Novo Repartimento (PA) - Um é prato principal. O outro, sobremesa. É assim, combinados, que pecuária de corte e cultivo de cacau têm sido usados para mudar a realidade de milhares de produtores rurais e a paisagem de uma região do Pará que concentra altos índices de desmatamento ilegal e degradação de solos.

Os números negativos são, agora, a razão que têm levado grandes empresas a colocar municípios como Novo Repartimento na vitrine ESG de grandes empresas do agronegócio. Na semana passada, por exemplo, o AgFeed viajou à região a convite da JBS.

Ali, a gigante da proteína animal financia um projeto que harmoniza carne com chocolate para aumentar a produtividade de pecuaristas, ao mesmo tempo em que os ajuda a recuperar as terras e gerar renda extra com a venda de cacau.

Exemplo disso foi apresentado na propriedade de Alaion Rosa Lacerda, no assentamento Tuerê. Nascido em uma família de pecuaristas que historicamente trabalhavam no sistema de manejo extensivo, ele aderiu recentemente ao regime rotacionado, sob a influência de um programa executado pela ONG Solidaridad, sob o patrocínio do Fundo pela Amazônia, criado pela JBS.

Lacerda já enxerga os frutos dessa mudança. “No extensivo, nós temos duas cabeças de gado por hectare”, conta. “Nesse regime novo, consigo ter 8,5 cabeças por hectare”.

O ciclo positivo se percebe também no ganho de peso dos animais, um dos principais indicadores de eficiência na atividade pecuária. O criador explica que o regime rotacionado contribui também com a engorda mais rápida, já que o gado fica menos estressado, já que não precisa andar tanto para se alimentar e beber água.

“A engorda dos bezerros no extensivo é de 250 gramas por dia e no rotacionado é de 550 gramas, até 600 gramas”, afirma Lacerda.

Juntamente com a pecuária, o produtor mantém agora uma plantação de cacau. Boa parte das plantas é cultivada em área aberta, com grande exposição ao sol. Em uma pequena área da fazenda, o cenário é diferente.

Nela, o cacau cresce sob a sombra de árvores nativas, em sistema agroflorestal. Protegido do calor intenso, é mais produtivo e gera, além de frutos, um benefício ambiental importante, capturando mais carbono da atmosfera.

Como explica Paulo Lima, gerente ddos programas de cacau e pecuária da Solidaridad, a atividade pecuária de Alaion Lacerda gera uma emissão de 4 a 5 toneladas de CO2 por hectare. “Mas o cacau sombreado consegue capturar 12 toneladas de carbono por hectare, então ele gera até um potencial crédito”.

Frentes verdes

Os projetos “verdes” da JBS na região atuam em duas frentes. Uma delas é o Fundo pela Amazônia, que já tem assegurado R$ 250 milhões para apoiar projetos que ao mesmo tempo preservem o meio ambiente e tragam mais produtividade e renda para os produtores da região.

A outra frente está nos Escritórios Verdes, que atuam na regularização de pecuaristas que estavam impedidos de vender gado à JBS por irregularidades ambientais.

No caso do fundo, já são R$ 62 milhões garantidos para 19 projetos, revela Andrea Azevedo, diretora do Fundo JBS pela Amazônia. “Esses projetos beneficiam ou vão beneficiar quase 4 mil famílias, que são pequenos produtores com poucas condições de sair do ciclo de baixa produtividade”.

Andrea Azevedo, diretora do Fundo JBS pela Amazônia

Na questão da produtividade, os projetos fazem, como no caso de Lacerda, a relação direta com a preservação ambiental, com o incentivo e a assistência técnica para que eles adotem o regime rotacionado de pastagens, em que produtor divide a área em vários lotes, que são utilizados de forma alternada pelo gado.

Assim, quando o capim de uma área é consumido pelos animais, eles são levados para outra área, o que permite a recuperação daquele primeiro lote.

Azevedo explica que o fundo da JBS não faz aporte direto aos produtores. “Nós buscamos parceiros que realizam projetos, como a Fundação Solidaridad”, explica.

Cabe ao parceiro oferecer toda a assistência técnica e suporte para pequenos e médios produtores em projetos que, ao mesmo tempo, melhorem a produtividade e auxiliem na preservação da Amazônia.

Lima afirma que somente o projeto RestaurAmazônia, em parceria com o Solidaridad, tem um orçamento de R$ 25 milhões para o período entre 2021 e 2026.

A meta é atender 1,5 mil famílias de Novo Repartimento, Anapu e Pacajá, com a preservação de mais de 20 mil hectares de vegetação nativa, reduzindo a taxa de desmatamento em 50% até 2026.

Segundo Andrea Azevedo, as áreas que ficam à beira da rodovia Transamazônica respondem por uma taxa entre 50% e 60% do desmatamento registrado no Pará. “Tem muito pasto degradado e 80% das áreas de assentamentos estão dentro da Amazônia Legal”, diz.

Gado em pastagem na propriedade de Alaion Lacerda

Mariana Pereira, gerente de Meio Ambiente e Qualidade da Solidaridad, afirma que Novo Repartimento tem 40 assentamentos, e é líder em desmatamento no Pará. “Nós assinamos nosso primeiro projeto em 2015, e já fizemos parceria com diversas entidades, inclusive com o governo da Holanda”, afirma.

Ela conta que entre 2015 e 2017, a fundação trabalhava com cerca de 100 famílias. A partir dali, houve uma aceleração, e em 2018, passou para 230 famílias atendidas. “Fizemos um levantamento mostrando que o nosso trabalho traz um aumento médio de 30% na renda dos produtores e diminui em 64% o desmatamento”, conta Pereira.

Em dia com a lei

Na frente dos Escritórios Verdes, a JBS já fez 19 mil atendimentos desde o início do funcionamento, em maio de 2021. “Agora, estamos chegando a 7 mil regularizações”, conta Liège Vergili Correia, diretora de Sustentabilidade da JBS.

A função dos escritórios é auxiliar e até mesmo custear toda a parte técnica e burocrática de uma regularização ambiental de pecuaristas fornecedores – e não necessariamente apenas da JBS. A execução dos manejos necessários à regularização fica a cargo do pecuarista.

A criação dessas estruturas foi uma alternativa ao modelo que simplesmente proibia a compra de gado de pecuaristas com pendências junto a órgãos ambientais, passando a adotar uma política que buscasse auxiliá-lo na adequação.

“O que nós percebemos é que se continuássemos só bloqueando os fornecedores irregulares, chegaria o momento em que teríamos pouquíssimos pecuaristas na nossa cadeia. E aí resolvemos que era hora de mudar a abordagem”, conta Correia.

Rafael Camarço, pecuarista em Itupiranga (PA)

Um dos exemplos de atuação do Escritório Verde da JBS que atende aquela região do Pará é o pecuarista Rafael Camarço, que tem uma área total de aproximadamente 5,5 mil hectares, com cerca de 5 mil cabeças de gado por ano.

A área da família Camarço é composta pelas fazendas Boa Vista, Indiana e Realeza, localizadas no município de Itupiranga, vizinho de Nova Repartimento.

“Nós compramos uma área que já tinha problemas e procuramos o Escritório Verde para ajudar na regularização”, conta o pecuarista. “Aqui, sempre tivemos essa preocupação com o meio ambiente, não tem como ser diferente”.

Liège Correia, diretora de Sustentabilidade da JBS

No caso da área da família Camarço, o modelo implementado foi de restauração natural, em que o pecuarista deixa que as sementes de plantas nativas acumuladas no solo cresçam naturalmente.

“O capim ajuda na preservação das sementes. Assim, não tenho qualquer custo para fazer essa restauração”, diz Camarço, que afirma manter uma área de pelo menos 50% de matas nativas em cada propriedade. “Em uma delas, estamos até com uma pequena sobra, porque estamos com 53% de área preservada”.

Ele admite que a parte comercial também influencia os pecuaristas na hora de procurar os Escritórios Verdes.

Lorena Geyer, supervisora responsável pelo Escritório Verde de Marabá, no Pará, afirma que, em muitos casos, o primeiro contato com os pecuaristas não é fácil. “Muitos não entendem por que devem se regularizar”, diz. “Mas não queremos convencer só pela parte comercial. É importante conscientizar e educar os produtores”.