O Tribunal de Contas da União (TCU) determinou ao Ministério da Agricultura e da Pecuária (Mapa) a adoção de medidas para a agropecuária de baixo carbono no País, no momento em que o Brasil tenta utilizar o setor como vitrine na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP29), no Azerbaijão.

A decisão, publicada em acórdão do órgão obtido pelo AgFeed, cobra da Pasta ações urgentes e conclui que não existe uma estratégia de longo prazo para adaptação da agropecuária brasileira às mudanças climáticas esperadas.

A primeira medida é a criação, em até 60 dias, da Comissão Executiva Nacional do Plano Setorial para Adaptação à Mudança do Clima e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária (CENABC) e do Comitê Técnico de Acompanhamento do Plano Setorial para Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura (CTABC).

O TCU determinou ainda institucionalizar o Plano Setorial para Adaptação à Mudança do Clima e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária (Plano ABC+) em até 180 dias. O Plano ABC+ existe desde 2020 e é considerado modelo pelo governo para promover a transição e o financiamento da agricultura e pecuária de baixa emissão, por meio da adoção de práticas sustentáveis e tecnologias inovadoras.

A decisão dos ministros do TCU publicada no acórdão 2379/2024 é fruto do relatório de auditores que apontou uma série de falhas por parte do Mapa na adoção de medidas previstas na COP 21, o Acordo de Paris, para a mitigação de emissões no campo e redução no aquecimento global.

“O setor agropecuário do Brasil não está alinhado a essa demanda do Acordo de Paris, uma vez que atualmente não existe uma estratégia de longo prazo formalizada do governo federal para adaptação de produtores rurais e suas propriedades às mudanças climáticas esperadas, com definição das vulnerabilidades atuais, mudanças climáticas esperadas, ações para aumentar a resiliência e definição de regiões ou populações prioritárias”, informaram os auditores no relatório encaminhado aos ministros do TCU.

O TCU destaca que o Ministério da Agricultura sequer institucionalizou sua parte do Plano Nacional de Adaptação à Mudança Climática (PNA), entre 2016 e 2020, previsto para ser implantado por todos os órgãos do governo. “Não implementou, portanto, medidas previstas no plano e ainda admitiu, em 2021, não ter tomado (quaisquer) ações”, relataram os auditores.

Os técnicos apontaram que, devido ao PNA não ter sido atualizado após 2020, e o Plano ABC+ ser focado na adaptação de sistemas produtivos, hoje não existe uma estratégia de longo prazo para adaptação da agropecuária brasileira às mudanças climáticas esperadas.

“No relatório final de monitoramento do PNA, de 2021, não houve uma análise sobre o cumprimento das metas previstas, apenas é informado que algumas ações tiveram implementação iniciada (...). Ademais, foi informado que as demais iniciativas previstas não foram implementadas, como estruturar um sistema para priorização das regiões vulneráveis e ordenamento territorial e desenvolver planos de contingência”, apontam.

Previsto para ser implementado entre 2020 e 2030, o Plano ABC+ de fomento à agropecuária de baixo carbono foi instituído apenas por portaria do Ministério da Agricultura, sem a ativação de fóruns de controle e alinhamento.

“Não ocorreram institucionalização e estruturação de governança adequada do Plano em nível federal, com reconhecimento de papéis e responsabilidade por órgãos e entidades fora da estrutura do Ministério da Agricultura, o que levou à baixa execução de ações de outras entidades federais, ou à execução de ações, mas sem vinculação ao Plano ABC+.”

Além da falta de ação sobre os programas internos, o documento informa que a Pasta desconhece “o andamento de ações que estão sendo executadas pelo governo federal que envolvem mitigação de GEE (Gases de Efeito Estufa) e adaptação às mudanças climáticas, o que impossibilita a consolidação de resultados no âmbito do Plano ABC+.”

Em seu voto, o ministro e relator Benjamin Zymler considerou que a falta de estratégia ou plano de longo prazos para adaptação da agropecuária às mudanças climáticas prejudicam a adaptação do setor a cenários climáticos futuros e ao aumento de eventos extremos.

“Tal lacuna decorre da falta de atualização do PNA após o término de sua vigência em 2020, somada ao foco restrito da estratégia de adaptação contida no Plano ABC+. Este último concentra-se na melhoria da eficiência e resiliência dos sistemas produtivos dentro das propriedades, sem abranger a agropecuária como um todo”, conclui.

Além das determinações com prazos de 60 a 180 dias, o TCU recomenda, entre outras ações, que os ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar desenvolvam e instituam estratégia de adaptação para a agropecuária nacional, baseada em cenários futuros de mudanças climáticas e no atual estágio de vulnerabilidade de regiões e culturas.

Procurado pelo AgFeed, o Mapa respondeu apenas na quinta-feira, 21 de novembro, dois dias após a publicação da reportagem, que foi atualizada para incluir o posicionamento. "Entendemos que boa parte das demandas do órgão de controle já está sendo atendida, e continuaremos a avançar no cumprimento das determinações e recomendações do TCU", diz a nota enviada à redação.

Confira a íntegra do documento enviado pelo ministério:

Embora o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) seja o gestor do Plano Nacional de Adaptação (PNA), e, portanto responsável pelos esforços de institucionalização junto aos demais órgãos, entendemos que, com a operacionalização da Comissão Nacional de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (CENABC), haverá um ambiente mais favorável para uma atuação mais incisiva do Mapa em relação ao que está sendo definido para o ministério no novo PNA, atualmente em fase final de elaboração, independentemente da atuação do órgão gestor.

Cabe ressaltar que o Mapa tem atuado proativamente ao longo dos anos, promovendo práticas e arranjos tecnológicos sustentáveis por meio do Plano ABC, vigente durante o período em que também esteve em vigor o PNA. Essas ações visaram fortalecer a sustentabilidade da agropecuária brasileira e sua adaptação às mudanças climáticas.

No que se refere à determinação de instituição e operacionalização da CENABC e do Comitê Técnico de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (CTABC), destacamos que os esforços para tal já vinham sendo conduzidos pela gestão nacional do Plano ABC+. No entanto, a recente alteração do Decreto nº 10.431/2020 pelo Decreto nº 11.987/2024 demandou a retomada de ações, o que impactou o cronograma para o início das atividades.

Atualmente, todos os representantes das instituições participantes da CENABC já foram oficialmente indicados e informados sobre a realização da primeira reunião, prevista para março de 2025, em conformidade com a periodicidade estabelecida de reuniões semestrais.

A minuta do regimento interno da comissão recebeu contribuições, que já foram incorporadas, e a pauta da reunião inicial foi devidamente apresentada. Com isso, entendemos que a determinação de operacionalização da CENABC foi cumprida.

Quanto ao CTABC, considera-se que a CENABC é a principal ferramenta para a coordenação nacional do Plano ABC+, uma vez que o Mapa possui cinco membros na comissão, exerce a função de Secretaria-Executiva e pode constituir grupos de trabalho para analisar e propor melhorias em temas e demandas específicas. Dessa forma, será debatida na primeira reunião a possível extinção do CTABC, o que exigirá uma nova alteração no Decreto nº 10.606/2021, tornando mais ágil a gestão das demandas.

No que tange ao Sistema Nacional de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (SINABC), composto pelos eixos SIGABC, SICOR e Plataforma ABC, informamos que cada um encontra-se em diferentes estágios de desenvolvimento e operacionalização. Desde que assumiu a nova estrutura no Departamento de Produção Sustentável e Irrigação (Depros), a Coordenação-Geral de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (CGABC) tem trabalhado na evolução desses eixos em parceria com outras instituições.

A Plataforma ABC, quando concluída, incluirá painéis de monitoramento para todas as tecnologias recomendadas pelo Plano ABC+. Atualmente, está disponível o painel referente à Recuperação de Pastagens Degradadas (PRPD), e o painel de Terminação Intensiva de Bovinos (TI) será publicado em breve, após avaliação de conformidade com a LGPD. Até o final de 2024, pretendemos disponibilizar também os painéis de Sistemas Irrigados (SI) e Florestas Plantadas (FP), ficando para 2025 os painéis restantes, como Plantio Direto, Integração Lavoura-Pecuária-Floresta e Sistemas Agroflorestais.

Ressaltamos que, para enfrentar os desafios relacionados à obtenção e tratamento de dados, foram contratados seis bolsistas doutores que estão auxiliando o Mapa nesse processo.

Por fim, o SIGABC já se encontra em ambiente de produção e está disponível no portal do Mapa.

Entendemos que boa parte das demandas do órgão de controle já está sendo atendida, e continuaremos a avançar no cumprimento das determinações e recomendações do TCU.