O aumento na demanda de insumos agrícolas e a oscilação dos preços destes produtos cada vez mais atraem os criminosos a também “investir” no agronegócio.

Um dos setores que está em alerta é a indústria de fertilizantes. O AgFeed teve acesso, com exclusividade, a um levantamento feito pela Anda, Associação Nacional para Difusão de Adubos, junto a boa parte de seus associados.

O objetivo era mapear com mais detalhes os registros de casos como roubos, furtos e adulteração de fertilizantes no Brasil.

Os dados mostram que, de janeiro a julho de 2024, houve um aumento de 133% nos roubos e furtos na comparação com o mesmo período do ano anterior. Quanto às adulterações, o avanço foi de 20%.

O relatório da Anda indica que entre janeiro de 2021 e julho de 2024 foram registradas 420 ocorrências, que totalizaram prejuízos de R$ 43 milhões para as empresas.

“O consumo de fertilizantes no Brasil vem aumentando ano após ano. E, aliado a isso, nós temos também fatores externos, como preço do petróleo, preço do gás natural, fatores até geopolíticos que elevam o preço do fertilizante para cima. Quando a gente combina a alta demanda com o preço alto, você acaba gerando incentivos para que a criminalidade volte as suas ações para esse setor”, explicou Rafael Marson, coordenador do Comitê de Security da Anda, em entrevista ao AgFeed.

A relação entre o fertilizante mais caro e o aumento nos roubos pode ser comprovada pelos números de 2022. Na época os preços destes produtos dispararam com o conflito entre Rússia e Ucrânia e a expectativa de escassez no fornecimento, globalmente.

De janeiro a julho daquele ano, foram 60 roubos e furtos, o recorde já registrado até agora. No ano passado a Anda contabilizou 49 ocorrências desse tipo no mesmo período. Já em 2023, quando os preços haviam caído, foram apenas 21 casos.

Além do simples desvio de cargas, que depois são vendidas aos agricultores por preços mais baixos, outro crime frequente é a adulteração.

O fósforo, por exemplo, uma das cargas visadas pelos criminosos, às vezes é substituído por sacos de areia nos caminhões. Há relatos até mesmo de pequenas pedrinhas pintadas de azul para substituir o cloreto de potássio.

Os dados da Anda indicam 41 casos de adulteração entre janeiro e julho de 2024, contra 34 no período anterior.

Nem todas as empresas associadas da entidade participaram da pesquisa. Os executivos dizem que é um trabalho árduo para coletar as informações e contabilizar, por isso o período está restrito até julho do ano passado. De qualquer forma, a visão é de que “há um grande potencial” para 2024 como um todo ultrapassar o recorde de ocorrências registrado em 2022.

Os produtos mais roubados, furtados e adulterados, segundo o levantamento, são as misturas NPK, produtos premium, MAP, cloreto de potássio e ureia.

Em volume, o total de fertilizante roubado e adulterado de 2021 até agora, pelos dados da pesquisa, ficou em 14,2 mil toneladas.

Rafael Marson, coordenador do Comitê de Security da Anda

Ações de prevenção

A primeira “reação” do setor em relação ao problema foi a criação deste grupo específico para tratar de segurança, que tem se dedicado à prevenção de roubos e adulterações, por meio de ações de conscientização junto ao poder público, empresas e agricultores.

Com base na pesquisa, a Anda procurou identificar regiões geográficas com maior incidência de crimes, para estabelecer um plano de ação.

Marson contou ao AgFeed que já fez reuniões, junto com o diretor executivo da entidade, Ricardo Tortorella, com lideranças de estados como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná e Maranhão. “Temos pedido mais empenho e maior mobilização das autoridades”.

No caso dos roubos e furtos, a maior incidência foi registrada no Maranhão, que teve 56 casos desde 2021. Também tiveram números significativos os estados do Paraná, São Paulo e Mato Grosso.

O problema ocorre principalmente em função dos portos, por onde chegam os fertilizantes importados, especialmente Santos e Paranaguá. Portanto o roubo não ocorre somente da fábrica até a fazenda, mas também do porto até a fábrica e também na distribuição.

Já as adulterações de fertilizantes ficaram mais concentradas em três estados: Mato Grosso do Sul, Paraná e São Paulo. Dos R$ 43 milhões em prejuízos, um total de R$ 14 milhões foi registrado em solo paranaense.

Entre as ações que têm sido feitas, Marson destaca webinar com autoridades “para criar mais consciência de como detectar esse tipo de problema e quem acionar”, incluindo agentes da Receita Federal, que fiscalizam rodovias e o transporte de cargas.

O executivo diz que no sistema de transporte de cargas está boa parte do problema, por isso o contato também tem sido intenso com as transportadoras, incentivando o uso de rastreadores e maior controle na contratação de motoristas.

Na indústria de defensivos químicos, que envolve produtos de maior valor agregado e preços bem mais altos, nas últimas décadas as empresas reforçaram operações de segurança, com dispositivos que limitam até a mesmo a decisão do motorista de qual posto parar e em qual horário, por exemplo.

Nos fertilizantes, Marson diz que as empresas também estão sendo obrigadas a investir bem mais nessa área, inclusive criando departamentos de segurança que antes não existiam.

“E esse ano a gente quer produzir uma cartilha com recomendações para produtores rurais de como identificar produtos com sinais de fraude, quais são as primeiras ações que esses produtores devem tomar para se proteger desse tipo de delito”, disse.

Nesse sentido, o coordenador da Anda recomenda que os produtores solicitem testes dos produtos que recebem nas fazendas. Muitas vezes o próprio agrônomo já seria capaz de identificar algum tipo de adulteração no fertilizante ou por meio de análise de laboratório ou do fabricante.

“Para alguns fabricantes que não têm essa facilidade, não têm profissionais que possam fazer esse teste, o produtor pode buscar laboratórios agronômicos locais, que têm essa experiência, têm condições técnicas de fazer esse tipo de análise, ou mesmo procurar o auxílio do profissional agronômico da fazenda dele, que tem esse tipo de experiência técnica para detectar se o produto conta com os nutrientes que deveria ou não”, afirma.

Na visão da Anda, o maior prejudicado com os roubos e adulterações é o produtor rural, já que os ilícitos interceptados antes da aplicação da lavoura entram na estatística, mas nas cargas que entram nas fazendas o crime estaria compensando.

Outro alerta é que, em tempos de margens mais apertadas, produtores podem sair em busca de fornecedores alternativos, que ofereçam preços mais baixos. Esse comportamento aumentaria o risco de comprar cargas roubadas ou mesmo produtos que jamais serão entregues, lembrou o executivo.

“O produtor deve se certificar de que está comprando de fontes confiáveis, para não cair em golpes e desconfiar de ofertas milagrosas”.