Depois das fazendas verticais e das proteínas alternativas, é a vez das fazendas de insetos frustrarem as expectativas de investidores.
Em um roteiro que tem se repetido nos últimos meses com segmentos tidos como disruptivos e que receberam grandes aportes de empresas e fundos de venture capital no início da década, alguns dos principais projetos voltados para a criação de grilos e larvas de moscas têm sucumbido às dificuldades de escalar suas operações e apresentar resultados.
A promessa dessas empresas – que já levantaram maios de US$ 1,5 bilhão em investimentos, inclusive de gigantes do agro como ADM e Tyson Foods -- era usá-los como matéria-prima para a produção de proteínas e óleos ricos em nutrientes para pets, peixes e gado. E até seus dejetos podem ser utilizados como fertilizantes.
Duas das maiores empresas desse segmento, entretanto, iniciaram o ano em busca de mais recursos para manterem as suas operações, depois de queimarem grandes somas recebidas em rodadas de investimento.
A Ynsect, por exemplo, chegou a levantar quase US$ 580 milhões nos últimos 13 anos de investidores como Astanor, BPI France, Crédit Agricole, Upfront e a Footprint Coalition, do ator Robert Downey Jr..
Com a bolada, iniciou a construção, na cidade francesa de Amiens, da maior planta do gênero no mundo, com 45 mil metros quadrados e capacidade de produzir 100 mil toneladas da chamada larva de farinha.
Mas a produção nunca chegou perto disso e, em setembro passado, a empresa recorreu ao regime de salvaguardas, uma espécie de proteção contra execuções na justiça francesa.
A intenção da startup era ganhar tempo – o instrumento tem validade de seis meses – para buscar uma nova injeção de recursos que viabilizasse a manutenção das operações.
Em meados deste mês de janeiro, a Ynsect comunicou que estava abrindo uma nova oferta pública para buscar potenciais investidores ou até compradores. E estabeleceu como prazo para ter um quadro da situação: 17 de fevereiro.
No documento apresentado na França, a empresa informa ter tido uma receita de € 5,8 milhões em 2023 e, de outro lado, ter acumulado passivos de aproximadamente € 104 milhões, excluindo títulos.
Ao site AgFunder News, um porta-voz da companhia disse que os números de 2024 ainda não estavam consolidados.
O prazo apresentado pela Ynsect é, na verdade, estabelecido pela justiça, que pode, caso não haja interessados até lá, imporuma reestruturação, vendas forçadas de ativos ou até mesmo a liquidação da empresa.
De acordo com as informações da Ynsect ao AgFunder, já haveria “discussões avançadas com um certo número de investidores que desejam apoiar e financiar esta fase de lançamento de seu processo industrial”. E confirmou que entre as hipóteses avaliadas está “uma aquisição por terceiros”.
O caso da Ynsect não é único. Outra startup francesa do setor, a Agronutris também apresentou um plano de salvaguarda. A empresa produz proteínas usadas em rações para aquicultura e animais de estimação a partir da larva da mosca black soldier.
Em 2021, a startup recebeu € 100 milhões de um grupo de investidores para construir uma instalação em escala comercial na cidade de Rethel. A produção foi iniciada em 2023.
Mas depois do aporte, segundo a empresa informou à justiça, o ambiente de financiamento teria mudado significativamente. E, mais recentemente, as más notícias vindas também dos concorrentes teriam deixado investidores ainda mais arredios.
“ O acesso ao financiamento é dificultado por um contexto econômico incerto e os investidores desaceleraram pelas notícias do setor e pelos anúncios feitos recentemente por outros grupos industriais”.
Já no Canadá, outra empresa do segmento, a criadora de grilos Aspire Food Group anunciou o desligamento de dois terços de sua força de trabalho.
A intenção da companhia é reduzir a produção, poupando recursos enquanto realiza melhorias em seu processo.
Um dos principais desafios dessas startups é justamente adequar seu custo de produção à realidade de um mercado ainda pequeno.
Ao mesmo tempo em que uma escala maior propicia ganhos nesse sentido, o alto investimento em tecnologias para obtê-la parece não estar sendo viável para que algumas das startups consigam atravessar a ponte que separa uma boa ideia de um bom negócio.
A também francesa InnovaFeed, que tem a ADM entre os investidores, e a Protix, que recebeu aporte da Tyson Foods, foram duas que tiveram êxito nessa etapa.
E, agora, se empenham em mostrar que as dificuldades das demais não podem representar a condenação de todo o setor.
Os desafios que nossos colegas franceses estão enfrentando para passar da fase experimental para operações em escala industrial nós superamos alguns anos atrás”, disse Maye Walraven, gerente geral da Innovafeed nos EUA, ao AgFunder News.
“O setor como um todo está fazendo um progresso sólido com volumes maiores sendo produzidos e 100% desses volumes sendo absorvidos pelo mercado”, acrescentou.
Segundo ela, “os eventos recentes refletem a 'dinâmica darwiniana' das tecnologias emergentes e o fato de que a inovação é difícil: nem todas as empresas podem ter sucesso, apenas os modelos mais robustos sobreviverão.”