qualquer negociação futura sobre o tema.
Assim, o que surge em Baku é um modelo que viabilize a instituição definitiva de mercado de carbono internacional criado e administrado pela Organização das Nações Unidas (ONU).
A ideia é que países e empresas possam comprar e vender créditos de carbono no sistema da instituição, permitindo, na prática, que companhias globais muito intensivas em emissões de CO2 possam mitigar sua pegada de carbono comprando créditos com origem em projetos de outros países.
A mesma situação poderia acontecer entre países, que poderiam fazer uma espécie de "troca": aqueles com atividades muito emissoras de carbono teriam a opção fazer negócios com nações que possuem projetos de redução de CO2.
Se as nações estiverem de acordo com as regras, o mercado poderá começar a operar já em 2025, segundo informações da agência Reuters.
A expectativa é que o mecanismo possa diminuir o custo de implementação dos planos climáticos dos países em cerca de US$ 250 bilhões por ano, de acordo com o governo brasileiro.
A ferramenta deve destravar um mercado com potencial de atingir US$ 260 bilhões até 2050, conforme estimativas do banco de investimentos Morgan Stanley.
Hoje, já é possível comprar créditos de carbono, mas de forma voluntária. Grandes empresas têm feito aquisições de créditos por conta própria para compensar suas emissões.
No agronegócio, as iniciativas de geração de crédito de carbono ainda engatinham ao redor do mundo. Uma pesquisa recente feita pela consultoria McKinsey em nível global apontou que a porcentagem de agricultores que disseram estar participando atualmente de programas de carbono é baixa, de apenas 12%.
O país onde há maior adesão é o Canadá, com 12%, seguido por Estados Unidos (11%) e pela Europa (9%). Se a participação já é baixa em mercados desenvolvidos, o quadro é ainda mais incipiente nos emergentes: na Índia, por exemplo, apenas 1% dos produtores participavam de programas do tipo.
E os Estados Unidos?
Desde a eleição de Trump, a continuidade dos Estados Unidos no Acordo de Paris se tornou um ponto de interrogação.
De cara, em seu discurso inaugural na segunda-feira, o presidente da COP e ministro da Ecologia do Azerbaijão, Mukhtar Babayev, já colocou na mesa as dúvidas sobre o Acordo de Paris – e sobre o futuro da própria Terra.
“Estamos a caminho da ruína. E não se trata de problemas futuros. A mudança climática já está aqui. Precisamos muito mais de todos vocês. A COP29 é um momento da verdade para o Acordo de Paris”, declarou.
Lançado em 2015, o tratado climático, assinado por Estados Unidos, China, Brasil e outras, previa que os países desenvolvessem estratégias para que a elevação da temperatura global fique “bem abaixo” de 1,5º C ao longo deste século.
Na prática, porém, os esforços estão se mostrando aquém do necessário para conter o avanço do aquecimento do planeta. Há um ano, dias antes da COP28, de Dubai, começar, um relatório lançado pela Organização das Nações Unidas (ONU) informava que a probabilidade de limitar o aquecimento a 1,5°C era de apenas 14%.
Agora, um relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM), agência ligada à ONU, informa que 2024 poderá ser o ano mais quente da história, quebrando de vez as promessas do tratado climático.
Entre janeiro e setembro deste ano, segundo a OMM, a temperatura média do planeta bateu 1,54ºC acima da média mundial – ultrapassando, portanto, o nível indicado pelo Acordo de Paris.
Por mais que o aumento seja temporário, de acordo com a organização, pequenos aumentos de temperatura podem gerar extremos climáticos intensos.
E o fator Trump só coloca mais gasolina na discussão. O novo presidente americano sempre menosprezou a agenda do clima e nada indica que vai mudar de posição em seu retorno à Casa Branca.
Por ora, a ação climática dos Estados Unidos continuará, adiantou John Podesta, enviado especial do presidente Joe Biden na COP29.
"Quero dizer a vocês que, embora o governo federal nos Estados Unidos, sob Donald Trump, possa colocar a ação climática em segundo plano, o trabalho continuará, com paixão e compromisso", afirmou ele a jornalistas em entrevista coletiva, segundo informações da agência de notícias AFP.
Mas a chegada de Trump também não pode ser menosprezada, ponderou ele. "Os EUA são uma democracia que elegeu um presidente cuja relação com as mudanças climáticas está marcada pelo uso das palavras 'fraude' e 'combustíveis fósseis'”, disse Podesta.
"Trump prometeu desmantelar nossas salvaguardas ambientais e retirar o país novamente do Acordo de Paris", disse ele, segundo a AFP. "Foi o que ele disse, e temos que acreditar", acrescentou.
O Brasil também tenta tirar o atraso
A movimentação envolvendo o mercado de carbono global na COP ocorre no mesmo momento em que o Brasil se prepara para criar um mercado regulado de carbono e estabelecer regras para o mercado voluntário.
No caso do mercado regulado, empresas com pegada de carbono intensiva estarão sujeitas a limites de emissão de CO2 e vão ter de adquirir créditos de carbono caso ultrapassem esses limites.
Já no mercado voluntário, companhias e indivíduos podem comprar créditos de carbono para compensar suas emissões, ainda que não sejam obrigados a fazê-lo por lei.
Após idas e vindas na Câmara dos Deputados e no Senado, o texto finalmente estava previsto para ser votado nesta quarta-feira, dia 13 de novembro – e depois volta para a Câmara.
O estabelecimento das regras se faz necessário porque, como ainda não há uma regulação, a originação dos créditos já passou por diversos problemas de irregularidades ao redor do mundo e também no Brasil.
A proposta do mercado regulado, no entanto, exclui a agropecuária, pois obrigaria os produtores rurais a seguirem regras de controle de emissões. O agro só poderá participar, se quiser, do mercado voluntário.
A mensuração não é trivial no campo pelas peculariedades de cada cultura, região e das próprias metodologias, criadas em países do Hemisfério Norte, onde o foco da discussão está nas emissões dos combustíveis fósseis, e não na produção agrícola.
No ano passado, das 2,3 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e) emitidas pelo Brasil, 631,2 milhões de toneladas vieram de atividades agrícolas, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima.
A maior parte dessas emissões é de metano, gás emitido a partir da fermentação entérica do gado, que gerou 355,1 milhões de toneladas de CO2e.
O metano também entrou na temática da COP nos últimos anos. Em 2021, na COP26, de Glasgow, o Brasil se comprometeu, junto com outros 102 países, a reduzir as emissões de metano em 30% até 2030.
O Brasil levou à COP o objetivo de reduzir as emissões de gases do efeito estufa de 59% a 67% até 2035, em comparação com números de 2005. Isso representa um montante entre 850 milhões e 1,05 bilhão de toneladas de CO2, bem abaixo das 2,3 bilhões de toneladas registradas no ano passado.
A meta foi considerada “ambiciosa, mas também factível”, pelo vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) em discurso nesta terça-feira.
Alckmin representa o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não viajou para o Azerbaijão por ainda estar se recuperando de um acidente doméstico e pela realização da Cúpula dos Líderes do G20, no Rio de Janeiro, na semana que vem.