Todos os anos, enquanto ainda estamos sob os efeitos de sua passagem, recebemos uma conta que não é nada auspiciosa.
Uma conta que não tem a ver com a virada de página no calendário, mas sim com a perda de 1 bilhão e 300 milhões de toneladas de alimentos ocorridas no ano que recém deixamos.
Imagino que para cada ser humano que habita o planeta, esse número deve ou deveria fazer mal. Para quem produz alimentos, deveria causar muita indignação.
Mas o que me chama a atenção – e queria chamar a sua atenção também – é que essa conta é colocada na nossa mesa há vários anos e os números não mudam.
Um terço de tudo o que é produzido é perdido.
Para quem está no campo significa sementes, água, máquinas, tempo, esforço humano e vários outros itens mais literalmente encaminhados para o lixo. Além, é claro, de muito dinheiro jogado fora.
Mas antes de seguir falando de números aterradores, necessito que estejamos na mesma página para o que significa perda e desperdício de alimentos
A FAO, em 2013, distinguiu perda e desperdício de alimentos (PDA), atribuindo à perda uma diminuição não intencional de alimentos disponíveis para humanos, proveniente de ineficiências nas etapas iniciais da cadeia de produção e abastecimento, enquanto o desperdício se refere à rejeição intencional de alimentos aptos para consumo nas fases finais da cadeia, predominante nas ações de varejistas e consumidores.
Seja como perda ou desperdício, ambas causam enorme problema para todos nós.
Segundo palavras do secretário-geral das Nações Unidas, Antônio Guterres:
“Os sistemas alimentares do mundo estão em pedaços e milhões de pessoas estão pagando um preço caro. Esse é o escândalo de um “mundo de abundância”, que tem milhões de obesos, mas também 2 bilhões de pobres e 3 bilhões que não podem pagar uma alimentação saudável. Perdas e desperdícios devem ser combatidos com uma melhor gestão dos sistemas alimentares para limitar as desigualdades e aliviar a dívida de vários países.”
Alcançamos 8 bilhões de pessoas vivendo nesse mesmo pedaço da galáxia que chamamos de Terra e seremos, não muito longe em tempo, já em 2100, 11 bilhões.
A pressão por mais alimentos só aumentará e, ao mesmo tempo, as cobranças sobre quem tem a responsabilidade de iniciar todo o processo da cadeia alimentar, o campo.
Se hoje quem está no campo sente pressões relacionadas ao uso da terra, como não desmatar, preservar a biodiversidade, cuidar das nascentes de água, uso apropriado de químicos e outros, é certo que isso aumentará de forma exponencial.
A produção de alimentos, por mais que seja realizada de forma responsável e produtiva, seguirá necessitando de área. E essa necessidade poderá estar pressionando áreas onde deveríamos estar preservando a biodiversidade, de que tanto precisamos para manter os complexos sistemas de equilíbrio existentes no planeta.
Se pensamos aqui no Brasil, ano após ano, batemos recordes de safras, recordes de toneladas por hectares. Nosso sistema agrícola segue avançando e desafiando o mundo.
Mas o que não temos nada a comemorar é saber previamente que, de todo esse esforço, um terço será perdido. Jamais chegará ao fim da cadeia de valor, gerando valor nutricional a quem necessita e mantendo o valor econômico dos alimentos
Para completar a tragédia dos números, ao lado de uma perda vergonhosa de alimentos, temos mais de 650 milhões de pessoas vivendo na insegurança alimentar. Não sabem se vão ter o que comer no dia hoje
Mas o que nos faz perder o jogo todos os anos?
A meu ver não se trata de tecnologia, processos, falta de conhecimento ou qualquer outra solução técnica.
Resolver o problema da perda de alimentos exige uma completa mudança do nosso modelo mental. Admitimos a perda como inevitável – e está errado.
Necessitamos estar indignados com essa perda absurda!!!
Junto a uma indignação positiva de não admissão desses números trágicos, necessitamos ter a perda zero como objetivo.
Qualquer número diferente de zero não deve ser admitido. Nosso cérebro deve trabalhar para buscar alternativas e soluções para chegar a zero.
Será fácil ou simples, claro que não. Será necessário e imperativo que consigamos? Claro que sim
Cada elo da cadeia de valor dos alimentos, além de fazer o seu dever de casa e levar a perda a zero, deve cobrar que o elo subsequente garanta perda zero
Não faz o mínimo sentido seguir perdendo, ano a ano, um terço de tudo o que é produzido. Além de ser insano e inconcebível, é totalmente não ético com quem tem fome.
Cada elo da cadeia de valor dos alimentos, além de fazer o seu dever de casa e levar a perda a zero, deve cobrar que o elo subsequente garanta perda zero.
Mas por que isso não acontece hoje?
Porque vivemos na abundância. Podemos dar-nos ao luxo de perder 1.3 bilhão de toneladas de alimentos e mesmo assim ter o que comer.
Mas com uma ressalva: possivelmente todos os que lerão esse artigo jamais passaram ou passarão fome.
Situação totalmente diferente de mais de 650 milhões de pessoas no mundo ou mais de 31 milhões de brasileiros.
Urge que tomemos decisões e nos movamos com a urgência dos que estão passando forme, e não com a morosidade das reuniões em salas com ar-condicionado e fartura de comida.
Já pensou em quantificar a perda de comida em sua casa, família, empresa ou organização em que trabalha?
A solução da perda de alimentos está em nós e, principalmente, em todos que trabalham ou estão em torno da cadeia de valor dos alimentos.
É mais que hora de deixarmos a nossa zona de conforto e trabalharmos juntos para zerar a perda de alimentos.
Não adianta olhar números totalmente inadmissíveis e ficar estático.
A conta irá chegar no próximo ano.
Leonardo Lima é fundador e CEO da Dreams & Purpose e conselheiro de empresas. Engenheiro químico de formação, foi diretor corporativo de Sustentabilidade da Arcos Dorados, empresa responsável pela operação da rede McDonald's na América Latina.