Poucos são os segmentos das cadeias produtivas de grãos que estão conseguindo atravessar 2023 com resultados positivos. No setor de armazenagem não tem sido diferente.

A necessidade de novos silos e armazéns para estocar safras recordes nunca foi tão premente. Os preços mais baixos das commodities e o ritmo lento na comercialização da soja e do milho, porém, fazem com que a demanda continue reprimida, sendo os principais fatores que afetam os números das empresas.

O balanço da líder do setor de pós-colheita, Kepler Weber, já mostrou esta realidade com queda nos lucros reportados nos dois primeiros semestres do ano – embora a empresa acredite que a retomada das encomendas comece ainda este ano.

Uma das principais concorrentes da Kepler, a catarinense Pagé, vem enfrentando muitos desafios nos últimos anos e seus principais executivos, ouvidos pelo AgFeed, estão cautelosos.

“Os produtores compraram insumos caros e venderam soja barata [na safra 22/23], preços que ainda seguem caindo no início da nova safra”, afirma o supervisor comercial Amilcar Rostro, ao justificar o freio nos investimentos do campo nos componentes fabricados por esse setor de bens de capital.

A queda nos negócios, já esperada pela companhia que possui uma única planta em Araranguá, Santa Catarina, tem um lado mais visível: são os dados de inadimplência rural que impactaram diretamente a decisão de investimentos dos agricultores, como consequência de mais de 20% de queda nos preços da soja e 30% no milho, no acumulado de 2023, segundo o Cepea.

Dados do Monitor RGF de Recuperação Judicial (RJ), da assessoria financeira RGF, registraram cerca de 160 grupos empresariais, apenas do estado do Mato Grosso, com pedidos aprovados entre julho e agosto. Em paralelo, a Serasa apontou 24% de CPFs e CNPJs rurais com débitos em aberto em agosto.

Diante desse cenário, a Pagé “não teria como escapar”, completa o executivo da companhia, se recusando a definir o quanto a empresa espera de redução nas vendas este ano e o quanto o ambiente entre os agricultores pode afetar a carteira de pagamentos que a Pagé já vem rodando.

A luz no fim do túnel já está piscando para 2024, segundo a companhia. Claro que não acendeu totalmente, explica outro líder comercial da Pagé, Hamilton Pessetti, porque as condições de comercialização da safra 2023/2204 ainda não estão tendo suporte em cotações.

O mercado, porém, começou a ficar mais oxigenado de recursos. Ao final de agosto, o Programa para Construção e Ampliação de Silos (PCA) começou a sair para os bancos repassadores. São R$ 5,13 bilhões no bojo do Plano Safra 2023/2024, a juros de 7% para investimentos até 6 mil toneladas de armazenagem e de 8,5% acima daquele teto de capacidade.

A rigor, esse desembolso subsidiado passou a ser escoado atrasado, afirmaram os executivos da Pagé, já que o Plano Safra foi anunciado em junho, o que teria encurtado em pelo menos dois meses a melhora no mercado de silos.

O otimismo para 2024 vem por esse caminho. A Pagé já colhe mais consultas de interessados e alguns negócios retomaram negociações, nas principais bases da empresa no Brasil. Os executivos, por enquanto, não abrem as projeções da empresa para o ano que vem.

Qualquer que venha a ser o ganho setorial que 2024 poderá comprovar para a Pagé, ou para os concorrentes, estará longe de arranhar a capacidade de crescimento do setor ou, dito de outro modo, de melhorar sensivelmente o déficit de armazenagem para as commodities agrícolas.

Amilcar Rostro lembra que este ano há um volume de 125 milhões de toneladas de grãos estocadas improvisadamente em bags ou a céu aberto – em cenas bastante divulgadas nesta recente colheita do milho de inverno.

Os números estão em linha com as avaliações da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas (Abimaq) e da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), em encontro recente em Brasília.

Assumindo que a safra 2022/2023 foi recorde em soja e milho – que respondem por cerca de 75% a 80% da armazenagem no Brasil -, e os investimentos em novos equipamentos caíram, o déficit subiu ante as 93 milhões de toneladas de 2022.

A temporada 2023/2024 está sendo plantada com perspectivas de novos recordes. Na soja, a produção projetada em 164 milhões de toneladas deve engordar esse gargalo brasileiro, a não ser que um prejuízo climático venha a ocorrer, algo que ainda não pode ser dimensionado.

Crescimento Pós-RJ

A Pagé saiu da Recuperação Judicial ao final de 2017. O pedido foi acatado pela Justiça em 2013, cujas dificuldades teriam sido atribuídas aos problemas sucessórios e a prejuízos com derivativos cambiais carregados desde a crise das subprimes de 2008, conforme publicações da época.

A companhia familiar dos Pascoali não faz nenhum comentário sobre esse período e se há reflexos ainda hoje, mas pela afirmação de Amilcar Rostro e Hamilton Pessetti a situação foi equacionada porque a empresa teria crescido “entre 10% e 12% até 2022”.

À época da crise da Pagé, o último balanço conhecido publicamente foi de R$ 150 milhões. Considerando, portanto, avanço anual no piso mais baixo, de 10%, a companhia de silos deve ter consolidado resultados brutos ao redor de R$ 225 milhões no ano passado, descartando outras rubricas possíveis, como ganhos financeiros.

Rostro também afirma que a Pagé aproveitou o período de crescimento, pós-RJ, para melhorar os processos produtivos, investir em tecnologia e diversificação do portfólio – como no negócio dos portos, ganhando produtividade, “sem recorrer a empréstimos bancários”.

Ao mesmo tempo, investiu esforços em exportações, que atualmente representam entre 15% e 20% dos negócios do grupo.