Reduzir a dependência que o Brasil ainda tem dos fertilizantes importados é desafio que já passou por diferentes governos, com as diversas versões de projetos nacionais, mas que agora a gestão atual tenta materializar no Plano Nacional de Fertilizantes, o chamado PNF, aprovado no final do ano passado.
O plano é coordenado pelo Confert, Conselho Nacional de Fertilizantes e Nutrição de Plantas, que agrega sete ministérios, incluindo pastas como Indústria e Comércio, Fazenda e Agricultura, além de Embrapa, Petrobras, e as confederações da indústria e da agricultura, CNI e CNA.
Na última semana, se alarde, foram publicadas no Diário Oficial da União duas novas resoluções do Confert, que confirmam decisões do conselho tomadas em sua mais recente reunião, que ocorreu no fim de junho. Os documentos são assinados pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, que é o presidente do Confert, já que o MDI (Ministério da Indústria e Comércio Exterior) é o líder do PNF.
Uma delas trata da criação do chamado Centro de Excelência em Fertilizantes e Nutrição de Plantas (CEFENP), com potencial para se tornar uma espécie de “Embrapa” com foco mais industrial e mercadológico. Ele está sendo planejado a partir do exemplo de um órgão que existe nos Estados Unidos, o chamado IFDC, International Fertilizer Development Center, na sigla em inglês.
“Nós não estamos inventando a roda. Os EUA fizeram isso na década de 1980 porque perceberam que fertilizante era um insumo fundamental para a segurança alimentar. E que iriam depender da importação de alimentos porque não tinham tecnologias suficientes para os fertilizantes funcionassem melhor em seus ambientes”, afirmou José Carlos Polidoro, assessor de Programas Estratégicos da Secretaria Executiva do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), em entrevista exclusiva ao AgFeed.
Polidoro é um especialista em solos e fertilizantes, com longa carreira na Embrapa, mas com diversas passagens pelos órgãos de governo, em Brasília. Hoje é o “embaixador” do Plano Nacional de Fertilizantes no Ministério da Agricultura e um dos principais envolvidos na criação do centro de excelência.
O objetivo principal do PNF é reduzir a importação de fertilizantes no Brasil dos atuais 85% para 50% até 2050. Para isso, estabelece cinco diretrizes, 27 metas e 168 ações para curto, médio e longo prazos.
Alguns dos “compromissos” já precisam ser demonstrados em 2025, de acordo com o texto do plano. Por isso, o governo corre para mostrar que a produção nacional de fertilizantes já está crescendo e que os itens citados no projeto começam a sair do papel.
A segunda resolução do Confert publicada na semana passada estabelece critérios para quem quiser entrar na chamada “carteira de projetos estratégicos”. São iniciativas que vão desde projetos de grupos empresariais para reativar ou construir novas fábricas até investimentos em pesquisa ou infraestrutura e logística.
Um dos critérios obrigatórios é “estar em fase avançada de planejamento, implantação ou em operação efetiva, destacando-se o potencial de aumento da capacidade produtiva nacional de fertilizantes”.
Uma terceira resolução do Confert – e até mais importante - deve ser publicada em breve no DOU com a lista de projetos que já estão compondo a carteira.
O AgFeed apurou que são pelo menos 60 itens, que contemplam boa parte das iniciativas já conhecidas no País para aumentar a produção principalmente do chamado NPK, fertilizantes a base de nitrogênio, fósforo e potássio.
Destravando investimentos bilionários
A carteira de projetos é um eixo importante do plano, que vai testar a capacidade do governo de acelerar iniciativas de investimentos que seguem lidando com obstáculos para virar realidade.
“Empresas e órgãos públicos indicaram quais os projetos mais importantes, que fazem parte da carteira, e agora o conselho vai trabalhar caso a caso. É uma ação de impulsionamento e não de financiamento, porque o Confert tem só o poder de governança. Mas isso é algo que não acontecia há 40 anos”, afirmou Polidoro.
Um dos projetos mais emblemáticos dessa situação de “entrave”, que estará na carteira a ser divulgada, é a iniciativa para a produção de potássio no município de Autazes, no Amazonas, que envolve investimentos de US$ 2,5 bilhões ou quase R$ 14 bilhões pela cotação atual.
A empresa responsável pelo projeto de Autazes, a Potássio do Brasil, enfrenta uma batalha judicial há pelo menos 8 anos. As últimas licenças foram concedidas em abril pelo Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (Ipaam), mas a iniciativa segue sendo questionada na justiça.
O Ministério Público Federal alega que há riscos para territórios e povos indígenas, mas José Carlos Polidoro discorda.
“Lá não é terra indígena. Não se pode nem fazer pesquisa mineral em terra indígena, é proibido pela Constituição Federal, só com autorização do Congresso Nacional. É um problema que aumenta o custo brasil”, afirma.
Segundo o assessor do Mapa, a visão do presidente do Confert, Geraldo Alckmin, e também da pasta liderada por Carlos Fávaro é que “Autazes é um projeto de extremo interesse para a agricultura brasileira, porque tem um potencial muito grande de aumentar oferta nacional de fertilizantes para uma região que é extremamente produtiva, como Mato Grosso e Rondônia”.
Para ajudar a resolver o imbróglio, segundo ele, a Advocacia Geral da União tem atuado e o Confert vem conversando com todos os órgãos envolvidos, federais e estaduais.
“Se amanhã for provado que lá é uma terra indígena, não seremos favoráveis. Mas até então, não tem evidência disso e a posição do Mapa é que esse projeto tem que ser implementado”. Na visão de Polidoro, o projeto está “em prioridade alta” e “vai ser resolvido”.
Outro projeto que está recebendo atenção é de iniciativa da Galvani Fertilizantes, para a produção de fosfatados em Santa Quitéria, no Ceará.
Em entrevista ao AgFeed, em outubro do ano passado, a empresa confirmou que aguardava as últimas licenças para investir R$ 2,3 bilhões na região e passar a produzir 1 milhão de toneladas de fertilizantes fosfatados por ano em sua nova unidade. O projeto é uma parceria com a Indústrias Nucleares do Brasil (INB).
Polidoro citou números atualizados sobre o projeto, que pode levar investimentos de R$ 4 bilhões para a região quando estiver operando. Lá, um dos entraves, segundo ele, é uma distância de 200km de povos originários que estaria bem acima do que a regra define.
As empresas estariam investindo, inclusive, numa adutora de água, que vai abastecer a indústria e também um total de 200 mil habitantes.
“Mesmo assim, tem o Conselho Nacional de Direitos Humanos, que faz um movimento político e ideológico, alega que lá vai ter urânio associado ao fosfato e a licença não é liberada porque envolve órgãos como Ibama e Conselho Nacional de Energia Nuclear”, diz o representante do Mapa.
Esse é mais um projeto da carteira do Confert e que dará trabalho aos membros do conselho. “Vamos resolver essa situação. Não pode uma empresa que já investiu R$ 1 bilhão ficar com esse capital imobilizado, perdendo dinheiro, o Brasil importando fertilizante e a região não se desenvolvendo”, alertou.
O assessor diz que o Confert já está procurando os órgãos envolvidos para pedir uma resposta formal. O conselho, segundo ele, por ser “ministerial”, tem poderes semelhantes ao Conselho Monetário Nacional, mas dentro da sua área específica.
“A ideia é impulsionar os projetos da carteira dentro das condições do governo, do Confert, tanto políticas, quanto econômicas, ou legais. Se problema estiver no Ibama, falaremos com o Ibama. Se for no Mapa, vamos ao Mapa. Se é dinheiro, vamos falar com BNDES e se é no estado, vamos conversar com as secretarias do estado ou município”, explicou.
Expectativa de R$ 150 bilhões
Para atingir as metas do PNF, de reduzir as importações para 50%, Polidoro acredita que serão implementados “entre 15 e 20 projetos para ampliar a produção nacional”.
Segundo ele, estudos feitos pelo próprio setor privado indicam a necessidade de investir R$ 45 bilhões até 2030 e, até 2050, um total entre R$ 100 bi e R$ 150 bilhões. Cada planta de grande porte demandaria entre US$ 1 bilhão e US$ 3 bilhões.
“São grandes oportunidades para o País, já temos os projetos mapeados e eles entraram na carteira voluntariamente, foi uma adesão alta e imediata”, ressaltou.
Polidoro acredita que quando chegar o momento da revisão do PNF, em 2025, as metas parciais estarão atingidas. Ele prevê que a produção nacional de fertilizantes cresça entre 10% e 12% já na safra 2025/2026, em função dos projetos que já vem sendo feitos.
É fato que para chegar lá o governo conta também com os investimentos da Petrobras. A estatal já anunciou em abril deste ano a decisão de retomar a sua produção de fertilizantes nitrogenados em Araucária, no Paraná.
“A Petrobras, provavelmente até o fim do ano, vai anunciar retomada da planta de Três Lagoas (Mato Grosso do Sul). Não deve ficar pronta em 2025, mas vai retomar”, afirmou o integrante do Mapa.
Em relação aos nitrogenados, o que segue indefinida é a situação da Unigel que, em 2019, arrendou plantas da Petrobras em Sergipe e na Bahia, mas enfrenta dificuldades financeiras. O PNF citava a possibilidade da Unigel quadruplicar a produção anual na unidade de Camaçari, mas operações por lá estão suspensas. O impasse foi criado em função do custo elevado do gás natural, segundo a empresa.
De qualquer forma, outros projetos se concretizaram, lembrou Polidoro. A Eurochem inaugurou esse ano uma fábrica de fosfatados na Serra do Salitre, Minas Gerais, com investimentos de US$ 1 bilhão. Já a Mosaic anunciou investimentos de R$ 800 milhões para ampliar produção de potássio em Sergipe.
“Só nesses projetos, já temos garantido um aumento de 10% na produção nacional”, disse. A expectativa é de que a produção total de fertilizantes do Brasil suba dos atuais 7 milhões de toneladas – já contando com a Eurochem – para 8,5 milhões de toneladas em 25/26.
O AgFeed apurou que também está em estudo a viabilidade de uma fábrica de nitrogenados em Mato Grosso. Recentemente, o ministro Carlos Fávaro esteve na Bolívia, assinando acordos de cooperação na área de fertilizantes. O projeto poderia contar com o uso do gás natural da Bolívia.
Polidoro também acredita no crescimento dos investimentos em fertilizantes especiais e bioinsumos, ligados à nutrição.
“Toda a semana abre uma fábrica de fertilizante orgânico ou organomineral no Brasil ou bioinsumos. Esse setor está explodindo. Hoje são mais de 400 empresas e vão aumentar de forma exponencial. Isso tudo é impacto do PNF porque Finep, BNDES e o setor privado estão colocando muito dinheiro”, acrescentou
Nova “Embrapa” deve ter investimento de R$ 300 milhões
O Centro de Excelência em Fertilizantes e Nutrição de Plantas (CEFENP) será criado de forma virtual ainda este ano e passa a ter unidades físicas em 2025, segundo Polidoro.
Assim como no órgão americano que inspirou a iniciativa – o IFDC – a intenção é aplicar recursos públicos no começo e depois passar a contar com maior participação do setor privado.
O assessor do Mapa disse ao AgFeed que a iniciativa envolve investimento de R$ 300 milhões ao longo de 4 anos.
Para 2024, já haverá um aporte entre R$ 30 milhões e R$ 40 milhões por meio do envolvimento dos estados, que por enquanto são Rio de Janeiro, São Paulo e Mato Grosso.
“Essa versão virtual do centro, que começa este ano, é um marketplace, uma plataforma onde já poderá haver negociações, cursos, treinamentos e acesso a tecnologias existentes no Brasil, para implementar novos projetos”, disse.
Ele espera que os 7 hubs previstos no projeto estejam funcionando fisicamente até 2028. O polo “coordenador”, com mais infraestrutura, ficará no Rio de Janeiro, onde contará com uma planta piloto que vai ajudar a escalar as novas tecnologias.
O centro começa com foco na demanda brasileira, mas também deverá atuar na América do Sul e outros países de clima tropical, como na África.
“Queremos tirar o Brasil de uma situação de importar mais de 90% das tecnologias que são usadas nos produtos e nos processos. É uma dependência pior do que importar matéria-prima. Commodities você acha em qualquer lugar do mundo. Tecnologia não, se paga, quando se pode pagar e quando alguém está disposto a vender ou licenciar”, afirmou Polidoro.
Ele diz que a meta de reduzir para 50% as importações de matéria-prima é diferente do objetivo nesse pilar tecnológico, onde a intenção “é extinguir a dependência”.
“É ter grande parte do nosso parque industrial, grande parte da técnica usada no campo, do produto, sendo embarcado com tecnologias desenvolvidas para o ambiente tropical brasileiro, queremos fazer essa inversão até 2030”.
O plano é tornar um centro em uma “instituição autônoma”, provavelmente no modelo chamado de “Oscip”, Organização da Sociedade Civil de Interesse Público.
“O centro de excelência vem pra cobrir uma lacuna que a Embrapa não consegue cobrir, nem a universidade nem a empresa privada consegue cobrir. É fazer com que tecnologia saia da prateleira e vá para indústria e para o campo”.
Ele explica que a ligação entre uma pesquisa pública e o aproveitamento no setor privado envolve processos mais complexos e demorados, por isso acredita que o centro vai ajudar a conectar instituições como Embrapa com indústrias, com mais celeridade. “Não é uma estatal nova, já começa com modelo público e privado”.
Segundo uma reportagem do jornal O Globo, o CEFENP será instalado no Parque Tecnológico da UFRJ. O texto diz que, a partir destes investimentos, há expectativa de instalação de duas fábricas de fertilizantes no local, com investimentos de R$ 4,6 bilhões.