Na véspera do prazo final para apresentar o plano de recuperação judicial ao seus credores, a Brasil BioFuels (BBF) quebrou o silêncio no começo da tarde desta sexta-feira, dia 19 de dezembro.
À Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a companhia apresentou o balanço acumulado dos três primeiros trimestres de 2025, no qual reportou um prejuízo de R$ 518 milhões no período. Juntamente aos números, trouxe mais informações e comentou sobre o momento de dificuldades que enfrenta há anos, em uma das primeiras manifestações públicas da companhia após ter tido seu pedido de RJ deferido, em outubro passado.
No relatório de administração que acompanha os resultados, a Brasil BioFuels traz um texto no qual admite que continua a atravessar situação operacional e financeira "complexa" e também se compromete a cumprir o prazo de 60 dias – que vence neste sábado, dia 20 de outubro – para apresentar seu plano de recuperação junto aos seus credores.
A BBF inicia dizendo que a companhia hoje tem um elevado nível de endividamento no curto prazo e que enfrenta também baixa produtividade do cacho de fruta fresca na área de plantio em função da seca na última temporada de chuvas.
A empresa aproveitou também para fazer um breve relato das dificuldades que tem enfrentado para obter novas linhas de financiamento para conclusão de projetos de longo prazo.
Esse bloqueio ao crédito, segundo a BBF, se iniciou em agosto de 2023, quando uma recomendação do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) orientou instituições financeiras a suspender a concessão de financiamentos à companhia, sugerindo também que novas linhas não fossem concedidas.
A BBF diz que contestou o ato administrativamente e judicialmente, ingressando com ação na Justiça Federal em Belém (PA). Em outubro de 2024, a companhia afirma que obteve tutela de urgência para suspender os efeitos da recomendação até o julgamento final do processo, que segue em tramitação, atualmente na fase de instrução.
Mesmo com a decisão favorável, a administração informou que não havia linhas de crédito contratadas e disponíveis até 30 de junho de 2025 ou até a divulgação das demonstrações financeiras.
Em paralelo, a BBF relembra que, em fevereiro de 2024, fez um pedido de recuperação judicial ou extrajudicial, além do ajuizamento de medida cautelar antecedente.
Após uma fase inicial de negociações e uma liminar concedida pela 2ª Vara de Falência e Recuperação Judicial da Comarca de São Paulo, a companhia protocolou o pedido de recuperação judicial em 30 de julho de 2025. Isso porque, apesar de ter operações em cinco dos seis estados da Região Norte - Acre, Amazonas, Rondônia, Roraima e Pará - o Grupo BBF tem sede administrativa na capital paulista.
Um laudo de constatação prévia, apresentado em agosto, concluiu que o grupo reunia, naquele momento, os requisitos para o processamento da RJ. O processo passou, no entanto, por disputas de competência entre São Paulo e Belém, até ser definitivamente assumido pela Justiça paraense em outubro.
No último dia 20 de outubro, a 12ª Vara Cível e Empresarial de Belém deferiu o processamento da recuperação judicial do Grupo BBF, determinando a suspensão das execuções por 180 dias, o chamado stay period, abrindo caminho para a apresentação do plano de reestruturação aos credores.
No relatório, a companhia também se comprometeu a cumprir o prazo dado pela lei das Recuperações Judiciais – que dá 60 dias para que a empresa que entrou com o pedido de RJ apresente seu plano aos credores. Como o pedido de RJ da BBF foi deferido em 20 de outubro, o prazo se encerra, considerando o que diz a legislação, neste sábado, dia 20 de dezembro.
“A Companhia informa que, até a publicação destas demonstrações financeiras, não submeteu seu Plano de Recuperação Judicial aos credores e ao Juízo da Recuperação Judicial e que o fará dentro do prazo fixado pela Lei”, diz a empresa.
A BBF afirma também, no relatório de administração, que tem feito e continuará se esforçando para equalizar a situação da companhia, mediante a adoção de seis estratégias.
A companhia diz que pretende fazer a "utilização de recursos oriundos do fluxo de caixa operacional da Companhia", uma vez que o fluxo de caixa operacional, isoladamente, "não seria suficiente para honrar empréstimos e financiamentos vincendos nos próximos 12 meses, ainda não renegociados."
A BBF diz que também está fazendo a "readequação de prazos de pagamento junto a fornecedores e credores (Bancos, debenturistas, fornecedores etc.), com extensão dos prazos originalmente contratados."
"Obtenção de extensão de prazos de pagamento junto a fornecedores e credores, cuja extensão não está sob o controle da Administração do Grupo BBF e pode implicar em custos financeiros adicionais em decorrência de multas, custos para obtenção de “waivers”, novos encargos financeiros ou na declaração de vencimentos antecipados”, emenda a companhia.
O plano envolve ainda uma resolução administrativa junto à Aneel, permitindo que alguns fornecedores sejam pagos diretamente pela Câmara de Comércio de Energia Elétrica já em vigor, a redução dos investimentos de custos e de infraestrutura desde que isso não implique em prejuízos e impactos à operação, e discussão judicial por meio de embargos à execução judicial.
"Como é tradição, o Grupo BBF tem mostrado resiliência ao longo dos anos nos momentos mais difíceis desde sua fundação e acreditamos que o cenário atual que estamos vivenciamos é de oportunidade para nos fortalecer", finaliza o grupo.
A realidade difícil é bem distinta da vivida pela companhia no passado, quando chegou a faturar mais de R$ 1 bilhão. A BBF foi criada em 2008 e sempre focou no cultivo da palma, produzindo óleo, biocombustível, e também gerando energia renovável para áreas isoladas da Amazônia.
Em junho de 2023, antes de imergir na crise atual, o CEO da BBF, Milton Steagall, chegou a dizer ao AgFeed que a companhia pretendia mais que dobrar a área plantada de palma na Amazônia, acrescentando mais 100 mil hectares aos 75,6 mil onde já cultivava palma em pólos de produção em Roraima e no Pará.
Os planos envolviam ainda a produção de SAF e diesel verde HVO em uma planta que seria construída na Zona Franca de Manaus, prevista para 2026, com previsão de produção de 500 milhões de litros de biocombustível por ano. O investimento seria de R$ 2 bilhões.
A BBF chegou a firmar acordos com a distribuidora Vibra, que iria comercializar tanto o diesel verde quanto o SAF. Mas o projeto não foi adiante e a Vibra acabou indo parar na lista de credores da companhia.
Pouco depois da entrevista ao AgFeed, em agosto de 2023, a BBF se viu envolvida em dois conflitos na mesma semana entre indígenas e seguranças de uma fazenda da BBF no Pará, que terminou com quatro indígenas baleados pelos seguranças.
Na sequência, o CNDH enviou a recomendação que atrapalhou os planos da companhia de buscar recursos no mercado.
Em paralelo, além das dificuldades de obter financiamento, no início do ano passado, uma reportagem do site Capital Reset informou que a companhia estava prestes a perder seis usinas termelétricas no Pará, onde havia se comprometido a trocar diesel fóssil por biodiesel como matéria-prima. Depois de sucessivos descumprimentos, a Aneel recomendou que fossem encerrados os contratos com a BBF.
Mais recentemente, diante da crise da empresa, a Aneel apontou que há risco de interrupção no abastecimento de energia em estados da região Norte com Acre, Rondônia e Amazonas, que recebem energia gerada pela BBF.
Diante de toda essa situação difícil, os números também não ajudam a melhorar o quadro. Ao final do terceiro trimestre deste ano, a receita líquida de vendas acumulada no ano recuou 10,5%, passando de R$ 427 milhões no terceiro semestre de 2024 para R$ 382 milhões no mesmo período deste ano.
As vendas do óleo de palma, principal produto da empresa, recuaram 33% entre setembro de 2024 e setembro de 2025, passando de 54 mil toneladas para 36 mil toneladas.
Houve uma queda de 36% no volume de cachos de fruta colhidos no período, passando de 279 mil toneladas no terceiro trimestre de 2024 para 178 mil toneladas no mesmo período deste ano, sendo que 175 mil foram processados. Com isso, o volume de óleo também se reduziu, passando de 53 mil toneladas de óleo de palma no terceiro trimestre de 2024 para 33 mil toneladas no mesmo intervalo deste ano.
A BFF alega que a produção de óleo de palma tem sofrido com a situação climática do Pará, ainda que a melhora de preços do produto, principalmente no mercado doméstico, tenha amortecido a queda do faturamento.
Já na operação energética, houve um pequeno aumento de 4,6% no período em relação a 2024, passando de R$ 159 milhões no terceiro trimestre de 2024 para R$ 166 milhões agora, em função do aumento dos preços de energia decorrente de correção inflacionária.
O Ebitda (sigla para Lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) ficou negativo em R$ 49,4 milhões nos nove meses do ano, ante resultado positivo em R$ 21,8 milhões no mesmo período de 2024.
Com as dificuldades financeiras e os problemas envolvendo a produção agrícola no Pará, a companhia informou que também reduziu drasticamente seu quadro de funcionários, que passaram de 4.443 colaboradores em setembro de 2024 para 1.537 pessoas no mesmo período deste ano, sendo a maior redução na parte agrícola.
A BBF trouxe ainda informações sobre sua situação financeira. A empresa, ao fim do terceiro trimestre de 2025, possuía R$ 829 milhões em financiamentos e, desse montante, já conseguiu negociar 53% do total. Em outros casos, há, segundo a companhia negociações em fase avançada.
Hoje, já considerando números corrigidos por juros e correção monetária apresentados no documento, os principais financiamentos devidos pela companhia são junto ao Banco da Amazônia (R$ 305 milhões), debêntures coordenadas pelo Banco Genial (R$ 188 milhões), CRAs envolvendo o Fiagro da Vectis (R$ 53 milhões), banco Itaú (R$ 41 milhões), Banco John Deere (R$ 26 milhões), Banco Danielle (R$ 23 milhões), Finep (R$ 13 milhões) e Société Générale (R$ 12,7 milhões).
"O Grupo BBF continua empenhado em assegurar uma solução consensual e benéfica com seus credores para garantir a estabilidade e a continuidade de suas operações", disse a companhia.
Resumo
- Na véspera do prazo final para apresentar seu plano de RJ aos credores, a Brasil BioFuels divulga balanço, com prejuízo de R$ 518 milhões nos nove primeiros meses do ano
- Pedido de recuperação judicial da BBF foi deferido em outubro pela Justiça do Pará, garantindo 180 dias de proteção contra execuções
- Em dificuldades desde 2023, companhia soma mais de R$ 1 bilhão em dívidas, admite dificuldades financeiras e diz que está renegociando suas pendências