A tão esperada reforma tributária vem avançando no Congresso Nacional, mas segue longe de agradar todos os setores, causando preocupação, por exemplo, entre aqueles que trabalham com imóveis rurais.
Na visão de especialistas, alguns produtos, setores e serviços devem ficar mais caros com a nova tributação se a atual versão do texto, aprovada pela Câmara dos Deputados em 10 de julho, avançar no Senado Federal e for sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O texto prevê a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que deve unificar os atuais impostos ICMS e o ISS, e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substituirá o PIS, Cofins e o Imposto sobre produtos industrializados (IPI). A nova tributação está prevista para valer a partir de 2033.
A criação destes impostos é para simplificar o sistema tributário nacional, tido como complexo, diz o sócio de consultoria tributária da Deloitte, César Redondo, em entrevista ao AgFeed. Desta forma, as divergências de tributação de um estado para outro também devem acabar.
“A ideia é tentar simplificar bastante as normas tributárias. Hoje, quando nós olhamos para as normas que estão vigentes, elas são bastante complexas. A exemplo do ICMS, que cada estado tem normas próprias, mesmo que siga um mesmo padrão. Isso dificulta a vida dos contribuintes”, avalia.
Ao contrário de Redondo, a sócia do CSMV Advogados e professora de tributação corporativa do Insper, Ana Carolina Monguilod, acredita que as novas regras devem deixar a tributação muito mais complexa na comparação com o atual regime tributário.
Ela alerta que reforma deverá elevar a tributação de alguns setores, como por exemplo, o imobiliário. O texto aprovado na Câmara dos Deputados propõe um limite para a alíquota única sobre o consumo, de 26,5%.
“As alíquotas dos dois impostos, o IBS e a CBS, somadas, ficam em 26,5%, que é uma tributação base. O setor imobiliário tem algumas peculiaridades, ganhando todo um regime tributário para chamar de seu”, comenta Monguilod ao AgFeed.
Descontos de 40% e 60%
A regulamentação aprovada este mês na Câmara dos Deputados estabeleceu que, nas operações de compra e venda de imóveis urbanos e rurais haverá uma redução (desconto) de 40% sobre a alíquota para o IBS e a CBS. Na locação e arrendamento de terras o redutor é de 60%.
“O governo trabalha com uma alíquota base de 26,5%. Em cima disso, com os descontos, a alíquota para compra e venda ficaria em 15,9%, deduzindo os 40%, e, para aluguel ou arrendamento, ficaria em 10,6% com a dedução de 60%”, explicou a professora do Insper.
Atualmente, a carga tributária que incide sobre o setor imobiliário varia de 6,4% a 8%, segundo cálculos da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). O consultor da Deloitte acrescenta que existem alguns descontos previstos na reforma tributária, mas que seguem em discussão. Entre eles, a idade do imóvel.
A reforma tributária prevê a incidência de 26,5% dos novos impostos, o IBS e a CBS, nos casos de alienação dos imóveis - quando o imóvel for usado como garantia -, na cessão ou transferência de direitos reais sobre bens imóveis que estejam sujeitos a encargos ou despesas, no arrendamento, nos serviços de administração e intermediação do imóvel, assim como nos serviços de construção.
“Na prática, essa alíquota não deve ficar em 26,5% e sim, acima disso. Daí, lá na frente, o executivo terá que encaminhar um projeto de lei complementar para o Congresso, para reequilibrar a alíquota. Por enquanto, estamos trabalhando com essa alíquota reduzida”, ressaltou Monguilod.
Outro ponto a ser observado entre os produtores rurais é que existe uma nova legislação que define contribuintes ou não contribuintes, levando em conta o valor de seu faturamento.
"Um produtor pessoa física que fature até R$ 3,6 milhões por ano está sujeito a basicamente as mesmas regras que a gente conhece hoje. Porém, um produtor que fature acima disso, ele passa a estar sujeito a esses dois novos tributos", explicou Redondo, da Deloitte.
Os dois especialistas ouvidos pelo AgFeed lembraram que, apesar da reforma tributária, o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) e o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), cobrado no ato da compra de um imóvel pela prefeitura do local, não sofrerão mudanças e continuarão sendo cobrados.
Atualmente, a alíquota do ITR varia de acordo o tamanho da propriedade, sendo de 0,03% a 1% para imóveis com até 50 hectares, enquanto aqueles com área total de 5 mil hectares têm alíquota mínima de 0,45% e máxima de 20%, conforme o grau de utilização da terra. Por sua vez, o ITBI tem alíquota de 2% a 3%, dependendo da prefeitura.
Arrendamento pode ficar mais caro
Ana Carolina Monguilod acredita que o produtor rural poderá pagar mais impostos pelo arrendamento de terras do que na compra e venda. Ela explica que, segundo o texto da reforma tributária, a compra e venda de imóveis rurais passará por deduções na base de cálculo.
“Algumas coisas envolvidas nessa operação terão deduções. Desta forma, a alíquota de 15,9% vai quase incidir sobre a diferença do preço de venda e o custo de aquisição, falando de forma bem simplificada. Então, na compra e venda, esses 15,9% não vão incidir sobre o valor cheio da venda do imóvel”, pondera.
Diante disso, a tributação no arrendamento de terras deverá ser maior. Já que a base de cálculo para o arrendamento é o valor da operação, que estará sujeito ao IBS e à CBS, estimada em 10,6%.
No entanto, a profissional de direito tributário chama a atenção para a diferenciação entre arrendamento e a parceria rural, que pode confundir contribuintes. “A parceria rural terá um outro modelo de tributação. É uma exploração de atividade rural, por meio de parceria”, diz.
Setor imobiliário vê aumento da informalidade
As mudanças na carga tributária trazem preocupação ao setor imobiliário, especialmente para quem atua com propriedades rurais.
O diretor da Nilo Imóveis Rurais, Nilo Ourique, avalia a reforma tributária como “muito confusa” para o setor. Além disso, para ele, pode resultar em aumento da informalidade.
“Vai virar muito ‘contrato de gaveta’. Se for aprovada a lei, eu compro um imóvel seu. Ao invés de irmos lá e fazer a escritura do imóvel, vamos fazer um contrato de compra e venda (do imóvel) e não registramos. A informalidade da compra e venda vai aumentar”, observa.
Ao AgFeed, Ourique alerta que a prática, se adotada, deixará o comprador “descoberto”. “É aquela velha história. Só é dono quem registra. E nesse formato, o comprador não vai registrar a compra do imóvel e vai provocar insegurança jurídica”, pondera.
Ele ainda chama a atenção para os casos de inventário, no qual o novo sistema de tributação poderá levar famílias a disputas judiciais com quem compra, vende ou arrenda terras.
Além disso, o diretor da Nilo Imóveis acredita que, inicialmente, a nova tributação deverá “assustar” e levar os contribuintes a não fazerem negócios. “Depois, vem a valorização do mercado como um todo porque as pessoas vão querer embutir no valor final do imóvel as alíquotas”, acrescenta.
Peso tributário aumenta
Em uma conta bem simplificada, Ourique diz que, comprando um imóvel rural a R$ 10 milhões hoje, considerando o ITBI, de 2% a 3%, mais os custos de cartório e registro do imóvel, o valor total de venda terá um acréscimo de 4%, indo a R$ 10,4 milhões.
Enquanto com a nova tributação, caso o imóvel esteja enquadrado no grupo que poderá ter uma dedução de 40%, a operação poderá ter um acréscimo mínimo de 10% sobre o valor final, indo a R$ 11,4 milhões, incluindo o ITBI e os gastos com cartório.
“Isso considerando a compra de um imóvel. Na venda, será preciso saber quanto será o ganho de capital do vendedor. Mas isso é outra história. Assim como a questão dos tais descontos que a reforma tributária prevê. Adianto que a maioria dos meus clientes, hoje, não se enquadra nos grupos de desconto (de 40% e de 60%)", diz o diretor da Nilo Imóveis.
Nos casos de arrendamento, Ourique calcula que, a exemplo de uma área total de 100 hectares, com 70 destinados à arrendamento, paga-se 840 sacas por ano, somando R$ 109,2 mil ao ano.
“Para quem está arrendando a terra, a renda mensal pode cair de R$ 9.100, valores de hoje, para R$ 6.688 com os novos impostos. E quem está pagando o arrendamento, pode ter que pagar duas sacas a mais por hectare para arcar com o custo da nova tributação”, observa.