O episódio aconteceu há poucas semanas, na fronteira gaúcha com o Uruguai. Alertada pelo próprio produtor, a polícia local conseguiu frustrar a ação de uma quadrilha, em um raro flagrante de roubo de gado.

O pecuarista, dono de uma estância no município de Santana do Livramento, contou com a ajuda da tecnologia para detectar um movimento incomum na sua propriedade. Cerca de 50 animais estavam ultrapassando, em fila, uma das cercas.

O que chamou sua atenção foi uma notificação no celular. Ao abri-la, o fazendeiro verificou, nas imagens de um aplicativo, a linha dos bois deixando sua propriedade. E, imediatamente, acionou a Brigada Militar.

“Isso foi motivo de muita comemoração por aqui”, afirma André Ghion, diretor de Marketing, Inovação e Estratégia da Belgo, companhia siderúrgica conhecida no agronegócio por ser uma das grandes fornecedoras de arames usados em cercas e outras instalações nas propriedades rurais.

“Tem coisas que a gente não tem como fazer validação, como simular um assalto. E foi o que aconteceu”, diz ele, lamentando o fato de um cliente ter sido alvo de ladrões de gado, muito ativos na região.

Sua alegria, no entanto, foi saber que o que garantiu a ação policial foi um alerta dado pelo serviço da Instabov, agtech que  recebeu aportes de R$ 3 milhões da Belgo e, agora, começa efetivamente a ganhar mercado.

A tecnologia da Instabov combina colares com um hardware transmissor com alcance de 10 quilômetros, antenas receptoras e um software proprietário que analisa as informações enviadas pelos aparelhos “vestidos” nos animais.

Lançada comercialmente há cerca de um ano, a solução vem passando por atualizações. As mais recentes ocorreram recentemente, incorporando novas funções turbinadas por inteligência artificial.

Hoje, bem mais do que simplesmente monitorar a localização dos bovinos, o sistema evoluiu para, a partir da movimentação, avaliar o comportamento dos animais e, a partir disso, identificar possíveis situações que podem indicar uma doença ou uma vaca em trabalho de parto, por exemplo.

Essa identificação é feita através de um algoritmo de rede neural, que analisa padrões a partir de dados como geolocalização, número de passos, deslocamento, reprodução e mapa de calor. As informações são analisadas ranto em nível individual quanto de rebanho.

Quando percebe algo fora dos padrões normais, o sistema emite alertas personalizados de parto ou de comportamento alterado.

Segundo Ghion, desde junho passado, quando a atualização foi feita, já houve mais de 40 partos identificados em tempo real por meio de alertas, facilitando a assistência dos produtores aos animais.

Os alertas também ajudaram a salvar vacas e bezerros em situações mais delicadas. Uma matriz nelore avaliada em R$ 80 mil, conta Ghion, tinha um ferimento grave na pata e foi salvo em função da notificação ao pecuarista, que pode tratá-la a tempo.

O executivo sempre busca traduzir em dinheiro as conquistas da solução porque, segundo ele, é sempre difícil convencer os produtores a investirem em novas tecnologias sem que eles tenham a real dimensão do possível retorno.

A prova do crime: na tela do aplicativo, fila de animais saindo do perímetro gerou alerta de roubo

No caso do gado que estava sendo roubado no RS, o pecuarista havia investido R$ 50 mil para monitorar 100 cabeças, depois de já ter sido alvo da ação de ladrões em outras cinco oportunidades. Desta vez, a chegada da polícia evitou uma perda estimada em R$ 350 mil.

“Como acaba tendo pouco parâmetro disso no mercado, as pessoas ainda têm um grau de resistência do tipo ‘ah, tá, mas por que eu vou pagar por isso?’”, diz Ghion.

“E aí foi muito interessante, porque a própria polícia da região começou a recomendar o produto”.

Até o momento, a Instabov comercializou cerca de 2 mil colares. Ghion sabe que é um número incipiente diante da magnitude da pecuária brasileira – e, portanto, do mercado potencial. Mas ele afirma não ter pressa.

A meta da Instabov agora é dobrar ou no máximo triplicar o número de colares nos próximos 18 meses. E, em cinco ano, chegar a 20 mil colares ativos.

“O potencial de mercado é muito maior que esse. Para ser sincero, 20 mil não é nada. Mas a gente está sendo bastante conservador nisso”, afirma.

“A gente espera um pouco mais de maturidade do mercado para não ter que sair queimando o valor do produto”, justifica. “Não é sair vendendo lotes e lotes e queimar a etapa de desenvolvimento”.

Ao colocar uma espécie de cerca no crescimento da empresa, Ghion aposta em uma espécie de “efeito Tostines”, referindo-se a um antigo slogan de uma marca de biscoitos.

“Nesse tipo de tecnologia, quanto mais dado, melhor, mais legal fica. Aí você fica melhor e tem mais dados. E entra nesse ciclo em que a gente espera entrar nesses próximos anos”.

O executivo acredita que antes de dar uma escala maior comercial ao produto há muito o que avançar e que a fase da empresa é a de consolidação do modelo, gerando dados para que a ferramenta “aprenda” o comportamento dos animais.

Uma das evoluções em curso é fazer as análises conforme a raça dos bovinos. “Hoje, graças ao machine learning, já conseguimos diferenciar cinco diferentes raças, incluindo o Nelore. Cada uma tem uma característica, um comportamento. Tem raças que são sete vezes mais ativas que outras”, explica.

Outro avanço registrado pelo executivo – e que, segundo ele, ajudou a evitar o roubo de gado no Sul – foi a redução do tempo na troca de informações entre os colares e a rede neural, que ajuda a monitorar o comportamento do gado.

Hoje, segundo ele, as informações estão mais precisas e são enviadas a cada 10 minutos. Outros produtos que usam tecnologias de georeferenciamento, de acordo com a empresa, fazem essa troca a cada quatro horas, em média, no Brasil.

Outra questão que, segundo Ghion, não afeta a estratégia da Belgo com a Instabov é a possibilidade de a concorrência avançar rápido. Ele admite que a empresa não possui patentes nem do hardware nem do software utilizados, que podem ser copiados.

André Ghion, diretor de Marketing, Inovação e Estratégia da Belgo

“Hoje eu não acho que a tecnologia em si é o diferencial de nada. Isso é um princípio meu”, afirma. “Ela pode ser replicada sim. A gente tem, obviamente, o segredo de negócio no sentido da raiz e da programação do que está no software”.

Em relação ao software, ele acredita que o trunfo da empresa é er chegado a um colar com um padrão bem trabalhado, tanto é que a bateria dura cinco anos.

“É a mistura do hardware com software bom que faz sentido”, afirma. “Eu diria que agora é muito mais uma corrida de dados. Quem tiver mais dados nessa história vai ficar com o produto melhor”.

Olhando mais à frente, porém, ele avalia que a visão pode mudar, com a evolução para um hardware proprietário. Na sua visão, a Instabov caminha nessa direção, talvez tendo duas versões do produto: uma mais barata, com menos dados, que seja só monitoramento, e outra mais avançada, com a geração de insights.

“O desenvolvimento de curto e médio prazos vai muito nessa linha do comportamento do animal. E isso se aplica desde a saúde animal, no sentido de tratar uma doença, mas também de gerar um histórico, para na hora que esse animal virar proteína, você poder dizer: ‘eu falei, vai tranquilo que foi bem tratado’”.

Cerca com inteligência

O investimento da Belgo na Instabov tem outro sentido além do negócio em si. A startup materializa um conceito de inovação que a gigante do setor siderúrgico pretende implantar nos próximos anos.

Ghion diz que o grupo continua observando oportunidades, dentro e fora do agro, mas sem nenhuma previsão de novos aportes em curto prazo.
“Estamos olhado bastante para techs que estão de alguma forma atreladas ao nosso mercado e talvez surja algo para o próximo ano”, diz. “Tudo o que eu puder trazer uma nova camada de inteligência para o arame, estou de olho”.

A solução do Instabov, por exemplo, ao geolocalizar os animais permite aos pecuaristas criar uma espécie de cerca virtual nas propriedades, estabelecendo os limites por onde eles podem circular.

“O nosso conceito é esse, de uma forma bem ampla e também em outros mercados, como o de geotecnia”, diz

Para a Instabov também não há previsão de novos aportes, mas a cerca, nesse caso, não está totalmente fechada. “Vamos ver como será 2025. Temos alguns checkpoints e podemos rever o grau de aceleração. Se quisermos aumentar a curva de acesso e percebermos que vale a pena, talvez seja inevitável fazer nova rodada”, conclui.