Quando as telas dos índices futuros de ações nos Estados Unidos estão em baixa, com o petróleo em Londres seguindo o mesmo caminho e o dólar index, negociado internacionalmente, em sentido contrário, em alta, o sentimento é um só: a aversão ao risco está instalada e poucas commodities agrícolas resistem nos mercados futuros.

Esse quadro financeiro já vem de dias, enquanto se arrasta a negociação do acordo para o governo dos Estados Unidos aumentar sua dívida. E com ele, a fuga de capital verificada na terça (30) e na quarta (31).

O famoso efeito manada é ainda mais intenso quando combinado com os fundamentos baixistas para a maioria das mercadorias negociadas em Chicago e Nova York, as bolsas que referenciam os preços internacionais.

A soma de ambos os fatores – risco econômico e oferta maior que a demanda das commodities -, tem levado à derrocada das cotações e não deve se esperar nada muito diferente para os próximos dias, sobretudo para a soja, o milho e o açúcar. Salvo pequenos ajustes, de compras por bagatela – depois de uma queda muito acentuada dos preços.

A soja, por exemplo, perdeu mais de 3% na terça. A leve recuperação desta quarta (embora tenha aberto em baixa), de 0,29% (US$ 12,99), deve-se apenas a uma correção.

Assim, projeções indicam que os US$ 12,50 o bushel (unidade de peso nas negociações em Chicago) para a soja, no contrato mais próximo de julho, é um piso possível de ser alcançado, segundo o consultor Vlamir Brandalizze.

“As correções técnicas não sustentam o desenrolar das negociações americanas, de um lado, e o clima favorecendo novamente o plantio nos EUA, que avança bem, e voltarão a pressionar as cotações”, diz.

Nas condições refletidas pelos números do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), mesmo com um desenlace positivo entre o governo Joe Biden e os Republicanos da Câmara dos Deputados eliminando o risco de um calote de parte das obrigações soberanas do país, o viés de baixa se mantém para a oleaginosa.

Além de um recorde de 155 milhões de toneladas na safra brasileira e estoques mundiais maiores, o USDA anunciou que o plantio por lá já encostou em 84% da área, contra média histórica de 60% para este período, com boa quantidade de soja germinada, e o ritmo de desenvolvimento melhorado com as chuvas desta semana. Tudo colabora para manter a expectativa recorde de oferta de 122,7 milhões de toneladas.

Até mesmo uma baixa para os US$ 12 cravados para o grão não é descartada, de acordo com a visão menos conservadora de Ruan Sene, analista de commodities da Grão Direto.

Ele observa também a comercialização lenta da soja brasileira e a China muito pontualmente agindo nas importações, sem que possibilite um enxugamento dos estoques.

Nesse ponto, Sene adverte para outro fator baixista: a chegada do milho safrinha, o de inverno, que está começando a ser colhido, e vai explodir nos armazéns e portos em julho.

Também em volume recorde, de aproximadamente 100 milhões de toneladas, o milho vai competir por espaço logístico com a outra commodity.

Abundância no milho

O milho sofre com as mesmas variáveis que a soja. Sente o peso dos investidores tirando recursos dos ativos de maior risco, caso dos derivativos, como são também chamados negócios com contratos futuros, e sob ataque das condições da oferta americana futura.

Mais de 90% da área prevista para o grão já está plantada, projetando uma produção recorde acima de 387 milhões de toneladas. Com os estoques elevados e a nova temporada brasileira podendo bater em 100 milhões de toneladas, a abundância empurra os preços ladeira abaixo.

Por isso, Roberto Carlos Rafael, trader e CEO da Germinar Corretora, acredita em espaço para ceder mais, já que ele vê o cereal ainda caro em Chicago, cotado em torno de R$ 5,90 no contrato de julho.

Se a torcida para que o calor e a seca nos Estados Unidos não funcionar até que comece a colheita, o “produtor está numa sinuca de bico nos próximos meses”, acrescenta o especialista.

Pressão no açúcar

Enquanto a safra da Índia já foi descontada, mantendo o açúcar em Nova York com boa pegada acima de 25 centavos de dólar por libra peso (unidade de peso negociada), agora entra em cena a safra brasileira.

Salvo momentos de chuvas, que atrasam a moagem, como neste meio de semana, e que limitam as perdas, o que vem pela frente são fatores de pressão, avalia Maurício Muruci, da Safras & Mercado.

Ainda sob o farol do desequilíbrio da crise econômica-política nos EUA, a tendência da commodity é de ceder na rabeira do petróleo, que despencou mais de 4% na terça e mais 1,80% nesta quarta.

Com petróleo em situação de baixa, o mundo vê o Brasil desviando mais cana para produzir açúcar e fugir do combustível renovável sem competitividade.

Em temporada acima de 600 milhões de toneladas de cana produzida – mais de 60 milhões sobre a última –a contraindicação desse movimento é o aumento da oferta mundial da commodity.

“Penso que vá cair para 24 centavos por libra peso e depois deverá cair mais um pouco, se estabilizando em torno de 22”, explica Muruci.