Os 1.207 novos funcionários previstos para serem contratados via concurso da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) devem encontrar um clima ruim entre seus colegas de firma.

Isso porque um memorando assinado por ao menos oito chefes-gerais das 43 unidades pede o fim do modelo híbrido de trabalho na Embrapa. O texto, obtido pelo AgFeed, criou um debate nem sempre amistoso entre funcionários da estatal.

O documento “Considerações sobre o Teletrabalho na Embrapa” foi elaborado pelo chefe-geral da Embrapa Arroz e Feijão da estatal, Élcio Perpétuo Guimarães, e deve ser encaminhado à diretora de Administração, Selma Lúcia Lira Beltrão. Mas, antes mesmo do envio formal, já circulou e gerou controvérsia em grupos de WhatsApp de funcionários.

Com duas páginas, os defensores do trabalho 100% presencial na Embrapa até citam, nos três primeiros itens, os benefícios do trabalho não-presencial e híbrido.

Segundo o texto, o teletrabalho permite economia de tempo com deslocamentos de funcionários, “o que pode contribuir para um maior equilíbrio entre vida pessoal e profissional, com consequente aumento em produtividade”.

Além disso, com menos gente trabalhando, há “menor necessidade de energia elétrica” e a “redução do uso de transporte pode resultar em uma diminuição nas emissões de gases poluentes”, cita o memorando.

Mas, em outros 16 itens, o documento tenta justificar a obrigatoriedade do trabalho 100% presencial para todos os funcionários. O primeiro informa que “não foi observado um ganho significativo em eficiência”.

E prossegue: “Embora possam existir casos isolados de aumento de produtividade, o comportamento geral dos colaboradores não demonstra um desempenho superior ao regime presencial”, relata o documento.

No entanto, segundo os críticos, não há qualquer dado que justifique o aumento da produtividade ou eficiência em retornar ao presencial – e essa seria a principal fonte de contestação de funcionários favoráveis ao regime híbrido nos grupos de WhatsApp.

“Melhor não publicar sem verificação estatística”, relata um dos colaboradores da Embrapa. “Este documento é muito falacioso, não tem dado nenhum sobre como essa 'análise do teletrabalho' foi feita, a pedido de quem? Com base em quais critérios (que não seja o nariz torcido de funcionários)?”, completa outro integrante do grupo.

Nos itens seguintes, o autor e os signatários sustentam – também sem dados estatísticos, reclamam os defensores do teletrabalho – que a falta de contato direto entre os membros das equipes diminuiu a troca espontânea de ideias, o que pode impactar a inovação e o trabalho colaborativo.

“Embora haja um dia de presença obrigatória na maioria das unidades, a concentração de reuniões nesse dia acaba consumindo o tempo, tornando difícil realizar interações além dos temas abordados nas reuniões”.

Também sem trazer números, o texto informa que a frequência dos colaboradores em campo diminuiu, o que pode afetar a qualidade do trabalho de campo, e que “o acompanhamento dos trabalhos de laboratório e campo por parte de pesquisadores e analistas tem diminuído”.

Outra informação apontada no documento “dá conta que o setor produtivo já começa a ver-nos como trabalhadores de apenas três dias semanais”. “Embora não existam evidências fortes sobre isso, já ouvimos comentários sobre essa ‘benesse’ da Embrapa”, informa.

Mais uma vez, o outro lado questiona a falta de comprovação da afirmação. “É triste ver a assinatura de um chefe-geral encabeçando esse documento tão mal escrito, sem dados concretos, demonstrando apenas a posição contrária ao teletrabalho”, resume outro funcionário.

Um dos itens mais polêmicos do documento é o décimo, o qual versa sobre a falta de uma regra clara sobre o retorno do teletrabalho integral nos casos de pais que acompanham filhos menores de idade com necessidades especiais.

De acordo com o documento, a norma não estabelece um processo para reavaliar ou comprovar a continuidade da necessidade de acompanhamento ao longo dos anos.

“Quem escreveu esse item 10 claramente não faz ideia nem procurou informações sobre a realidade de cuidar de um filho ou filha com deficiência”, criticou um funcionário.

Entre outras considerações, o documento sustenta que funcionários que trabalham em casa teriam vantagens com custos reduzidos com locomoção, alimentação e vestuário, quando comparados aos funcionários que precisam se deslocar diariamente até as unidades.

“Essa diferença pode gerar percepções de desigualdade entre os dois grupos, especialmente considerando as demandas e custos adicionais enfrentados pelos que estão presencialmente”.

Na conclusão, o autor do memorando sustenta que existem evidências de que a ferramenta apresenta vantagens, mas “os desafios identificados apontam para limitações significativas como a falta de ganhos claros em eficiência, o impacto negativo na interação e colaboração entre equipes, a redução do acompanhamento presencial em atividades de campo e laboratório, e uma percepção pública potencialmente prejudicial à imagem da Embrapa”.

“Esses fatores, somados a questões práticas como dificuldades de comunicação, desigualdades percebidas entre os regimes presencial e remoto e desafios operacionais nas unidades, indicam que o modelo de teletrabalho, na forma atual, não tem atendido plenamente às necessidades da instituição. Portanto, sugerimos que a Embrapa não deveria seguir implementando o teletrabalho”, concluem.

Autor da carta e primeiro dos signatários, Élcio Guimarães disse, por meio de mensagem ao AgFeed, que o memorando é “um documento interno e que não foi concluído, pois foi levado a público antes de que o mesmo fosse finalizado”, relatou. “Assim sendo, não gostaria de comentar sobre o mesmo”.

A Embrapa confirmou que a Diretoria de Administração, responsável pela coordenação do teletrabalho na empresa, ainda não recebeu oficialmente o documento e, portanto, aguarda o seu encaminhamento, pelos canais legais, para se posicionar.

“Mas a diretoria considera que a manifestação de empregados e gestores a respeito de programas, modelos e ações promovidas pela Empresa é legítima e saudável para o estabelecimento de um ambiente de trabalho democrático”.

A Embrapa cita ainda que o teletrabalho híbrido é a modalidade de teletrabalho escolhida pela estatal por ser a que mais se adequou às necessidades da empresa e à diversidade de atividades realizadas em nossos centros de pesquisa.

Cada unidade da Embrapa formalizou um plano de implementação local, para definir a programação de atuação presencial, observando o limite mínimo de empregados para cada um dos setores e quais atividades podem ou não aderir ao trabalho híbrido.

Segundo a estatal, supervisores fazem avaliações quadrimestrais sobre os resultados do trabalho híbrido e que a periodicidade, o percentual e as excepcionalidades estabelecidas poderão ser modificados a qualquer tempo por decisão da Diretoria-Executiva.

“A Embrapa assumiu o compromisso com o Conselho de Administração da Empresa e com o conjunto de seus empregados de fazer uma avaliação geral, ao término do primeiro ano de execução do teletrabalho híbrido, o que deverá ocorrer no final do primeiro quadrimestre de 2025”, concluiu.