As agtechs enfrentaram um cenário difícil em 2024, com investimentos mais escassos devido a juros mais altos no Brasil e no exterior, além do desafio estrutural que é ser um entrante tecnológico no agro de um país com proporções continentais.
Para 2025, o Brasil não vai diminuir de tamanho, e o cenário macroeconômico aponta para novas altas da Selic, o que torna investimentos de mais risco, ainda mais restritos.
Apesar disso, as startups estão dispostas a buscar capital e ganhar mercado. Algumas tendências já aparecem para o próximo ano nesse segmento.
Especialistas ouvidos pelo AgFeed apontam que o próximo ano será marcado por avanços em inteligência artificial (IA), biotecnologia e sustentabilidade, mas também por uma demanda crescente por integração e eficiência no ecossistema.
Para Kieran Gartlan, sócio e responsável pela operação no Brasil da gestora The Yield Lab, 2025 será marcado por agtechs que mesclem justamente IA com tecnologias de produtividade agrícola.
“A IA está fornecendo soluções mais rápidas e eficazes para melhorar a resiliência e a produtividade das culturas, ao mesmo tempo em que aproveita a rica biodiversidade do Brasil para novos avanços”, disse.
Ele destaca que grandes empresas que se movimentam em prol de uma “transformação sustentável na agricultura” devem ajudar essas startups. “ADM, Bayer e AGCO sinalizaram compromissos importantes com iniciativas de agricultura regenerativa no Brasil, alinhando-se às metas globais de sustentabilidade que antecedem a COP30”. acrescentou.
Gartlan vê que a sustentabilidade será um dos pilares de crescimento para os próximos anos e, por isso, um financiamento verde será essencial nesse processo.
Juliana Chini, head de inovação aberta da Rural, acredita que a integração tecnológica pode ser um diferencial do mercado no próximo ano. “O agro cada vez mais exige que várias ferramentas se conectem. Por isso, é importante que as agtechs não tragam só os dados, mas o caminho para utilizá-los”, afirmou.
Em termos de tecnologia, Chini também projeta um bom caminho para startups que atuam com biológicos, principalmente após ter sido sancionada a lei que regulamenta esse tipo de insumo no País.
Apesar do furor do setor, que vinha crescendo mais de 20% ao ano, segundo dados da CropLife, o desafio, novamente, será mostrar resultados. O produtor não tem margem para apostas, ele precisa de soluções que realmente funcionem”, disse Chini.
Outro ponto que merece atenção em 2025, para Kieran Gartlan, é a crescente demanda por captura remota de dados e soluções de IoT (Internet das Coisas). Segundo o sócio da Yield Lab, esse segmento pode ajudar a otimizar operações agrícolas.
“Essa demanda provavelmente atrairá grandes empresas de tecnologia, interessadas em integrar a agricultura em suas estratégias de sustentabilidade e compensar suas crescentes pegadas energéticas e hídricas”, disse.
Um olhar para dentro do solo deve continuar com muita importância, segundo Chini, da Rural.
Seja por conta do excesso de chuvas ou por seca e até queimadas, é a partir do solo que é possível prever produtividade, acredita a head de inovação aberta. “Todas essas práticas de agricultura regenerativa, que vinham com mais destaque, vão se manter no ano que vem”.
Um 2025 melhor que 2024
Um levantamento realizado pela Rural, ecossistema de startups do agro que também atua com venture capital, mapeou que, em 2024, foram 37 deals envolvendo agtechs, foodtechs e climatechs no Brasil.
Ao todo, segundo Juliana Chini, head de inovação aberta da Rural, foram mais de R$ 810 milhões destinados a essas startups. O maior deal ficou com a agfintech Agrolend, que captou R$ 300 milhões junto a Syngenta, Vivo Ventures, L4 Venture Builder, fundo da B3, e o banco japonês Norinchukin Bank.
A capitalização trouxe a oportunidade, segundo a empresa, de olhar para um mercado retraído com capacidade de ampliar sua carteira em até cinco vezes.
"Essa é uma oportunidade que você espera a vida inteira. A gente vai estar super capitalizado para pegar essa oportunidade e construir um banco digital que o agro do Brasil merece", afirma Alan Glezer, CFO da companhia, ao AgFeed, na época da captação.
De uma só vez, a Agrolend mais que duplicou os valores captados em sua curta história - antes disso, em três outras rodadas, havia levantado um total de US$ 43 milhões, enquanto a atual, do tipo series C, corresponde a US$ 53 milhões.
A lista segue com Traive, que captou R$ 110 milhões, Gênica, que recebeu aporte de R$ 68 milhões, FarmTech, com R$ 55 milhões, goFlux, com R$ 33 milhões e a Agrotoken, com R$ 22 milhões.
“O maior destaque das operações foi o crescimento de soluções voltadas para dentro da porteira, especialmente em inteligência artificial para otimização de insumos e as agfintechs, que ganharam relevância em um ano difícil para o agro”, afirmou Chini.
Para ela, o amadurecimento do ecossistema de startups é um fator determinante para o futuro das agtechs no Brasil. “Estamos vendo os produtores começarem a separar o joio do trigo, entendendo quais tecnologias realmente entregam resultados no dia a dia. Esse foi o ano de quem provou o resultado”.
Esse movimento de validação também tem reflexos na forma como as startups precisam operar. Chini destaca que, embora o setor tenha avançado, ainda há desafios significativos de profissionalização, e que para além de buscar novos aportes, melhorar a operação interna pode ser um grande foco das agtechs no ano que vem.
“Muitas startups ainda têm dificuldade com governança, processos comerciais e até precificação. Aquelas que vieram da academia, por exemplo, precisam de um esforço maior para se posicionar no mercado e atender às demandas de grandes cooperativas, usinas e fazendas, que já têm estruturas bem estabelecidas”.
O esforço para conquistar espaço no mercado também exige presença no campo.
“Quem não sujou a botina não vendeu. O agro ainda exige muito da presença física, o que gera custos elevados, mas também cria confiança. O produtor rural precisa ver para crer, e as startups precisam entregar cases concretos que comprovem eficácia”, comenta Chini.
O pequeno produtor também pode ser um agente importante dessa equação, segundo Juliana Chini. “O Brasil é um país de pequenos produtores, e precisamos entender como fazer com que a tecnologia chegue até eles de forma escalável. Sem isso, o impacto das agtechs será limitado”.
Diante de uma safra de grãos melhor que a do ano passado, com projeções de recorde para algumas consultorias, Chini acredita que o mercado de startups do agro tende a ser mais aquecido em 2025 do que foi em 2024, desde que essas estratégias de mais maturidade e mais integração com o ecossistema sejam seguidas à risca.
“Estamos em um momento de amadurecimento do ecossistema, com quase uma década desde os primeiros hubs e startups de agro. Agora é hora de unir investidores, corporações e cooperativas para criar um ambiente de inovação robusto que atenda às demandas urgentes do setor”, conclui Chini.