Há pouco mais de uma década, em 2012, o robô Curiosity, da agência espacial norte-americana Nasa, começou a matar a curiosidade dos humanos sobre o que existe em Marte.
Com disparos de raio laser, o equipamento analisou os minerais presentes em rochas no planeta vizinho à Terra – com resultados até melhores do que os obtidos por aqui.
Nos últimos anos, uma startup brasileira, a green fintech Agrorobótica, está aplicando a mesma tecnologia utilizada pela Nasa para avaliar a quantidade de carbono no campo.
Com essa abordagem, a empresa garante que é possível mensurar as condições da terra, introduzir técnicas agrícolas mais sustentáveis, melhorar a produtividade e, ao final do processo, gerar créditos de carbono que foi estocado no território.
Não à toa, a Agrorobótica chamou a atenção de gigantes como Bunge, Amaggi, SLC Agrícola, Syngenta, Marfrig, LDC e OCP , para citar apenas alguns de seus clientes e parceiros, e agora se prepara para colher sua primeira “safra de carbono”.
O principal foco da Agrorobótica são as multinacionais. A proposta é que essas empresas contratem a startup para medir a pegada de carbono de suas propriedades, adotem boas práticas sustentáveis e, posteriormente, emitam créditos de carbono com o suporte da Agrorobótica, que seria a emissora dos créditos.
Os lucros obtidos com a comercialização desses créditos seriam divididos entre as companhias e a startup em contratos longos, de 20 anos de duração. “É que cada ponto de análise de carbono é válido por 20 anos”, afirma Fábio Angelis, CEO da startup.
A empresa foi criada em 2015 por Angelis, que trabalhava como executivo da companhia de insumos Syngenta e descobriu a técnica utilizada pela Nasa – Laser Induced Breakdown Spectroscopy – em uma visita de campo.
Em uma apresentação do Simpósio Nacional de Instrumentação Agropecuária (Siagro), da Embrapa Instrumentação, de São Carlos, no interior de São Paulo, conheceu o trabalho desenvolvido pela pesquisadora Débora Milori, que trabalha com essa técnica há mais de 20 anos e é utilizada também para detectar mercúrio em alimentos.
Angelis ficou impressionado com as possibilidades que a tecnologia poderia trazer e resolveu empreender – inicialmente, em paralelo com sua atuação na companhia de insumos.
“Eu falei: ‘Preciso investir nesse negócio, porque tem um mercado gigante para trabalhar com isso’”, afirma.
Com recursos próprios, Angelis se juntou à Aida Magalhães, que era pesquisadora da Embrapa e futuramente passou a ser sócia e CTO da Agrorobótica, fechou contratos de cooperação técnica com a empresa de inovação do governo e passou boa parte da década passada trabalhando no desenvolvimento de uma plataforma capaz de avaliar o solo com a utilização de raios laser.
“Todo mundo falava que não dava certo fazer o que nós queríamos com a tecnologia, porque era muito inovadora”, recorda o fundador da Agrorobótica.
Durante anos, a startup operou com recursos próprios de Angelis até que, em 2019, recebeu um aporte feito pela firma de investimentos NT@agro, que tem como acionistas Marcos Molina, fundador e presidente do conselho de administração da Marfrig, e Olavo Setubal Jr., um dos herdeiros do banco Itaú, e Antonio Maciel Neto, ex-CEO de empresas como Ford, Suzano, Caoa/Hyundai e Grupo Itamarati.
Angelis prefere não revelar o valor do aporte. De acordo com o site da NT@agro, 22,5% do capital social da Agrorobótica ficou com a empresa de investimentos.
Dessa forma, a startup conseguiu acelerar seu processo de criação da plataforma, batizada de AgLibs, lançada em parceria com a Embrapa em 2023.
Todo o processo começa com a avaliação dos dados da propriedade. A Agrorobótica verifica se a fazenda está em conformidade socioambiental, utilizando dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR), mapeia o território para a marcação dos pontos onde o solo vai ser coletado, e vai a campo para pegar as amostras, cuja localização já está georreferenciada.
As amostras, segundo Angelis, seguem então para o laboratório fotônico da Agrorobótica, instalado em São Carlos, no interior de São Paulo, no formato de “pastilhas”, que são inseridas na plataforma AgLibs.
Com apenas um disparo de raio laser, a ferramenta analisa 23 parâmetros dessas “pastilhas” avaliando fatores como textura, densidade do solo, nível de PH e macronutrientes.
A diferença entre esse processo da Agrorobótica e um convencional, feito por laboratórios químicos, está no tempo de análise, segundo Angelis.
“Em 20 segundos, nós fazemos o que um laboratório químico convencional, pode demorar até 20 dias para fazer”, afirma o fundador da Agrorobótica, que diz conseguir fazer até 1,2 mil análises de solo. “Isso nos dá um poder analítico muito grande.”
Feita a análise, a Agrorobótica dá orientações agronômicas para a inserção de agricultura regenerativa no campo, que envolve possibilidades como a adoção de plantio direto, fertilizantes orgânicos, bioinsumos e piqueteamento para o gado.
“Quando você mede o estoque de carbono de um pasto degradado, ele tem 50 toneladas de carbono por hectare. Quando você coloca agricultura regenerativa, ao longo de 10 anos, você pode chegar a mais de 100 toneladas, porque aumenta a quantidade de carbono no solo”, afirma Angelis.
Ao longo do tempo, a Agrorobótica retorna às propriedades para verificar se houve mudanças no solo para verificar novamente os dados na plataforma e poder compará-los.
A startup planeja transformar essas informações em créditos de carbono para comercialização no mercado voluntário, respaldada por um nome de peso: a Verra, uma das maiores certificadoras de créditos de carbono do mundo, que já aprovou a tecnologia para esse fim. Essa chancela é fundamental para viabilizar a emissão dos créditos.
Hoje presente em 18 estados do Brasil em propriedades de culturas como soja, milho, café, citrus algodão, a Agrorobótica ainda não gerou créditos de carbono para seus clientes, mas Angelis pretende iniciar esse processo nos próximos anos.
A startup vai receber uma porcentagem do valor negociado em cada transação de créditos de carbono. “A maior parte do recurso fica para o agricultor, porque o conceito do crédito carbono é ele usar esse recurso para adotar as boas práticas agrícolas”, afirma Angelis.
Essa é uma das fontes de receita da startup, que também ganha com a venda de serviços de avaliação do solo e com a implantação dos projetos de carbono.
Com a tecnologia já avançada, Angelis diz que gostaria de abrir uma nova rodada de investimentos entre este ano e 2026 para expandir o negócio.
“Nós temos que expandir a tecnologia para todo o território nacional. Hoje, a gente só tem um centro em São Carlos, mas criamos um negócio que é como se fosse um McDonalds. Precisamos de, no mínimo, um centro em cada Estado”, afirma o fundador da Agrorobótica. “Mas precisamos de recurso para isso.”