Chocados com os efeitos das queimadas gigantes nos Estados Unidos e Canadá, das enchentes decorrentes dos ciclones extratropicais no sul do Brasil, do recorde de temperaturas em dezenas de países ao redor do mundo, estamos nos acostumando a ver diariamente extremos climáticos que afetam milhões de vítimas e provocam pesados prejuízos econômicos e financeiros mundo afora.

O debate sobre os impactos presentes e futuros provocados pelas mudanças climáticas ganha espaço em mentes contemporâneas, alinhadas à melhor ciência, gente que sabe lidar com o passado, reconhecendo sua importância, mas sem deixar que ele nos aprisione em relação a um futuro cada dia mais diferente e desafiador.

Na COP28 dos Emirados Árabes, que acontecerá em Dubai em novembro próximo, será lançada uma iniciativa chamada Food Systems and Agriculture Agenda, ou, em Português, Agenda de Sistemas Alimentares e Agricultura.

Vejam que não se fala de cadeias, mas de sistemas alimentares, aplicando assim uma visão holística sobre todo o espectro da produção ao consumo.

Essa iniciativa nas palavras da presidência da COP28, “convidará os governos nacionais a alinhar os seus sistemas alimentares nacionais e suas estratégias agrícolas, com as suas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs), planos nacionais de adaptação (PAN) e estratégias e planos de ação nacional para a biodiversidade (NBSAP). Também celebrará os países que estão na vanguarda, colocando os sistemas alimentares e a agricultura no centro do processo climático”.

Isso tudo ocorrerá na maior região produtora de petróleo no mundo. Seria uma distração aos verdadeiros efeitos maléficos da massiva utilização dos combustíveis fosseis numa conferência de clima?

Não tenho dúvidas que sim, mostra inteligência dos organizadores na preparação da agenda de sua conferência.

Mas não é só isso. Podemos achar que, diante dessa perspectiva, não temos que enfrentar os desafios também postos para a transformação do atual modelo de produção e consumo de alimentos, fibras e energia? Longe disso.

Chama a atenção que, no comitê diretivo dessa iniciativa que fará sua primeira reunião durante a semana do clima da ONU em Nova York nesse mês de setembro, não havia, até poucos dias atrás, sequer um único representante do Brasil, seja do setor publico ou privado.

Somente durante a realização da Cúpula da Amazônia, em agosto último, é que o presidente do Consórcio dos Estados da Amazônia Legal e governador do Pará, Helder Barbalho, foi convidado a integrar esse comitê, sendo assim nosso único representante.

Isso demonstra toda a nossa fraqueza no contexto das relações internacionais, pois somos vistos apenas como um grande produtor de commodities e não como um dos mais importantes players na produção de alimentos e soluções climáticas baseadas na natureza.

Assim, parece que somos apenas parte do problema sem reconhecer que somos importantes também nas soluções.
Não vamos aqui discutir sobre fatos e percepções, mas comprova que um país das dimensões potenciais dos sistemas agroambientais como o Brasil ainda não encontrou seu rumo de inserção na política e nos arranjos internacionais.

Foi o resultado do trabalho que vem fazendo no Pará, no Consórcio da Amazônia, e o peso e a importância da Amazônia que nos fez ter um representante no comitê gestor dessa nova agenda global, não a nossa gigante produção agrícola.

Mais que exportar produtos, precisamos urgentemente “reflorestar mentes”, exportar liderança, inserção e participação nas iniciativas globais

Felizmente, temos um ótimo representante do setor público que comprovadamente demonstra estar engajado na nova agenda climática mundial, mas poderíamos ter também CEOs das grandes empresas brasileiras trazendo a visão do setor privado.

Mais que exportar produtos, precisamos urgentemente “reflorestar mentes” – numa citação de Samela Sateré Mawé, jovem liderança indígena e ambiental –, exportar liderança, inserção e participação nas iniciativas globais.

O Brasil precisa definir qual é sua nova ambição de país, pensar o futuro estando no futuro, mesmo sabendo que esse futuro não é mais o mesmo que achávamos e que nos trouxe até aqui.

Podemos dar início a essa caminhada parando de nos autoboicotar, quebrando nosso isolamento político empresarial, assumido nossos desafios e trazendo às mesas de negociações nossos reais potenciais.

À nossa frente, nesses próximos dois anos, temos a presidência do G20 e a COP30 em Belém. Dubai 2023 nos apresentará uma agenda de sistemas alimentares e agricultura discutida mundo afora nos últimos 18 meses. Qual será a nossa agenda nesses dois importantes fóruns?

O mundo está em mudança e a ordem política internacional encontra-se em transição. Temos o futuro do país na junção da produção de alimentos, energia e dos serviços ambientais, mas nos falta aprimorar nossa inteligência estratégica, política e mercadológica.

Sabemos de onde partir e temos intuição de onde queremos chegar. Estamos na transição, mas as condições para esse futuro são ainda pouco discutidas e ainda longe de acelerar a nossa jornada, ou nos dar o protagonismo de também apresentar uma nova agenda mundial.

Marcello Brito é coordenador do Centro Global Agroambiental e Academia do Agro na Fundação Dom Cabral (FDC).