A invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, completou três anos. Nesse período, os dois países se envolveram em um conflito armado que desafia as regras do Direito Internacional construído a partir do final da Segunda Guerra Mundial.
As soluções buscadas nas convenções internacionais, na Organização das Nações Unidas e nas sanções econômicas não foram suficientes para trazer uma pacificação para a região e as tentativas de acordo de paz promovidas pelo Brasil e pelos EUA não lograram êxito.
A promessa de Donald Trump de acabar com a guerra na Ucrânia, por outro lado, parece estar em vias de se cumprir, ainda que de maneira inesperada e sob muitas críticas.
Assim, nesse momento é interessante analisar qual foi o impacto no agronegócio brasileiro desses três anos de conflito – e o que esperar com o seu possível término.
Sabemos que a invasão da Ucrânia pelas tropas russas fez com que os preços dos grãos e oleaginosas – que já estavam em viés de alta por conta da expectativa de eclosão da guerra desde o anúncio, por Vladimir Zelensky, da intenção de integrar a OTAN – atingisse o pico entre os meses de março e junho daquele ano, batendo o recorde de 361 pontos no índice IGC GOI (International Grains Council Grains and Oilseeds Index) em razão do bloqueio russo aos portos localizados no Mar Negro.
Os preços dos grãos, no entanto, não se mantiveram tão altos em razão da iniciativa das Nações Unidas em acordar com a Rússia e a Turquia um corredor marítimo humanitário para permitir a saída dos navios carregados com alimentos dos portos de localizados no Mar Nego.
Esse acordo, denominado The Black Sea Grain Initiative, foi interrompido pela Rússia em julho de 2023, não antes de aproximadamente 33 milhões de toneladas de grãos terem sido exportadas a partir daqueles portos.
O fim do acordo para facilitar a exportação da produção ucraniana provocou um repique na alta dos preços, mas o restante da produção mundial em alta conseguiu, desde então, trazer os preços para os níveis do final de 2020, em torno de 225 pontos no índice IGC GOI.
Ainda assim, segundo o International Grains Council, a produção de grãos pela Ucrânia diminuiu sensivelmente desde 2022 com uma redução de área plantada de mais de 16%, o que nos leva a crer que, com o final da guerra e a retomada da produção de grãos nessas áreas, o preço mundial dessas commodities, especialmente trigo, milho e cevada, deverá cair mais.
Essa notícia, que pode interessar aos consumidores, deverá trazer preocupação para os produtores brasileiros, porque implicará em margens menores ao final da safra por conta dos custos de transporte, que devem continuar altos.
Com a guerra da Ucrânia, a maioria dos armadores suspendeu os serviços para a Rússia em razão do bloqueio aos portos na região conflitada e por conta das sanções aplicadas a esse país.
Aqui no Brasil, por exemplo, só a MSC praticamente ficou operando esse trajeto no ano de 2023 – ainda que não tenha havido uma redução significativa das exportações brasileiras para a Rússia no geral, salvo pelos produtos exportados por multinacionais que, receosas de retaliação, suspenderam seus contratos, ao contrário das exportações para a própria Ucrânia, que despencaram (principalmente minérios, açúcar e proteína animal), mas já não eram expressivas.
Em 2023, dois novos armadores passaram a operar nesse trajeto, incluindo rotas alternativas via Turquia. Ainda assim, a oferta de navios para o Mar Nego a partir do Brasil continuou impactada negativamente (dados fornecidos pela Trefork.biz).
As rotas marítimas, prejudicadas tanto pela Guerra da Ucrânia quanto pelo conflito na Palestina, tiveram que ser adaptadas e os valores do frete que já vinham elevados desde a pandemia da covid, tanto no transporte de contêineres quanto no transporte a granel, não mostram sinais de queda, sendo mais um elemento de pressão inflacionária em todo o mundo juntamente com os preços da energia (petróleo, gás e carvão), que não devem ceder tão cedo, mesmo que a guerra termine agora.
O agronegócio brasileiro foi em parte favorecido nesses três anos em suas exportações, tanto para a Rússia quanto para outros mercados que se viram desatendidos em razão do conflito.
Ao mesmo tempo em que, nas importações, o Brasil no período comprou da Rússia, mais fertilizantes, combustíveis e aço, o que afastou o medo inicial de um desabastecimento que prejudicasse diretamente a produção brasileira no campo.
O que esperar, então, em caso de cessação do conflito?
De imediato o fim da guerra, nos termos como se está desenhando nesse momento, com a manutenção pela Rússia das terras ocupadas da Ucrânia, não deve trazer impactos para o agronegócio brasileiro, salvo por uma esperada queda nos contratos futuros dos grãos na bolsa de Chicago em expectativa de uma produção maior na próxima safra
O final da guerra pode trazer sim uma reorganização do mercado internacional de commodities agrícolas, mas os ganhos obtidos pelo agronegócio brasileiro nesse período, como a abertura de novos mercados e o fluxo comercial com a Rússia, tendem a se manter.
No médio e longo prazo, no entanto, os preços dos grãos devem cair e as margens ficarem menores, salvo por quebras de safra nos países produtores ou um aumento substancial do consumo por países como a Índia ou, no caso da soja e milho, por uma demanda crescente por biocombustíveis sinalizado pelo projeto europeu de transição energética dentro do Pacto Verde.
Por outro lado, o distensionamento na Europa pode servir para diminuir o custo de energia na produção agrícola naquele continente e acalmar os ânimos dos produtores locais, facilitando o caminho para a celebração do acordo UE-Mercosul.
Finalmente, o resultado das negociações pela paz entre Rússia e Ucrânia terá repercussões políticas no continente americano a partir dos reflexos que o acordo tenha no governo Donald Trump.
Há grandes chances de que o acordo o isole ainda mais, abrindo oportunidades para incremento das relações entre o agronegócio brasileiro e seus clientes internacionais, especialmente europeus.
*Frederico Favacho é sócio de agronegócios do Santos Neto Advogados