Vem da região Noroeste do Rio Grande do Sul, onde há quatro séculos os padres jesuítas espanhóis plantaram as vinhas pioneiras no estado, o primeiro vinho brasileiro elaborado por Inteligência Artificial.

O vinho IA Corte I, da vinícola Casa Tertúlia, do município de Três de Maio, foi lançado há pouco na ProWine, em São Paulo, e chamou a atenção de especialistas e consumidores tanto pelo ineditismo de seu método de elaboração quanto pela sua qualidade.

O IA Corte I resultou de sete anos de estudos e muitos testes, envolvendo a mais avançada tecnologia computacional. Foi desenvolvido pela Casa Tertúlia, empresa familiar, tocada pelo administrador de empresas Leodir Hilgert, pela sua esposa Viviane, enóloga, e pelos filhos Jéssica, filósofa, e Gabriel, engenheiro e especialista em Tecnologia da Informação.

Desde 2020, quando a família se mudou para a propriedade rural onde está instalada a vinícola, a ideia dos Hilgert era “contrapor a um setor tradicional uma nova abordagem, baseada na ciência e na matemática”.

Pesquisas já estavam em andamento há pelo menos três anos. Deste propósito nasceu o novo vinho, que recebeu tratamento diferenciado dos demais rótulos que seguem sendo elaborados pelos métodos convencionais na vinícola.

“Mas é no vinho IA que se encontra, pela primeira vez na história, um blend cuja proporção ideal dos vinhos é sugerida de maneira otimizada por algoritmos de IA”, salienta o gestor Leodir Hilgert.

Para chegar a este resultado, o engenheiro Gabriel treinou uma rede neural de algoritmos que aprendem como certas características físico-químicas de um vinho são percebidas pelos degustadores humanos. Desse modo, os algoritmos conseguem predizer se um vinho será bem avaliado em uma análise sensorial.

Mais do que isso, a tecnologia digital é capaz de sugerir cortes (misturas de vinhos) mais adequados à elaboração de produtos específicos para determinados mercados ou públicos. Em síntese, o sistema interpreta o que um avaliador considera bom e correto num vinho para sugerir o blend. Para chegar a este ponto, mais de duas mil avaliações de vinhos com alta pontuação em concursos internacionais foram analisadas.

Os resultados deste experimento pioneiro não tardaram a aparecer. Os primeiros vinhos da Casa Tertúlia avaliados com a ajuda da IA obtiveram boas premiações no Concurso Wines Brazil Awards, no Rio de Janeiro, em 2021, entre mais de dois mil rótulos brasileiros avaliados.

Nos dois anos seguintes, no mesmo concurso, os resultados se repetiriam. Isso deu à família Hilgert a certeza de que estava no rumo certo. Daí para o lançamento do IA Corte I neste ano foi um caminho natural.

“O feedback recebido na ProWine foi extremamente positivo”, comemora Leodir. “Em seguida, o vinho foi disponibilizado para venda no nosso e-commerce e foi degustado por uma ampla gama de apreciadores, desde enófilos experientes até iniciantes. As avaliações de todos os perfis têm sido bastante favoráveis, confirmando o sucesso do projeto tanto entre conhecedores quanto entre novos consumidores”.

Contudo, como se trata de uma tecnologia que, em tese, poderia substituir parcialmente o feeling humano na elaboração da bebida, não poderia haver uma reação negativa por parte da enologia tradicional? Leodir Hilgert não acredita nisso.

“Toda inovação disruptiva gera uma variedade de reações e percepções. Nós fazemos questão de demonstrar que o papel e a importância do enólogo jamais serão diminuídos ou substituídos. Pelo contrário: a tecnologia veio como uma ferramenta para equipar o enólogo e dar a ele a possibilidade de dedicar sua expertise na análise e validação das melhores alternativas. O vinho é uma bebida feita por humanos e para agradar aos paladares humanos. A máquina é uma ferramenta que jamais vai substituir o humano”.

O presidente da Associação Brasileira de Enologia (ABE), enólogo Ricardo Morari, não discorda. Para ele, “a IA está esta sendo aplicada em diferentes setores e nós não ficaríamos de fora, até porque somos uma indústria que busca sempre a inovação. A IA é mais uma ferramenta de análise e de orientação para o enólogo. Mas a mão do homem continuará fazendo toda a diferença”, acrescenta.

De acordo com a Casa Tertúlia, a tecnologia reduz significativamente os custos de produção, porque proporciona mais agilidade e precisão ao processo de elaboração de blends.

“Se considerarmos o tempo e os recursos necessários para avaliar as milhares de combinações possíveis de cortes feitos de maneira tradicional, degustando e analisando cada uma, o custo seria substancialmente alto. A IA permite realizar essa análise de forma matemática, com base em avaliações feitas por sommeliers e aprendidas pela rede neural”, completa o empresário.

Um detalhe que pode ter passado despercebido aos consumidores menos atentos: o bonito rótulo do vinho IA Corte I também é uma criação da Inteligência Artificial.