Nos últimos anos, o apetite chinês pelos produtos agrícolas brasileiros fez com que o setor batesse recordes de exportação. Entre agosto de 2023 e julho de 2024, segundo dados da secretaria de Comércio Exterior (Secex), a China respondeu por 35% de todo o volume de produtos exportados pelo agronegócio brasileiro. Entre janeiro e outubro, o Brasil exportou cerca de 93 milhões de toneladas de soja, das quais 70% tiveram como destino o país asiático.
Mas a fome do dragão vermelho por alguns produtos, especialmente soja, pode ser menor nos próximos anos. Os motivos são a maior produção daquele país, o envelhecimento da população e a estabilização no consumo.
“Tivemos um boom de demanda da China por commodities que impulsionou a produtividade global, mas esse ritmo deverá ser menor nos próximos anos”, pondera o chefe-geral da Embrapa Soja, Alexandre Nepomuceno.
A saída? Diversificar. Segundo o pesquisador, a desaceleração da demanda chinesa pode ser uma oportunidade para o Brasil investir no desenvolvimento de novas tecnologias para diversificação de produtos feitos a partir da soja e seus derivados.
“O que nós vamos fazer com o volume de soja que deixará de ser embarcado para a China no futuro?", questiona.
A crescente demanda por biocombustíveis é um caminho para que soja antes exportada para a China possa ser utilizada na rota produtiva para a produção de combustível sustentável de aviação (SAF, em inglês) a partir do óleo de soja.
“Os EUA já estão investindo na produção de SAF e HVO (diesel verde). O Brasil está começando, o que vai abrir espaço em mercados com maior valor agregado", pondera.
Em setembro, a Embrapa e a Petrobras assinaram um acordo de cooperação para a produção de soja de baixo carbono, química verde e fertilizantes.
A parceria inclui investimentos na implantação de unidades industriais para a produção de biocombustíveis e outros bioprodutos por parte da Petrobras, enquanto a Embrapa vai entrar com o desenvolvimento de protocolos de produção agrícola de baixo carbono.
“Estamos abrindo caminho, esse projeto é algo pioneiro no Brasil", afirma Nepomuceno. O projeto ainda conta com apoio da Cargill, Bayer, UPL, Coamo, Cocamar, Bunge e GDE. A expectativa é que até meados de 2026 os primeiros protocolos estejam prontos para registro no Ministério da Agricultura.
Além dos biocombustíveis, Nepomuceno considera que o desenvolvimento de novas tecnologias para a fabricação de bens de consumo a partir da soja são o caminho para o mercado brasileiro nos próximos anos.
“Já somos uma potência na exportação de commodities e agora podemos dar um novo salto e desenvolver pneus, calçados e outros materiais que terão maior valor agregado, trarão mais divisas e contribuirão para desenvolver negócios no país", avalia o pesquisador.
Novas fronteiras agrícolas
Outro ponto de atenção para o Brasil está relacionado ao desenvolvimento da produção agrícola no continente africano.
Nepomuceno afirma que, pelas similaridades de clima entre as duas regiões, o Brasil teria oportunidade de negócios com a África, desde que faça a “lição de casa".
Isso inclui o desenvolvimento de estratégias para um intercâmbio de conhecimento e comercialização de tecnologias já estabelecidas no Brasil e que podem auxiliar a África no desenvolvimento do agronegócio.
Ele explica que na África subsaariana existem cerca de 200 mil hectares em terras para a produção agrícola.
"Temos know-how em agricultura tropical e a oportunidade de comercializarmos essa experiência, levarmos as empresas brasileiras para lá. Para isso, é preciso que haja uma estratégia coerente, não de governo, mas de Estado”, diz.
De olho nesse potencial, algumas empresas já arregaçaram as mangas para iniciar o trabalho na região. É o caso da corretora paulista Planner que iniciou a captação de US$ 500 milhões e deve criar um fundo de private equity com foco na expansão de novas fronteiras agrícolas na África subsaariana em países como Quênia, Ruanda e Etiópia.
Caso o Brasil deixe passar a oportunidade, ele avalia que o continente africano pode se tornar um potencial concorrente nas próximas décadas. Entre as vantagens, estariam a maior proximidade da região com os mercados da Europa, Oriente Médio e Ásia.
“A China já destina quase 50% de seus investimentos internacionais para a África, com investimento em terras e infraestrutura".