O mundo se tornou um lugar ainda mais perigoso após os ataques do grupo terrorista Hamas às populações civis de Israel no último 7 de outubro. Não se trata apenas de mais um capítulo na longa história de conflito na região do Oriente Médio.

As consequências do ataque escalaram e seus efeitos abalaram a ordem internacional. O sistema internacional, suas alianças e relações de poder estão em xeque.

O termo “Fim da História”, expressão que Francis Fukuyama usou referindo-se à teoria de Hegel de mesmo nome, foi usada na publicação do que veio a ser um clássico “O Fim da História e o Último Homem” em 1992.

O cientista político californiano de descendência japonesa ganhou fama ao argumentar que, com o fim da Guerra Fria e a derrocada do socialismo soviético em 1991, a Democracia Liberal ocidental e a economia de mercado viriam para ficar como a forma suprema dos governos.

Uma espécie de ponto final na evolução social da humanidade. Por isso o “Fim da História”.

Até o ataque das torres gêmeas em Nova Iorque pela Al Qaeda, em setembro de 2001, parecia mesmo que Fukuyama estava certo.

Os Estados Unidos e seus aliados japoneses e europeus ocidentais dominavam um mundo que parecia rumar para a globalização, integração das cadeias produtivas e expansão das liberdades. Mas não foi bem isso o que aconteceu.

Em 2002, os Estados Unidos reorientaram sua política de segurança. Declaram guerra ao Afeganistão e ao Iraque. Iniciaram um processo de endividamento que quase levou o mundo a bancarrota quando a crise do subprime abalou o mercado financeiro em 2007 e 2008.

A “Primavera Árabe” de 2011, quando vários países árabes se rebelaram contra suas lideranças arcaicas e corrompidas no norte da África e no Oriente Médio, ainda parecia ser sinal da “democratização” de um mundo autoritário e antiliberal que caminhavam para o fim da história. Mas também não foi bem isso o que aconteceu.

Durante as últimas duas décadas, dois atores trabalharam, cada um a sua maneira, para subverter a tese idealista de Fukuyama: Rússia e China.

A Rússia de Vladimir Putin revigorou o nacionalismo russo depois da desordem cleptocrata estabelecida por Boris Yeltsin na década de 90. Montado sobre seis mil ogivas nucleares, Putin estabeleceu um modelo autocrático, autoritário e nacionalista que devolveu a autoestima russa.

Com mãos de ferro sobre a economia da energia, o petróleo e o gás russos deram condições de sustentar o regime.

A China por sua vez, seguiu no século XXI, de forma ainda mais vigorosa, o projeto iniciado por Deng Xiaoping em 1978.

Ao adotar o capitalismo de Estado e focar nas suas vantagens comparativas para se tornar a manufatura do mundo, a China se tornou a segunda economia mundial em 2011 e ao final do primeiro quarto do século XXI tornou-se uma potência com interesses e influência econômica em todos os continentes.

Não fosse o suficiente, já era potência atômica desde 1964 e hoje desfruta de capacidade militar de alcance universal.

Os ataques do Hamas geraram uma reação de Israel que obriga o observador externo a entender os alinhamentos entre as grandes potências e potências médias, não apenas para solução do conflito em si, mas todas as outras áreas de tensão ao redor do globo. A lista é longa.

Três são os pontos de maior importância: o atual conflito em Gaza, a guerra na Ucrânia e as tensões em torno da anexação Taiwan pela China continental.

Em segundo plano são mais dois grupos de conflitos de categorias diferentes: aqueles que têm alguma relação com o radicalismo islâmico e aqueles em que há alinhamentos de países terceiros com as potências autocráticas, a dizer, Rússia ou China ou os dois.

O primeiro grupo inclui as ações do Hezbollah no sul do Líbano com apoio explícito do Irã, as ações do Estado Islâmico na Síria e Iraque (ISIS ou ISIL), o retorno dos Talibã no Afeganistão, os xiitas Hutis no Iêmen, o conflito civil entre as forças do general Hafar na Líbia, o crônico conflito civil na Somália, o contencioso na Cachemira entre Índia e Paquistão, o conflito civil dos muçulmanos Rakhine em Myanmar, os muçulmanos chineses Uigures em Xingiang, toda a instabilidade caucasiana com a limpeza étnica realizada no último mês pelo Azerbaijão contra 120 mil armênios em Nagorno-Karabakh, e a região do Daguestão russo onde há milicias separatistas da Chechênia.

Do grupo de alinhamentos antiocidental há a constrangedora aproximação da Venezuela com a Rússia e a crescente tensão na região do Essequibo contra a Guiana, a presença russa no golpe de Estado em Niger, além da ajuda em outros conflitos como em Mali e no Chad desbancando influência da França na região do Sahel.

Os casos não terminam aí.

Se realmente estamos diante de uma Segunda Guerra Fria, considerando a China no papel principal e a Rússia como ator coadjuvante, e se somos parte do grupo que quer defender as liberdades, os regimes democráticos e a economia de mercado, ainda que com suas imperfeições, me parece que estamos perdendo.

A visita de Xi Jinping a Moscou em março de 2023 foi marcante. Nas palavras de Jinping, os dois países irão revisitar algumas injustiças cometidas nos últimos cem anos.

Considerando que Israel está encontrando todo o tipo de dificuldade para aniquilar o Hamas por conta da explícita ação do Irã e relativa resistência das outras potências médias da região, como a Arabia Saudita ou mesmo a Turquia (aliado tradicional do Estado judeu), podemos afirmar que apenas os Estados Unidos estão realmente engajados na detenção do avanço contra Israel.

No conflito na Ucrânia também parece evidente que é impossível uma vitória do Presidente Zelensky. Apesar do apoio explícito da União Europeia e dos EUA, não há recursos disponíveis para seguir no conflito.

A tendência é a ocupação da Rússia de quase um terço do país e o empobrecimento e corrupção do regime ucraniano. Uma situação de impasse crônico deverá durar décadas.

E, finalmente, o que faria o mundo ocidental se a China decidisse hoje cercar ou ocupar ou simplesmente depor o regime de Taiwan?

É essencial entender que o Brasil e o continente Sul-Americano são marginais, no sentido de estar na margem geopolítica e no sentido de importância para o jogo de poder entre as nações

Mesmo uma atuação conjunta de Estados Unidos, União Europeia, Japão e Coreia do Sul seria capaz de deter uma ação combinada de China, Rússia e Coreia do Norte? Não me parece possível.

Dadas as circunstâncias de desordem e tensão no mundo atual, cabe pensar no papel do Brasil. Em primeiro lugar, é essencial entender que o Brasil e o continente Sul-Americano são marginais, no sentido de estar na margem geopolítica e no sentido de importância para o jogo de poder entre as nações.

Isso deveria ser entendido como vantagem, embora o atual governo pareça não ver assim. O tradicional discurso retumbante do atual governo, se apresentando como voluntário de intermediação em grandes conflitos sob um líder populista demagógico, não tem gerado confiança nos seus tradicionais aliados democráticos do mundo livre. E as consequências têm sido pífias.

A política oficial de alinhamentos com regimes autoritários como Cuba, Venezuela, as afirmações relativistas quase adolescentes do Brasil com ações do Irã ou Hamas, e a ilusão do Brasil se considerar um “igual” no âmbito dos BRICs diminuem a capacidade do País de aproveitar boa condição dentro da instabilidade geral.

A condição brasileira de produtor de alimentos, produtor de energia limpa, País com imigração de todos os países e religiões do mundo, além da convivência relativamente pacífica da sociedade, deveriam ser características usadas com sabedoria.

É como se o mundo pedisse ao Brasil que cuidasse bem de sua casa, continuasse a produzir grãos e proteína animal, açúcar e café, etanol, suco de laranja e celulose, frutas vegetais e todo o tipo de alimento, inclusive industrializado, com responsabilidade e sustentabilidade, porque o mundo está precisando e vai precisar.

É como se o mundo estivesse pedindo para o Brasil cuidar da sua gente e oferecesse acolhimento de pessoas deslocadas de todas as áreas sob conflito, abrindo suas portas para gerações de gente jovem em busca de trabalho, liberdade e prosperidade.

É como se o mundo pedisse ao Brasil que se posicionasse com firmeza a favor da liberdade, da democracia, da economia de mercado, da tolerância com as diferenças. Um óbvio alinhamento com o mundo civilizado. É uma oportunidade. Mais uma.

Os governos passam. Os conflitos descritos no quadro atual permanecerão. O Brasil tem a possibilidade de se recolocar no mundo de forma mais inteligente. Depende dos brasileiros.

Christian Lohbauer é cientista político e já foi diretor-executivo de diversas entidades representativas do agro como no setor de exportação de frango (Abef), suco de laranja (CitrusBR) e CropLife Brasil