Na próxima segunda-feira, 10 de março, devem entrar em vigor as novas tarifas sobre produtos norte-americanos importados pela China.

Com 15% de tarifa, o algodão, ao lado da carne de frango, trigo e milho, serão as commodities com as maiores altas em relação às taxas que vinham sendo praticadas.

Com o algodão norte-americano ficando mais caro para os compradores chineses, o cenário pode contribuir para que o Brasil aumente o volume de pluma embarcado para o gigante asiático.

Esse crescimento, porém, não deve acontecer em ritmo acelerado, como foi em 2018, na visão de analistas, embora haja a perspectiva de aumento da demanda.

No primeiro governo Trump, Estados Unidos e China também travaram uma longa guerra comercial. A disputa durou até março de 2020. Na época, a China taxou o algodão yankee em 25%.

Uma análise interna produzida pela Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) e obtida com exclusividade pelo AgFeed, aponta que o cenário da guerra comercial pode gerar oportunidades no curto prazo, mas em menor escala se comparado a 2018.

“Isso ocorre porque o Brasil já se consolidou como o maior exportador global de algodão e o principal fornecedor para a China, reduzindo o impacto de uma possível realocação comercial”, diz o documento.

Apesar dessa primeira disputa comercial servir de referência, Vitor Fernandes, gerente de relacionamento da Hedge Point Global Markets explica que o cenário de 2025 é bastante diferente. A começar pela relevância brasileira no mercado.

Enquanto na safra 2016/2017 o País representava cerca de 11% das importações de algodão chinesas, na safra 2023/2024 esse percentual chegou a 49%. Já a participação norte-americana naquele mercado caiu de 82% para 38% no período, segundo o documento da Abrapa.

Foi no ano passado também que o Brasil tomou a dianteira do mercado global de algodão ao se tornar o maior exportador da pluma, com 2,8 milhões de toneladas, ultrapassando pela primeira vez os Estados Unidos, líderes desse mercado desde a guerra civil americana, que teve início em 1861.

“Enxergamos uma tendência de que o Brasil conquiste mais espaço no mercado chinês, ainda que em ritmo menor ao de 2018. Além da qualidade do algodão ter melhorado, o custo de produção no Brasil fica menor em relação às tarifas”, pondera Fernandes.

O especialista pondera, no entanto, que os efeitos práticos dessa disputa só devem ser vistos daqui alguns meses, já que a janela de exportação do algodão brasileiro para 2025 está no fim. Segundo dados do IMEA divulgados em 3 de março, 84,6% da pluma da safra 23/24 já havia sido comercializada.

“Pode ser que a China se interesse em comprar esses 15% que ainda não foram comercializados ou opte por esperar a janela de comercialização do algodão australiano daqui alguns meses”, pondera Fernandes.

Mas pode ser também que a China não aumente tanto o volume demandado de outros players de imediato, já que segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), a safra de algodão chinesa deve crescer acima dos 10% e chegar a 6,7 milhões de toneladas.

Some-se a isso a previsão de que em 2025, a economia do país deverá crescer menos do que o previsto, em torno de 5%. O analista de consultoria agro do ItaúBBA, Francisco Carlos Queiroz explica que as tarifas mais altas justamente para algodão e milho não são “à toa”.

“A safra chinesa dessas duas commodities deve ser maior, com a do algodão crescendo acima dos 10% em volume.” Com isso, ele avalia que a necessidade de importação dos chineses deverá ser menor, já que os estoques internos estarão mais robustos.

Ainda assim, ele destaca que a tendência é que o Brasil se consolide cada vez mais nas exportações não só para a China, mas também para outros mercados.

Como consequência dessa possível baixa no volume demandado pela China, pode haver uma pressão ainda maior sobre os preços, que vem “andando de lado” desde meados de 2024.

O histórico da primeira guerra comercial pode indicar possíveis cenários. Segundo o relatório da Abrapa, em julho de 2018, antes da imposição das tarifas, os contratos futuros eram negociados próximos de US$0,85 centavos/libra-peso.

À época, o cenário de incertezas acabou por pressionar os preços e os contratos futuros na bolsa de Nova York (ICE) despencaram. O preço da pluma chegou a US$ 0,60 centavos/ libra-peso em meados de 2019, auge das tensões comerciais entre os dois países.

Nesta quinta-feira, os contratos para março de 2025 eram negociados a US$ 0,63 centavos/ libra-peso, praticamente estáveis se comparados ao dia anterior. “O preço em real difere um pouco, porque depende de outros fatores, como a variação cambial”, lembra Queiroz.

O relatório da Abrapa destaca ainda que “enquanto durar esta nova fase da guerra comercial os preços dos contratos futuros de algodão na ICE deverão sofrer forte volatilidade e pressão baixista, devido ao impacto negativo no algodão americano e possíveis eventos na economia global.”

Ainda, as projeções indicam aumento da safra em quase todos os principais produtores de algodão no mundo, com previsão de redução no volume na Índia e nos EUA.

No Brasil, a expectativa é de que o setor alcance ainda em 2025 a meta estipulada para 2030, de produzir cerca de 4 milhões de toneladas da pluma, conforme mostrou o AgFeed.

“Devemos continuar exportando entre 2,7 e 2,9 milhões de toneladas no total. O produto brasileiro, além de oferecer qualidade, oferece origem segura. No caso da China, mesmo que a tarifa seja revogada, devemos manter o espaço conquistado”, Queiroz.

Em meados de fevereiro, o National Cotton Council, órgão americano, divulgou previsão de redução de 14,5% na área plantada com algodão nos Estados Unidos em 2025, chegando perto de 3,8 milhões de hectares.

Ao mesmo tempo, a demanda mundial por algodão cresce em ritmo menor que a produção, contribuindo para a tendência de baixa nos preços.

“As cotações em baixa do petróleo pressionam ainda mais os preços, já que as fibras sintéticas, produzidas a partir dessa matéria-prima, ficam mais baratas e são a principal concorrência para o algodão”, avalia Queiroz.

Segundo o analista, o efeito “petróleo” deve inclusive contribuir para a queda da demanda interna por algodão nos Estados Unidos, forçando o país a intensificar a diversificação de mercados já existentes. “Já vemos um aumento de embarques para outros países, como o Vietnã, que está intensificando o diálogo com os EUA”.

Para o Brasil, além da pressão sobre os preços, outro revés está relacionado à infraestrutura. Não bastassem os crescentes atrasos nos portos, a safra de algodão, colhida entre julho e agosto, concorre com a safrinha de milho tanto no transporte quanto nos embarques nos portos.

Apesar das boas perspectivas para o Brasil, o relatório de análise da Abrapa considera que tal disputa comercial gera enormes incertezas. “Essa instabilidade não apenas prejudica o comércio e a economia global, mas também pode impactar a demanda agregada por algodão, comprometendo o crescimento sustentável do setor, tanto no Brasil quanto no mundo.”