Em um mercado de margens apertadas como é o de leite, mudanças de centavos nos preços vitaminam ou amargam a vida dos produtores que se dedicam à atividade.

Se ao fim de 2024 os preços deixaram um gosto de bonança, a trajetória de queda ao longo de 2025 trouxe amargor aos pecuaristas – um cenário que tende a persistir no início de 2026, com recuperação esperada apenas a partir de março.

Neste ano, a situação da cadeia leiteira foi se agravando mês a mês. Isso porque, após uma rápida alta nos preços no início do ano, a partir do segundo trimestre, o preço médio por litro de leite ao produtor no Brasil começou a despencar de forma contínua – apresentando queda mais acentuada na metade final do ano.

Em maio, o litro do leite era comercializado a R$ 2,64. Três meses depois, em agosto, o valor já havia recuado para R$ 2,53. A deterioração se intensificou no fim do ano e, em outubro, o preço despencou para R$ 2,29 por litro, segundo os dados mais recentes do Cepea/USP. Trata-se do patamar mais baixo desde o início de 2024, quando as cotações orbitavam pouco acima de R$ 2.

“No primeiro trimestre, o preço ainda estava com um ritmo muito bom, parecido com o de 2024, mas começamos a observar uma queda a partir de abril deste ano”, afirma Geraldo Borges, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite), em entrevista ao AgFeed.

"Agora, nós estamos no auge da crise do setor leiteiro, inclusive maior que a crise de 2023", resume o executivo, fazendo referência a um momento em que os preços chegaram a ficar abaixo da faixa de R$ 2.

A tendência de queda é generalizada em todo o País, com os preços mais baixos tendo sido registrados em Santa Catarina (R$ 2,20), Rio Grande do Sul e Goiás (R$ 2,21), e os preços mais altos em Minas Gerais (R$ 2,38) e em São Paulo (R$ 2,41) - ainda assim bem abaixo das médias registradas no início do ano.

Diferentes vetores explicam a crise do setor, na avaliação de Juliana Pila, analista da Scot Consultoria.

De um lado, diz ela, houve um aumento de oferta, com crescimento na produção de leite entre o fim de 2024 e o começo de 2025, após os produtores resolverem fazer investimentos no campo em um momento de margens melhores. "Isso se refletiu para que, em 2025, tivéssemos um aumento da produção de leite nacional maior do que a gente estava acostumado nos últimos anos", diz a analista.

Pila lembra que a produção de leite vinha crescendo na casa de 2% a 3% por ano ao longo da última década.

"E em 2025, segundo os dados do IBGE, a produção cresce na faixa dos 8% até o terceiro trimestre, passando de 18,5 bilhões de litros no mesmo período de 2024 para 20,1 bilhões de litros neste ano”, afirma a analista. "Com essa produção maior, vimos uma pressão de baixa nos preços de leite pago ao produtor."

Nas contas da Scot, as margens, que são a diferença entre o preço de leite ao produtor e o índice de custo, recuaram 10,3 pontos percentuais em 2025 na comparação com 2024.

Outro ponto relevante que vem adicionando pressão baixista aos preços, lembra Pila, é o alto nível de importação de leite de países do Mercosul como Argentina e Uruguai. Apesar de o volume importado ser 5,5% menor no acumulado de 2025 em comparação com 2024, a gente quantidade de leite trazido de fora continua significativa.

A maior parte dos produtos que vêm dos mercados argentino e uruguaio corresponde a leite em pó, cerca de 75% do total, segundo Pila.

"E estamos importando, mesmo com produção em alta, porque quando olhamos para os principais países produtores, todos estão com produção crescente", explica a analista.

"Nossos principais fornecedores de leite do exterior estão com produção crescente e acabam ofertando esses produtos a um preço menor. Isso também colaborou para as importações se manterem", afirma.

Em relatório recente, o banco Rabobank lembrou que a valorização do real foi um outro fator que contribuiu para sustentar o fluxo de importações do Mercosul, mesmo diante do forte crescimento da produção nacional ao longo do ano.

Para Geraldo Borges, presidente da Abraleite, os níveis de importação altos prejudicam a dinâmica do setor leiteiro nacional como um todo. "Traz desequilíbrio e prejudica principalmente os produtores de leite, e também pequenos laticínios e cooperativas, pois eles não participam das importações", diz.

Borges critica o fato de o governo federal não ter subsídios para a cadeia leiteira, que poderiam ajudar o setor em momentos difíceis como o atual. "A Argentina dá muitos subsídios, por exemplo. Sempre deu", afirma.

"Falta ao Brasil um pouco de nacionalismo e um pouco de protecionismo, que todo país tem. Ninguém é contra as importações, ninguém é contra o comércio internacional, mas nós não podemos aceitar um comércio internacional em que a cadeia sofre sendo predada."

Neste mês, o governo federal retomou investigações sobre a possibilidade de prática de dumping nas exportações de leite direcionadas ao Brasil por Argentina e Uruguai.

A investigação havia iniciado em dezembro do ano passado, mas acabou sendo paralisada em agosto deste ano. Isso aconteceu após a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) ter encaminhado um pedido formal ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) em março.

Contudo, em agosto, o MDIC negou, de forma preliminar, medidas provisórias antidumping sobre as exportações alegando que não havia similaridade entre o leite em pó, objeto da investigação, e o leite in natura, e que a CNA não representaria os produtores de leite em pó.

Em dezembro, no entanto, diante do agravamento da crise do setor leiteiro, o MDIC reconsiderou a decisão, mudou seu entendimento e voltou a investigar possíveis práticas de dumping. A decisão deve sair em 18 meses.

Para o próximo ano, a expectativa é de uma melhora nos preços somente a partir do segundo bimestre de 2026, projeta Juliana Pila, da Scot. "É quando a gente deve começar a ver uma oferta um pouco menor, principalmente na região Sul, que está com os preços menores", diz.

Um vetor de alívio para o ano que vem, que já foi percebido neste ano, segundo a analista, está no lado dos custos de produção, que recuaram em 2025 e devem continuar estáveis em 2026.

"Os custos não devem trazer grandes surpresas ao produtor. Acreditamos mais no mercado lateralizado, principalmente para milho e farelo de soja. Isso pode contrabalancear um pouco a conta e amenizar as dificuldades de margem do produtor", diz.

Para o Rabobank, a produção brasileira de leite deve apresentar crescimento “moderado” em 2026, influenciada por preços ao produtor ligeiramente menores no início do ano e por uma base de comparação elevada, devido ao forte crescimento registrado em 2025.

Do lado da demanda, o banco avalia que o cenário tende a permanecer moderadamente positivo, impulsionado por fatores macroeconômicos como início de um ciclo de corte de juros, gastos públicos elevados e manutenção do desemprego em patamares baixos. “Esses fatores devem contribuir para sustentar o consumo de lácteos ao longo do ano”, finaliza o Rabobank.