Nas grandes cidades, não demorou muito para que o 5G chegasse aos celulares da maioria das pessoas, pouco depois de o uso da faixa começar a ser autorizado pelo governo, há dois anos.

No campo, a história continua sendo diferente. Basta sair dos grandes centros urbanos para que o sinal de internet – que, na maioria dos casos, não é 5G – vá sumindo até desaparecer de vez.

O grande paradoxo é que, com a inserção de diferentes dispositivos da internet das coisas (IoT) no campo, a garantia de conexão acaba sendo cada vez mais fundamental para os produtores rurais não perderem dinheiro.

Há quase 20 anos no mercado, a gaúcha Virtueyes, de Novo Hamburgo, percebeu nesse contexto uma oportunidade para alavancar seu negócio.

Em 2022, a empresa começou um plano de investimento de R$ 42 milhões, que vai se estender pelos próximos dois anos e meio, para expandir sua operação para o agronegócio.

O negócio da Virtueyes não é trivial. Em linhas gerais, a empresa oferece vários serviços e ferramentas de conectividade que integram diferentes dispositivos IoT – sensores, rastreadores, para citar apenas alguns exemplos – e centralizam todos dados gerados por esses equipamentos dentro de uma plataforma de gestão.

“Quando a gente pega o nosso smartphone, é fácil ver se estamos conectados no 4G ou 5G. Agora, uma empresa que está usando telecomunicações para conectar mil, dez mil, cem mil dispositivos, não tem como saber se o dispositivo está conectado ou não. Se a sua internet travou, você desliga e liga o telefone. Na IoT, não tem como fazer isso”, diz Taize Wessner, presidente da empresa.

Mas a empresa não fica restrita à organização da rede: também oferece serviços de internet privativa.

Além de ser uma empresa de tecnologia, a Virtueyes também é uma operadora móvel virtual (MVNO, que significa, em inglês, Mobile Virtual Network Operator).

Nesse modelo, a empresa firma contratos com as grandes operadoras do mercado, como Claro, Vivo e Tim, para usar a infraestrutura das gigantes sem precisar investir em torres e, assim, poder oferecer serviços mais personalizados para seus clientes.

Grandes marcas como Carrefour e Nubank, por exemplo, investiram em operações de MVNO nos últimos anos, em parceria com as operadoras Surf Telecom e Claro, respectivamente.

Como funciona

Como o nome já diz, as redes móveis privativas ficam restritas aos perímetros de uma empresa – ou de uma propriedade. Elas são utilizadas principalmente por companhias que precisam transmitir grandes volumes de dados e de forma segura.

O modelo ganhou impulso nos últimos anos com a ascensão das tecnologias 4G e 5G.

Como as redes privativas também servem para conectar localidades em que a presença de internet é fraca ou inexistente e os dispositivos IoT já são uma realidade no campo, a empresa gaúcha viu uma oportunidade de juntar os dois elementos e entrar de cabeça no agronegócio – um mercado que ainda não havia alcançado.

A ideia da Virtueyes é trazer a conectividade para o campo, levando junto todo o cardápio de soluções da empresa. “Quando a gente leva essa rede, a gente passa a trazer uma capacidade de monitoramento just-in-time de toda a operação”, afirma Taize Wessner.

A executiva salienta que a Virtueyes possui contratos com as operadoras Claro, Vivo, TIM e Algar, podendo utilizar os serviços dessas empresas caso já exista a estrutura no local. "O cliente, quando tiver algum problema, não vai precisar ficar no 0800 da Vivo, da TIM, nada disso. Ele vai ligar para a Virtueyes, que é quem faz toda a interação de engenharia com essas operadoras."

O serviço prestado pela empresa varia de acordo com a necessidade de cada propriedade: vai da implantação das torres de redes privativas – ou seja, podendo levar conexão para onde não havia até então – até a digitalização de sistemas analógicos já existentes nas propriedades.

Ele cita como exemplo uma fazenda que tem um sistema de silos e posteriormente instalou a rede 4G. “Mas esse sistema de armazenamento foi comprado há dez anos e não vem com uma telemetria, com uma tecnologia avançada. A gente vai lá e faz o projeto para ter o entendimento de como eu pego esse silo, que veio de um projeto legado, analógico, e o insiro no mundo digital”, afirma Wessner.

Em paralelo, a empresa também vai organizar o que encontra pelo caminho para simplificar todo o processo e diminuir custos de manutenção e operação, segundo a presidente da empresa.

Dessa forma, é possível integrar, em uma rede só, todos os equipamentos agrícolas e maquinários diferentes, estações meteorológicas, sensores de umidade, pluviômetros, entre outros.

“Em alguns casos, existem mais de 10 tecnologias de conectividade (em operação simultânea nas propriedades). O silo está conectado com algum protocolo, o sensor de solo conectado com outra rede… o TI fica louco. A gente arranca tudo e sobe na rede privada”, diz ela.

Pés no Matopiba

Para dar impulso à estratégia, a Virtueyes inaugurou neste ano um escritório em Luís Eduardo Magalhães, a capital do agronegócio na Bahia. A empresa também tem bases em São Paulo e Curitiba, além da sede no Rio Grande do Sul.

Com uma carteira de 1,5 mil clientes, que vão de indústrias a empresas de segurança, a Virtueyes começa a firmar contratos com grandes produtores, ainda que a quantidade de clientes do agronegócio seja “muito pequena”, segundo Wessner.

Entre os clientes do agro, estão o Grupo Franciosi, grande produtor de soja e algodão na Bahia e no Piauí, Grupo Progresso, que tem fazendas de soja, milho e algodão em Minas Gerais e no Piauí, e a fabricante de máquinas agrícolas Jacto.

Diferentemente de muitas empresas que querem entrar no agronegócio pelo Centro-Oeste, a Virtueyes optou em começar pela região do Matopiba, formada por Maranhão, Bahia, Piauí e Tocantins.

A escolha foi proposital, de acordo com Wessner, pelo vínculo de Pompeo Scola, diretor de desenvolvimento humano e organizacional da Virtueyes e CEO da Cyklo Agritech, aceleradora de startups do agronegócio, com a região.

A Cyklo é uma importante parceira da Virtueyes em seu braço de venture capital. A companhia investe em startups há oito anos, fazendo aportes tanto via aceleradoras, como também diretamente.

A ideia é sempre investir em startups early-stage e que conversem com os negócios da empresa, segundo Taize Wessner.

Entre as investidas com perfil semelhante ao da Virtueyes, ela cita, como exemplo, a Raks Tecnologia Agrícola, uma startup de São Leopoldo (RS) que desenvolveu uma plataforma de manejo da irrigação.

“Nosso plano para ventures é que a gente faria investimento direto nas startups que progredirem [nas aceleradoras que a Virtueyes aporta recursos], ou que tiverem bastante sinergia. A Raks foi um caso desses”, afirma Wessner.